terça-feira, 24 de dezembro de 2013

 

NELSON MANDELA – DA ÁFRICA DO SUL PARA O MUNDO, POR PIO PENNA FILHO

http://irel.unb.br/2013/12/06/nelson-mandela-da-africa-do-sul-para-o-mundo-por-pio-penna-filho/

Nelson Mandela foi uma das personalidades mais importantes da história contemporânea, aliás, pela sua conduta de vida e pela sua conduta política, um líder “histórico”, atemporal, daqueles poucos que entram para a História para nunca mais serem esquecidos. Carismático, Mandela atuou com uma convicção ímpar na luta contra o regime racista do apartheid na África do Sul, mesmo sabendo o quão difícil seria a vitória contra a intransigência racial de parte dos brancos sul-africanos. A história da sua luta se confunde com a história recente do seu próprio país e ganha uma dimensão ainda maior e transcendente quando consideramos o sério problema do racismo, infelizmente uma realidade universal.
apartheid foi um odioso sistema criado por brancos da África do Sul para se manterem no poder e no controle da vida política, econômica e social de um dos mais prósperos países africanos. Tudo começou no final dos anos 1940, quando os ventos da descolonização começavam a soprar da Ásia para a África e a Organização das Nações Unidas colocava em evidência valores como os dos direitos humanos, o direito a autodeterminação dos povos e a igualdade entre os homens, ou seja, assumia uma perspectiva crítica contra a discriminação racial, um dos pilares que legitimavam o colonialismo europeu.
Temerosos de perder o controle do processo político sul-africano, os brancos, congregados principalmente em torno do Partido Nacional, começaram a edificar um conjunto de leis discriminatórias que ficaram conhecidas como o sistema do apartheid, isto é, de separação, segregação, que tanto sofrimento e dor causou para a maior parte da população do país.
Nesse sistema absolutamente injusto, a maioria da população – os negros – não podiam viver nas mesmas cidades que os brancos, não podiam estudar nas mesmas escolas, não podiam frequentar as mesmas praias, não podiam namorar, casar e nem ter nenhum tipo de contato íntimo com os brancos, e vice-versa. Aliás, não só os negros. Os racistas sul-africanos dividiram a sociedade em brancos, negros, asiáticos e mestiços. Cada um recebia uma identificação e isso limitava toda a sua vida. Existiam cidades – ou bairros – destinados a cada grupo. É claro que esses locais eram sempre o mais afastado possível das cidades onde viviam os brancos e lhes faltava de tudo: acesso a saúde, escolas, água encanada, pavimentação, empregos, enfim, condições dignas de vida.
Foi contra esse estado de coisas que Mandela e muitos outros ativistas lutaram. Filiado ao Congresso Nacional Africano (CNA), Mandela se formou em Direito e rapidamente começou a se destacar como um dos mais importantes quadros do CNA. No início dos anos 1960, quando o regime racista ampliou a repressão contra os negros e vetou qualquer tipo de negociação política, Mandela pregou a luta armada como uma forma legítima de combater as injustiças sociais – e raciais – no seu país. Ou seja, embora preferisse a negociação política, Mandela não se furtou a ações mais radicais e firmes quando o regime fechou todas as outras possibilidades, assumindo riscos e responsabilidades que mais tarde o levariam à prisão.
Assim, por conta do seu engajamento político foi preso e condenado a prisão perpétua. Amargou 27 anos detido em Robben Island, uma prisão localizada numa ilha próxima à Cidade do Cabo. Mas mesmo todo o sofrimento da prisão não enfraqueceu a sua convicção inquebrantável de que uma África do Sul diferente era possível, uma nação que congregasse a todos, sem discriminação.
Por um desses lances de sorte, ou do destino, Mandela estava vivo quando o regime do apartheid desmoronava perante uma oposição vigorosa e violenta que tomava as ruas das principais cidades sul-africanas no final da década de 1980. Digo isso porque foi o seu incontestável carisma e sua autoridade moral que possibilitaram uma saída política para a crise sul-africana. Sem ele, talvez não fosse possível a realização de uma transição política relativamente pacífica num país profundamente marcado pela desigualdade e pelo ódio racial.
Mandela era um dos pouquíssimos negros que os brancos respeitavam. Ele foi o artífice de uma obra de engenharia política poucas vezes experimentada com sucesso em situações como a do desmantelamento do apartheid na África do Sul. Sua vida, pautada pela integridade moral e pela convicção política baseada na justiça social, é um exemplo para toda a humanidade.
Mandela foi um líder em todos os sentidos. Desde a juventude começou a se inquietar com as desigualdades e injustiças vivenciadas pela maior parte da população sul-africana, especialmente pelos negros. Logo adquiriu consciência política e começou a militar nas hostes do Congresso Nacional Africano, se dedicando com afinco e se preparando com uma  disciplina incomum para a luta que, todos sabiam, seria longa e árdua. Sua vida foi dedicada à luta contra o apartheid e por uma sociedade mais justa, com uma coerência política rara de se encontrar. Não se iludiu com o poder e nem tampouco tirou vantagens pessoais com a ascensão à presidência tendo, inclusive, demonstrado o seu compromisso com a democracia ao não se candidatar à reeleição, uma vez que acreditava ser importante a renovação política, dando vez a gerações mais novas.
A trajetória de vida de Nelson Mandela o levou da condição de militante contra o apartheid na África do Sul para a de um líder de reconhecimento mundial. Ao final, Mandela se tornou uma espécie de patrimônio da humanidade, um raríssimo líder com uma estatura moral invejável e encontrada apenas de tempos em tempos. Por tudo isso, não apenas os sul-africanos perdem o seu líder máximo, mas a humanidade como um todo fica órfã com a perda de um ser humano que serviu e servirá de exemplo para muitas gerações. Mandela merece descansar em paz!
Pio Penna Filho é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI (piopenna@gmail.com).

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

 

Altamiro Borges: A covarde violação dos direitos humanos

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A covarde violação dos direitos humanos

Por Leonardo Boff, no sítio da Adital:


Vivemos num mundo no qual os direitos humanos são violados, praticamente em todos os níveis, familiar, local, nacional e planetário.

O Relatório Anual da Anistia Internacional de 2013 com referência a 2012 cobrindo 159 países faz exatamente esta dolorosa constatação. Ao invés de avançarmos no respeito à dignidade humana e aos direitos das pessoas, dos povos e dos ecossistemas estamos regredindo a níveis de barbárie. As violações não conhecem fronteiras e as formas desta agressão se sofisticam cada vez mais.

A forma mais covarde é a ação dos "drones”, aviões não pilotados que a partir de alguma base do Texas, dirigidos por um jovem militar diante de uma telinha de televisão, como se estivesse jogando, consegue identificar um grupo de afegãos celebrando um casamento e dentro do qual, presumivelmente deverá haver algum guerrilheiro da Al Qaeda. Basta esta suposição para com um pequeno clique lançar uma bomba que aniquila todo o grupo, com muitas mães e crianças inocentes.

É a forma perversa da guerra preventiva, inaugurada por Bush e criminosamente levada avante pelo Presidente Obama que não cumpriu as promessas de campanha com referência aos direitos humanos, seja ao fechamento de Guantánamo, seja à supressão do "Ato Patriótico”(antipatriótico) pelo qual qualquer pessoa dentro dos USA pode ser detida por suspeita de terrorismo, sem necessidade de avisar a família. Isso significa sequestro ilegal que nós na América Latina conhecemos de sobejo. Verifica-se em termos econômicos e também de direitos humanos uma verdadeira latino-americanização dos USA no estilo dos nossos piores momentos da época de chumbo das ditaduras militares. Hoje, consoante o Relatório da Anistia Internacional, o país que mais viola direitos de pessoas e de povos são os Estados Unidos.

Com a maior indiferença, qual imperador romano absoluto, Obama nega-se a dar qualquer justificativa suficiente sobre a espionagem mundial que seu Governo faz a pretexto da segurança nacional, cobrindo áreas que vão de trocas de e-mails amorosos entre dois apaixonados até dos negócios sigilosos e bilionários da Petrobrás, violando o direito à privacidade das pessoas e à soberania de todo um país. A segurança anula a validade dos direitos irrenunciáveis.

O Continente que mais violações sofre é a África. É o Continente esquecido e vandalizado. Terras são compradas (land grabbing) por grandes corporações e pela China para nelas produzirem alimentos para suas populações. É uma neocolonização mais perversa que a anterior.

Os milhares e milhares de refugiados e imigrantes por razões de fome e de erosão de suas terras são os mais vulneráveis. Constituem uma subclasse de pessoas, rejeitadas por quase todos os países, "numa globalização da insensibilidade”, como a chamou o Papa Francisco. Dramática, diz o Relatório da Anistia Internacional, é a situação das mulheres. Constituem mais da metade da humanidade, muitíssimas delas sujeitas a violências de todo tipo e em várias partes da África e da Ásia ainda obrigadas à mutilação genital.

A situação de nosso país é preocupante dado o nível de violência que campeia em todas as partes. Diria, não há violência: estamos montados sobre estruturas de violência sistêmica que pesa sobre mais da metade da população afrodescendente, sobre os indígenas que lutam por preservar suas terras contra a voracidade impune do agronegócio, sobre os pobres em geral e sobre os LGBT, discriminados e até mortos. Porque nunca fizemos uma reforma agrária, nem política, nem tributária assistimos nossas cidades se cercarem de centenas e centenas de "comunidades pobres”(favelas) onde os direitos à saúde, educação, à infraestrutura e à segurança são deficitariamente garantidos. A desigualdade, outro nome para a injustiça social, provoca as principais violações.

O fundamento último do cultivo dos direitos humanos reside na dignidade de cada pessoa humana e no respeito que lhe é devido. Dignidade significa que ela é portadora de espírito e de liberdade que lhe permite moldar sua própria vida. O respeito é o reconhecimento de que cada ser humano possui um valor intrínseco, é um fim em si mesmo e jamais meio para qualquer outra coisa. Diante de cada ser humano, por anônimo que seja, todo poder encontra o seu limite, também o Estado.

O fato é que vivemos num tipo de sociedade mundial que colocou a economia como seu eixo estruturador. A razão é só utilitarista e tudo, até a pessoa humana, como o denuncia o Papa Francisco é feita "um bem de consumo que uma vez usado pode ser jogado fora”. Numa sociedade assim não há lugar para direitos, apenas para interesses. Até o direito sagrado à comida e à bebida só é garantido para quem puder pagar. Caso contrário, estará ao pé da mesa, junto aos cães esperando alguma migalha que caia da mesa farta dos ‘epulões’.

Neste sistema econômico, político e comercial se assentam as causas principais, não exclusivas, que levam permanentemente à violação da dignidade humana. O sistema vigente não ama as pessoas, apenas sua capacidade de produzir e de consumir. De resto, são apenas resto, óleo gasto na produção.

A tarefa além de humanitária e ética é principalmente política: como transformar este tipo de sociedade malvada numa sociedade onde os humanos possam se tratar humanamente e gozar de direitos básicos. Caso contrário a violência é a norma e a civilização se degrada em barbárie.

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