{Debate Internacionalista} Palco vicioso pró-guerra: agora, contra o Irã
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20:26 (há 1 hora)
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“É uma oportunidade histórica”, sussurrou um dos insiders do grupo de Netanyahu no ouvido de Ben Caspit (conhecido jornalista israelense), semana passada: “Não se pode nem imaginar o muito que podemos conseguir dos norte-americanos, a oportunidade de ouro que temos, agora, quando os EUA estão entrando em ano eleitoral”.
“Bombas anti-bunker” [ing. bunker-busters] – disse ele a Caspit. E Caspit reflete: “Segundo o pessoal mais próximo de Netanyahu, Israel receberá essas bombas no instante em que assinar o acordo de mútua defesa no qual Netanyahu tem trabalhado.” E embora o establishment da segurança israelense tenha-se oposto, historicamente, a qualquer pacto pleno, Caspit explica que associados do “primeiro-ministro referem-se a um pacto ‘parcial’ de defesa focado exclusivamente no Irã”. Associados de Netanyahu insistem que “o primeiro-ministro quer fazer história nos próximos seis meses.”
Que história seria essa? Por que seis meses? Ora... Caspit destaca: “O pessoal de Netanyahu, tendo à frente o ministro Yuval Steinitz, diz claramente que está para irromper uma guerra de amplo alcance, nos próximos seis meses, entre Irã e seus adversários na região, incluído Israel”. E o novo ministro da Defesa, Bennett, ameaça o Irã praticamente todos os dias.
“Talvez Netanyahu precise de uma guerra com o Irã, para sobreviver politicamente” – disse a Caspit um dos líderes da Aliança Azul e Branco em Israel. “É assustador e perigoso…”.
Mas precisamente um tratado desse tipo, focado no Irã, estava previsto como questão chave na agenda montada às pressas com o secretário Pompeo, em Lisboa, essa semana – para uma ‘reunião de cúpula’ que se seguiu à presença em Israel, recentemente, de um enxame de notáveis de altíssimo nível da Defesa dos EUA. Em Lisboa, Netanyahu disse que suas conversas com Pompeo focaram-se em 1. Irã; 2. Irã; e número 3: Irã.[1]
E em Washington? O establishment da Defesa não está repercutindo a conclamação dos israelenses à guerra imediata (com o Irã e aliados, conforme o noticiário, mergulhados em protestos ‘democráticos’), mas não se cansam de repetir que o Irã não estaria sendo suficientemente “contido” [ing. deterred].
E o establishment da Defesa dos EUA tem repetido comentário de Netanyahu, sobre o fenômeno Irã: “Continuamos a ver indicações (...) de que pode acontecer agressão pelos iranianos a Israel” – disse John Rood, número 3 do Pentágono, logo depois da divulgação de um relatório da Agência de Inteligência da Defesa que alertava que Teerã estaria produzindo “mísseis balísticos e cruzadores de potência cada vez maior”, com maior precisão, mais alta letalidade e mais longo alcance.
Toda essa conversa sobre ‘ameaça’ seria real? O Irã tem declarado bem claramente que o objetivo de seus bem calibrados movimentos é sempre ‘pressionar’, vale dizer: operar uma contrapressão que force os EUA a repensar sua política de cerco econômico. Isso, sim, faz sentido e compreende-se perfeitamente.
Ou, por sua vez, trata-se de Netanyahu disseminando boataria, na trilha de um possível terceiro turno das eleições em Israel, no Ano Novo, que pode expulsá-lo do poder e despachá-lo para a cadeia?
Essa segunda explicação é possível, mas os eventos sugerem que Netanyahu realmente deseja selar o próprio legado com os EUA persuadidos por ele a unir-se a Israel num ataque ao Irã. E esse é também risco bem real.
Se for assim, outra vez (como em 2003), evento desse tipo teria sido vendido à opinião pública de EUA e Europa, a partir de informes inteiramente falsos, forjados, viciosos.
E do que se trata, afinal? Bem... aqui está, do jornal israelense Haaretz: “Por muito tempo pareceu que seria impossível deter a expansão da influência do Irã por todo o Oriente Médio. Agora, toda a empreitada iraniana em busca da hegemonia está sob risco. Há protestos no Iraque e no Líbano, que se arrastam por semanas, que já quase paralisaram a economia desses países, e já levaram à renúncia de primeiros-ministros aprovados pelo Irã. Os protestos não dão sinal de arrefecer e não se vê solução à vista...”.
Daí, portanto, a tentativa dos israelenses de fazer avançar a ideia de que hoje – precisamente – seria o momento para os EUA agirem contra o Irã. Esse é o movimento liderado pelo recém-nomeado Ministro da Defesa, Bennet. E essa é a narrativa pró-guerra.
Não há dúvidas de que se prepara um cenário em torno dessa narrativa em construção: os EUA forçados a um combate épico, vale-tudo, contra o Irã, em que se disputará a primazia para influenciar o Iraque.
Os EUA e seus aliados europeus também mantêm o Líbano refém de alguma solução para a crise financeira (agravada pela deliberada drenagem da liquidez do EUA-dólar, do Líbano para New York), ao mesmo tempo em que os EUA exigem que o partido cristão do presidente Aoun rompa todos os laços com o Hizbullah. Essa aliança de cristãos e xiitas, perfeitamente legal no Líbano, é a força que efetivamente controla o Parlamento em Beirute. Além de exigir o rompimento da Aliança, os EUA também estão exigindo que o Líbano ceda sua posição no controle da demarcação do petróleo e do gás no Mediterrâneo Oriental – a Israel.
E, na Síria, forças dos EUA tentam usar os sírios curdos para bloquear todas as conexões entre Irã e Iraque (apertando ainda mais o cerco econômico), ao mesmo tempo em que Israel ataca, pelo ar, infraestrutura do Irã.
Noviguerra ou Guerra ‘Último Tipo’
Em resumo, enfrentamos hoje a Noviguerra, ou Guerra ‘Último Tipo’:
· Máxima pressão econômica (e cerco), como gatilho para disparar protestos populares; em seguida,
· alavancar as carências econômicas genuínas que fazem o povo sofrer, infiltrando elementos pequenos, treinados, para semear ‘mensagens’; e
· recorrer à violência calibrada contra símbolos do Estado, para atrair atenção da imprensa, no caso de os protestos populares amainarem e terem de ser ressuscitados.
Por outro lado – no que também se pode ver como um ‘outro’ aspecto dessa ‘preparação do palco’, Israel trabalha para pacificar Gaza (com o dinheiro do Golfo); e os EUA estão ativos junto aos Houthis, tentando fazer amainar a guerra contra a Arábia Saudita, vale dizer, tentando desconflitar outros potenciais fronts de guerra.
Os problemas econômicos e de governança no Iraque e no Líbano são reais (e profundos) – e pesam, até certo ponto, sobre o espaço de manobra do Irã. Assim sendo, o que há de ‘falso encaminhamento’ ou de projeto vicioso em tudo isso?
A falsidade e o vício desse encaminhamento estão nos protestos no Irã – e na ‘mensagem’ que está sendo promovida e disseminada, que fala do ‘regime’ iraniano como se estivesse nas vascas da agonia, a beira do colapso e obrigado a usar violência sem precedentes para conter protestos de massas desarmadas, na sequência de um absurdo aumento no preço dos combustíveis que teria sido concebido e imposto por meios extraordinariamente ineptos.
O que haverá de errado nessa versão? O que há de certo é que o aumento dos combustíveis disparou protestos em 100 cidades na 6ª-feira, 15 de novembro. Os protestos cobriram grandes áreas e os segmentos mais pobres da população (tradicionais apoiadores do Estado) estavam pesadamente representados. Mas não cometeram violências. Todo o restante da narrativa é narrativa fake, forjada.
No dia em que houve os protestos realmente massivos contra o aumento dos combustíveis, ninguém foi morto. E, no dia seguinte, os que protestaram já haviam desaparecido quase completamente das ruas. Em vez disso, pequenos grupos de ativistas treinados, armados e violentos – não cidadãos que protestavam – atacaram pontos estratégicos da infraestrutura do estado iraniano: bancos, usinas de petroquímicos, a rede de gás e os tanques de armazenamento de combustível. Esses pontos cruciais foram atacados com granadas disparadas por foguetes [ing. rocket-propelled grenades (RPGs)] e submetralhadoras. Outros grupos invadiram bancos (100 agências), armados com pistolas, espadas e barras de ferro. (Um desses grupos atacou seis bancos, no período de uma hora.) Nada, nisso tudo foi evento espontâneo ou ‘populista’.
As forças de segurança reagiram militarmente – prendendo e matando muitos insurgentes. E sim – a internet foi bloqueada. Mas não a internet iraniana interna – só a internet global. Implica dizer que o equivalente iraniano de WhatsApp e Telegraph, e os canais iranianos de notícias continuaram operantes e acessíveis – mesmo com a internet global bloqueada. A fúria no além-mar, ao constatar que a internet global fora derrubada, refletiu, provavelmente, surpresa e irritação, quando descobriram que o Irã controlava os meios para exercer essa capacidade. Provavelmente, nem imaginavam que esses meios fossem acessíveis ao Irã.
Tudo isso considerado, o que, afinal, estava acontecendo?
Tudo sugere que o governo iraniano já soubesse de planos para encenar ataques ‘de ativistas’, como parte de um plano de subversão (formulado e financiado de fora do país). Mas aquele plano original indicaria que as ações começariam logo no início do próximo ano.
O que parece ter acontecido é que quando começaram os protestos depois do aumento dos preços do combustível, os tais ‘ativistas’ receberam ordem para agir e ‘aproveitar o momento’. Em outras palavras, ativaram, antes do momento previsto, planos que já estavam preparados. Foi exatamente o que as forças de segurança do Irã queriam e anteciparam que aconteceria e estimularam para que acontecesse. Com o ‘levante’ nas ruas, as forças iranianas puderam abortar o complô e prender ou matar os principais comandantes golpistas.
Em outras palavras: o governo do Irã absolutamente não está ‘à beira’ de precipício algum – e pesquisas posteriores realizadas no Irã mostram a ira popular dirigida principalmente contra as gangues violentas e – mas em menor medida –, também contra o governo Rouhani, por ter administrado tão obtusamente o aumento dos combustíveis. Mas não contra o estado iraniano per se.
Esse segundo resultado não chega a surpreender, e iranianos mais velhos lembrar-se-ão de quantas vezes a CIA serviu-se de táticas similares – ataques violentos a lojas – para forçar a escalada dos protestos em 1953 para derrubar o primeiro-ministro Mosaddegh, favorecendo o governo monárquico do Xá.
Eis a questão: Será que os vários instigadores desses ataques violentos planejados e deliberados apresentaram-se como bem-sucedidos ao presidente Trump, ‘limpos’ do fracasso do próprio plano – e sem comentar a devastação que os iranianos fizeram nas redes norte-americanas locais no Irã? Ou a única informação que chega ao presidente Trump é a ‘narrativa’ de Netanyahu, de um Irã encurralado e ‘à beira do precipício’?
O Irã não está à beira de precipício algum; a economia iraniana não está implodindo; e o país não está – pelo menos, ainda não está – encurralado na região. A queda de braço entre EUA e Irã no Iraque, na Síria e no Líbano começou, sim, mas ainda não acabou. Não é absolutamente hora de Israel contar com os ovos antes de estarem no choco, no que diga respeito a algum Irã que estaria praticamente cercado e paralisado, o que não existe.
A outra pergunta, então, é: Com toda essa pressão máxima que só incha, e todas as operações de guerra ‘financializada’ montadas por EUA, Israel e alguns Estados do Golfo em todo o Oriente Médio, ainda haverá saída? Ou o mais provável que que tudo isso termine mesmo em guerra? O momentum, no pé em que estão as coisas, tem maiores probabilidades de levar a uma escalada. Para evitar esse desastre, um ou outro dos dois campos tem de retroceder.
Um fator antiescalada pode ser que, por mais que Trump esteja (ignominiosamente) pronto para tomar a via da subversão e a disrupção, assumir o risco de impor máximos sofrimento e dor ao povo do Líbano, do Iraque e da Síria, com o único objetivo de enfraquecer o Irã, é muito provável que ele não deseje tomar a via sem retorno em direção à guerra.
Pesquisas de opinião nos EUA mostram que os norte-americanos absolutamente não estão com sede de guerra contra o Irã. Mas descer da ‘árvore’ do Irã pela qual enveredou não será fácil para Trump. Outra via antiescalada e antiguerra é que Netanyahu não permaneça primeiro-ministro ao longo dos próximos seis meses vitais, decisivos, para que ‘escreva a história’ e sele o próprio legado. Sem dúvida seria “assustador e perigoso”, se Netanyahu (e seus associados mais próximos) concluíssem que Netanyahu careceria dessa guerra para sobreviver – possibilidade para a qual Ben Caspit foi tão claramente alertado.
Mas ainda menos provável é que o Irã ceda ou imploda.*******
[1] Praticamente na mesma época, o filho do presidente Bolsonaro do Brasil comparava o casamento homoafetivo a um casamento entre homem e cachorro, em entrevista à TV israelense, entrevista que, logo depois, foi apagada das redes sociais do rapaz. Se é verdade que Israel é o país mais liberal do mundo, em tudo que tenha a ver com relações homoafetivas – o que para alguns explicaria que o rapaz tenha imediatamente retirado de suas redes a entrevista –, também é verdade que a mesma fala, por motivos diferentes, também tem tudo para incendiar a opinião pública no Irã e em todo o mundo árabe, pela referência a um ‘casamento com cachorro’, ou ‘família de cachorro’. A entrevista pode ter sido planejada como parte da mesma operação de atiçar um lado contra o outro, no projeto ‘guerra ao Irã’, de Netanyahu. A vergonha do Brasil já não tem limites [NTs].
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