sábado, 24 de maio de 2014

 

Nota da Comissão de Justiça e Paz da CNBB sobre Ação Penal 470

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Negros ocupam metade das bolsas do ProUni

  Por Mônica Aguiar Souza no blog
 
 
Metade dos beneficiados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) é negra. A informação foi divulgada pelo secretário da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Paulo Speller, em seminário que comemorou os dez anos do programa, na Câmara dos Deputados. Desde que foi criado, o ProUni formou 400 mil estudantes e ofertou, no total, 1,27 milhão de bolsas. Cerca de 635 mil foram destinadas a negros.
No Brasil, juntos, pretos e pardos são 50,7% da população, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, o grupo é minoria no ensino superior. O Censo da Educação Superior de 2012 mostra que, dos 7 milhões de estudantes, 187 mil são pretos e 746 mil pardos, o que representa 13,3% do total. A maioria dos negros está em instituições particulares, 608 mil, 62,2% dos que cursam ensino superior.
Na análise do professor de história e integrante da UNEafro Brasil, Douglas Belchior, o dado é positivo e mostra uma ocupação cada vez maior da juventude negra em cursos superiores. No entanto, ele ressalta que a luta histórica do movimento negro é pela ocupação de vagas em instituições públicas de ensino. 
“A reivindicação é por uma educação pública de qualidade para que um dia esses programas compensatórios, como as cotas e o ProUni, possam deixar de existir", diz, acrescentando que “ainda que tenham as cotas, elas são metade do que reivindicamos historicamente, que é a ocupação das vagas na proporção da presença de negros em cada estado”.
O ProUni oferece bolsas de estudo integrais e parciais em instituições particulares de ensino. As integrais são para estudantes com renda bruta familiar, por pessoa, de até um salário mínimo e meio. As bolsas parciais são para candidatos com renda bruta familiar igual ou inferior a três salários mínimos por pessoa. O bolsista parcial pode usar o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para custear o restante da mensalidade. Em 2014, foram ofertadas 191 mil bolsas, entre parciais e integrais. Atualmente, participam do programa 1,2 mil instituições e, no total, 500 mil bolsas estão ativas. 
O programa tem o objetivo de ampliar o acesso à formação superior. Até 2011, aproximadamente 18% dos jovens de 18 a 24 anos tinham acesso a cursos de nível superior.  Em 2012, o censo apontou que o número de matrículas era superior a 7 milhões. As instituições privadas concentram a maior parte desse total: 5,1 milhões. O Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação no Congresso Nacional, estabelece que, em dez anos, 33% da população entre 18 e 24 anos deve ter acesso ao ensino superior.
Para Paulo Speller, o programa está cumprindo o papel social.  "A conclusão que podemos tirar é que o ProUni é um programa efetivamente de inclusão social. Tem sido aperfeiçoado, mas esses dados são em relação ao total. Temos aqui uma plataforma que atesta o grande sucesso que tem sido esse programa", diz o secretário.  Ele explica que os bolsistas integrais matriculados em cursos presenciais com, no mínimo, seis semestres e cuja carga horária média é igual ou superior a 6h diárias podem receber também uma bolsa permanência de R$ 400. Segundo Speller, 6,8 mil alunos estão aptos a receber o benefício.

Fonte: EBC 
Foto: Mônica Aguiar

quarta-feira, 21 de maio de 2014

 

Do Blog do Miro. China: A volta do império do meio

Por Mauro Santayana, em seu blog:


Técnicos do Banco Mundial anunciaram, em estudo divulgado na semana passada, que a China acaba de ultrapassar os EUA em poder paritário de compra, como a maior economia do mundo.

Os chineses costumam dizer que “não interessa a que velocidade você caminha, mas sim, para onde está andando”.

Para o Brasil, quinto maior país e sétima economia do mundo, a inevitável ascensão chinesa, agora voltada para ultrapassar os EUA em PIB nominal, e, um dia, alcançá-lo em tecnologia, defesa, e, com menor desigualdade, em renda, traz inúmeras lições.

A mais importante delas é até onde se pode chegar com um projeto de país baseado no nacionalismo – e não no proverbial entreguismo vigente em nosso país nos últimos 20 anos.

O Estado chinês não financia capitais externos, a não ser que a eles se associe majoritariamente. Ciente da importância de seu mercado interno - convenientemente fechado por muitos anos - ele não empresta dinheiro público para que marcas de automóveis estrangeiras se instalem no país. No lugar disso, compra participação em suas matrizes. E faz isso em todos os setores da atividade econômica.

Seu bem sucedido projeto de desenvolvimento está baseado na presença – serena e incontestável - do estado como proprietário de meios de produção e elemento indutor na economia, em parceria com capitais locais e o capital estrangeiro, que tem que se contentar com um papel secundário no processo, a não ser que queira ficar de fora de um dos maiores mercados do mundo.

Os chineses sabem que de nada adianta industrializar o país e modernizar a economia, se os lucros voarem, todos os anos, para o exterior, como as andorinhas. Afinal, países não são poderosos apenas pelo que produzem, mas também pelo que consomem. Ao ultrapassar os Estados Unidos como o maior mercado do mundo, embora ainda não seja o maior importador, a China dá gigantesco passo rumo ao futuro.

Nos últimos quatro mil anos, a maior parte do tempo, os chineses estiveram à frente da maior economia. A diferença é que - fechados dentro de si mesmos - seus dirigentes encaravam o resto do planeta como bárbaros e sem o refinamento e a educação de sua cultura. Coo nações interessadas em invadir e destruir seu império, como o “ocidente” fez tão logo pôde, implacável e solerte, em defesa, entre outras causas edificantes, do tráfico de drogas pela Coroa Britânica, que deu origem às Guerras do Ópio.

A diferença entre o Império do Meio de antes e o Império do Meio de hoje, é que a Revolução Maoísta abriu a porta para transformar os camponeses em operários, e, até mesmo, em milionários e empreendedores. Além de que o espaço natural para seus produtos e negociantes, estava, antes, quase sempre, cercado pelas sinuosas curvas da Grande Muralha, enquanto, agora, os limites da influência da Nova China avançam para se transformar, cada vez mais, nos próprios limites do mundo.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

 

Ilhalarga:De quem é a estratégia do medo?


  No blog

Divulgação


Confrontada com imagens do passado, a oposição partidária e midiática reclama de que a "estratégia do medo", que é de sua exclusividade, estaria sendo usada em favor de Dilma. Seu medo maior, no fundo, é que as pessoas já não mais acreditem em fantasmas.

Na terça-feira (13), foi ao ar a propaganda “Fantasmas do Passado”, do Partido dos Trabalhadores (PT), em inserções na tevê e no rádio.

A peça expõe cenas em que pessoas são confrontadas com a imagem delas próprias, no passado. Mais pobres, mais tristes, abandonadas à própria "sorte".

O programa quer - e consegue - fazer com que as pessoas tentem se lembrar de como era o Brasil antes dos governos de Lula e Dilma. No mínimo, que elas se recordem de como elas mesmas estavam – onde e em que situação.

Os candidatos da oposição acusaram o golpe e imediatamente reclamaram de que PT usa uma "estratégia do medo" e um "discurso do medo".

Ato contínuo, a velha mídia simplesmente copiou e colou o discurso oposicionista. Transformou as aspas da oposição em suas manchetes, literalmente. Estão em todos os jornalões: "estratégia do medo" e "discurso do medo".

Questiona-se em que medida o PT não estaria usando a mesma estratégia de FHC e Serra, disparada contra Lula em 2002. Boa pergunta - boa, capciosa e omissa.

A pergunta tem um pressuposto ardiloso, que é o de que a estratégia do medo é um recurso que deve ser exclusivo de quem faz oposição ao atual governo.

A pergunta omite 2004, 2006, 2008, 2010 e 2012, quando a oposição partidária e midiática usou a "estratégia do medo" em eleições presidenciais, estaduais e municipais.

Em 2006, as campanhas eleitoral e midiática instilavam o pavor a que dinheiro público fosse gasto com pobres, de que o Bolsa Família criasse uma legião de vagabundos e de que o País estivesse sendo transformado no pior dos mundos. Continuamos às voltas com esse discurso em cada esquina.

Em 2010, o medo era do aborto, do casamento de homossexuais e de uma candidata que tinha um passado de luta contra a ditadura. Esse mesmo medo irá proporcionar pelo menos uma candidatura nas eleições deste ano, a do PSC, mas promete estar na boca de muito mais gente.

Em 2014, a "estratégia do medo" é a de repetir - assim como se fez durante todo o ano de 2013 - que a inflação está fora de controle; que o país caminha para um apagão elétrico e de infraestrutura; que ninguém está satisfeito com nada.

De repente, a maioria da população virou "ninguém" e o país pode ser traduzido como "nada". Belo discurso.

Os brasileiros foram meticulosamente convencidos a terem medo da Copa do Mundo, de protestos, de greves. De quem, afinal, é a estratégia do medo?

A oposição sente calafrios não da peça publicitária, mas da ideia força que ela traz para o debate público.

O programa veiculado coloca, nas mãos dos eleitores, uma pergunta simples e direta, que até então não havia sido feita: de 2003 a 2014, sua vida melhorou ou piorou? Aquilo que você conquistou, de mais importante, foi conquistado antes ou depois de 2003?

A oposição, até mesmo Eduardo Campos, vestiu a carapuça de ser o fantasma a que o programa se refere - e treme por ter que carregar o apelido.

Seu medo maior é que as pessoas, no fundo, já não mais acreditem em fantasmas.


(Antônio Lassance/Carta Maior)

terça-feira, 13 de maio de 2014

 

LulaO mundo se encontra no Brasil

Brasil


segunda-feira, 12 de maio de 2014

 

Os empresários amam Aécio Neves

Por Altamiro Borges no Blog

Ricaços do Brasil, uni-vos – e de quebra atraiam os otários da classe “mérdia” para apoiar Aécio Neves, o cambaleante presidenciável tucano. E isto que se conclui da pesquisa realizada na semana passada pelo Valor – um consórcio midiático das famiglias Marinho e Frias. Durante a entrega do prêmio “Executivo de Valor”, o jornal ouviu 103 executivos das principais corporações empresariais do país. A pesquisa confirmou que os patrões já escolheram o seu candidato para as eleições de 2014. Aécio Neves teve 72 votos, contra 17 de Eduardo Campos e apenas três de Dilma Rousseff. A adesão ao tucano foi de 70%. “A presidente colhe os frutos do seu pouco diálogo com a classe empresarial”, concluiu o jornal Valor.

É uma baita injustiça dos ambiciosos e avarentos ricaços. Não dá para dizer que os governos Lula e Dilma prejudicaram as grandes empresas nos últimos 12 anos. Pelo contrário. Com o crescimento da economia, apesar da crise do capitalismo mundial, os empresários elevaram seus lucros e patrimônio. Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro na história do país. O número de bilionários brasileiros da revista Forbes cresceu. O consumo de jatinhos e iates bate recorde. A elite gasta fortunas nos passeios a Miami e a outros paraísos do consumo. Mesmo assim, os ricaços querem mais, muito mais. Eles criticam o “intervencionismo” da presidenta Dilma e exige total liberdade para o “deus mercado”.

O tucano Aécio Neves é quem mais corresponde a tais expectativas dos empresários. Ele já prometeu adotar “medidas impopulares” para saciar o apetite dos ricaços. Apesar das juras de amor eleitoreiras ao programa Bolsa Família e à política de valorização do salário mínimo, o PSDB nunca negou que rejeita estas iniciativas “populistas”. Armínio Fraga, herói dos rentistas contado para ser o homem forte de um futuro governo tucano, já disse que o salário mínimo e o emprego em alta prejudicam a economia, atrofiam os negócios empresariais. Aécio Neves volta a endeusar FHC, rejeitado pelos três últimos presidenciais do PSDB, e defende suas ideias de privatização e de maior desregulamentação da economia.

O próprio jornal Valor, em editorial publicado na quarta-feira (7), argumentou que “os empresários têm agenda pragmática para o governo”. Eles têm como prioridades “aumentar a competitividade do país, o que passa por ampliar a produtividade”. Eles criticam o aumento do salário acima da inflação e defendem as reformas trabalhista – que retire direitos históricos dos trabalhadores – e tributária – que reduza impostos das elites. Eles também pregam ajustes na política monetária, fiscal e cambial, todas visando ampliar os lucros dos ricaços. E ainda falam em educação de qualidade e outras baboseiras, para tornar o discurso patronal um pouco mais palatável. Isto explica os 70% de preferência por Aécio Neves!

domingo, 11 de maio de 2014

 

Reforma política ou reforma política


sábado, 10 de maio de 2014

Por Bepe Damasco, em seu blog:

Impossível não refletir sobre as falhas e insuficiências da nossa democracia quando um aprendiz de ditador de republiqueta travestido de presidente de suprema corte usa e abusa do cargo que ocupa para perseguir os que ele encara como adversários políticos e ideológicos.

Diante da perplexidade do mundo jurídico, e de segmentos cada vez maiores da sociedade, Joaquim Barbosa segue cometendo seguidas atrocidades jurídicas, explorando as brechas legais do sistema para exercer um poder imperial à frente do Judiciário brasileiro.

Só uma ampla reforma do Judiciário seria capaz de abrir a caixa preta desse poder e criar mecanismos através dos quais a sociedade possa cobrar transparência e celeridade a um poder impermeável a um mínimo de controle por parte da população. Isso certamente reduziria a margem, para aventuras antidemocráticas como a protagonizada por Barbosa.

Judiciário tem de fazer justiça. E justiça lenta não é justiça. Justiça cara não é justiça. Justiça politizada não é justiça. Justiça como instrumento de ódio e de vingança não é justiça.

No Brasil, uma vez aprovado em concurso público, para o qual pôde se preparar por ter frequentado os bons colégios da classe média, o juiz se sente uma espécie de semideus. O mesmo vale para o procurador do Ministério Público.

Desprezando o pilar fundamental da democracia, que é o princípio da soberania popular, agem como intocáveis e acabam, com honrosas exceções, prestando um serviço jurisdicional voltado apenas para as elites do país. Isso tem que acabar, sob pena da nossa democracia capengar para todo o sempre como uma obra inacabada e disforme.

Intelectuais do campos da esquerda e boa parte da militância do PT têm defendido que, caso seja reeleita, a presidenta Dilma deve dedicar seu segundo mandato às grandes reformas que interessam ao povo brasileiro, mas que se encontram travadas pelo bloco conservador do Congresso Nacional e têm o debate interditado pelo monopólio da meia dúzia de famílias milionárias que controlam a mídia.

Pois, então, que fique claro : sem a mãe de todas as reformas, a reforma política, as outras continuarão esbarrando numa correlação de forças institucional desfavorável às forças progressistas.

Ou alguém imagina que o Congresso Nacional, tanto com a atual composição como a que erigir das urnas em outubro, seja capaz de votar um novo marco regulatório para a radiodifusão brasileira ? Ou a reforma do Judiciário ? Ou a aceleração da reforma agrária, contrariando o lobby do agronegócio ? Ou os 10% do PIB para a educação ? Ou os 10% do orçamento da União para a saúde ?

A hora é de conferir prioridade absoluta ao movimento pela reforma política, com constituinte exclusiva, tocado por centrais sindicais, movimentos sociais e entidades da sociedade. Foi muito bem-vinda a fala da presidenta Dilma, na noite do dia 30 de abril, na qual ela retomou a questão da urgência da reforma política. Também merece ser saudado o avanço desse debate no último encontro nacional do PT.

Um antigo cartola do Fluminense, Francisco Horta, costumava dizer antes dos grandes jogos que ao seu time só restava "vencer ou vencer". Se bem que contra o meu Botafogo muitas vezes essa conclamação não funcionava. Mas, na encruzilhada que o Brasil hoje se encontra, é reforma política ou reforma política.

terça-feira, 6 de maio de 2014

 

Lola Aronovicht: quem comete a barbárie!!!!!

terça-feira, 6 de maio de 2014

No Escreva Lola Escreva

Não sei se tenho alguma coisa pra contribuir sobre o terrível linchamento de Fabiane Maria de Jesus. Mas isso mexeu comigo. Mexeu com muita gente.
No sábado, dia 3 de maio, Fabiane, que vivia no bairro Morrinhos, em Guarujá, litoral de SP, estava voltando de bicicleta da igreja, quando foi cercada por uma multidão e barbaramente atacada. Pelo jeito, o pessoal que não estava batendo estava filmando a cena, pois há (ou havia) vários vídeos desse linchamento (porque hoje não basta cometer a violência, é preciso também filmá-la e publicá-la nas redes sociais). 
Quando a polícia chegou, pensou que Fabiane estava morta. Ela foi levada ao hospital, ficou dois dias em coma, e morreu ontem. Era dona de casa, casada com um porteiro, tinha duas filhas.
Foi uma das vítimas da barbárie. No Guarujá, havia boatos que uma mulher estaria sequestrando crianças para rituais de magia negra. Ou seja, uma bruxa estava à solta. 
Na sexta, dia 2, uma montagem com um retrato falado da "vagabunda" foi publicada na página do Facebook Guarujá Alerta. Não se sabe quem fez a montagem, mas o retrato falado é de 2012, e a foto da mulher de cabelo loiro é de uma usuária qualquer no FB, como bem explicado aqui
Também não se sabe exatamente a responsabilidade da página Guarujá Alerta. Por mais que tenha permitido que um dos seus seguidores postasse a montagem, a página vinha dizendo que, apesar dos insistentes rumores, não havia qualquer registro na polícia de uma sequestradora de crianças na região. A princípio, quando a tragédia eclodiu, o administrador da página (ou os administradores, não dá pra saber, porque são anônimos) veio com bravatas, alegando perseguição política. Depois, baixou o tom, e agora insiste que não falará nada para não prejudicar as investigações.
Ao ler sobre esse linchamento, muitas memórias me vieram à mente. Lembrei de uma das cenas mais chocantes que vi na TV, em toda minha vida: um capítulo da novela Sinal de Alerta, do grande Dias Gomes. Era uma novela das dez da noite, e eu só tinha onze anos. Se não me engano, o primeiro capítulo já mostrava uma cena de linchamento. Eu nunca tinha visto aquilo. Nem sabia que isso existia. Isso de pessoas fora de si espancarem uma pessoa até a morte, com as próprias mãos. Aquilo foi marcante pra mim. Talvez tenha sido meu primeiro momento de "pare o mundo que eu quero descer". 
Morei quinze anos em Joinville, a dois quarteirões de um posto da polícia, que não fazia nada. Não ajudava a diminuir a criminalidade na vizinhança, não apartava brigas de vizinhos, sequer evitava que o bosque ao lado do posto fosse desmatado. E todo mundo sabia que ter ou não ter o posto policial ali dava na mesma. 
Porém, teve um dia em que fui levar meu cachorrinho pra passear, e percebi que vários moradores estavam apontando pro posto policial e comentando. Parece que os policiais haviam capturado um bandido e ele estava dentro do posto, "recebendo um trato", de acordo com meus vizinhos. Eles falavam com grande admiração da polícia torturar um suspeito. Era exatamente isso que eles queriam da PM. 
A maior parte dos meus vizinhos em Joinville era espectadora assídua de noticiários policiais. Não só os de rede nacional, mas os locais, que devem ser mais sangrentos e justiceiros ainda. Os crimes que viam noticiados pautavam suas conversas. Ouso dizer que uma das grandes frustrações desses meus vizinhos era não ter a chance de fazer "justiça" com as próprias mãos. Eles tinham muitos planos do que gostariam de fazer.
Foi lá em Joinville também que uma vizinha mais distante, meio desconhecida, uma vez pediu emprestada minha linda gata preta, Blanche. Ela precisava da Blanche só um pouco, só pra tirar um tiquinho de sangue pra fazer algum tipo de feitiço. Eu não me lembro o que respondi. Creio que fiquei paralisada, sem reação, estupefata demais com o medievalismo alheio.
Além desses pensamentos atravessados, ao ler sobre o assassinato de Fabiane também pensei que eu vivo dizendo como nós feministas precisamos tomar cuidado com o punitivismo excessivo, de como feministas têm de estar ao lado dos direitos humanos, sempre. Às vezes, nos casos mais famosos e escabrosos de estupro ou feminicídio, aparecem feministas defendendo pena de morte, tortura, até castração, ou simplesmente um desejo de fazer justiça com as próprias mãos, de condenar sem provas, sem julgamento. 
Eu me horrorizo com essas palavras, e penso: se houvesse um estuprador próximo, elas participariam de seu linchamento? Não estou falando de legítima defesa, nem de manifestações, nem de escrachos públicos. Estou falando desse sentimento justiceiro, tão perigoso, tão bárbaro.
Mas não posso negar que a primeira pessoa que me veio à mente ao ler sobre Fabiane foi uma mulher que não tem nada a ver com feminismo: Rachel Sheherazade, âncora do SBT. No início de fevereiro, ao comentar o caso de um adolescente (negro, óbvio; a maior parte dos linchados é negra) que foi preso a um poste no Rio por justiceiros, Rachel disse
"É, o marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que, em vez de prestar queixa contra os seus agressores, ele preferiu fugir, antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro. No país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada cem mil habitantes, que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. 
"O Estado é omisso, a polícia, desmoralizada, a justiça é falha, quê que resta ao cidadão de bem , que ainda por cima, foi desarmado? Se defender, é claro! O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido".
Rachel (e todo o senso comum; meus vizinhos em Joinville, tenho certeza, e, sei lá, 70% da internet?) defendeu a barbárie. Mais tarde, diante da polêmica, ela afirmou ter dito que a ação dos "vingadores" (não justiceiros, eles mesmos com extensa ficha criminal) era "compreensível", não "aceitável". Mas acho que seu comentário por inteiro não deixa qualquer margem de dúvida sobre sua opinião, que é, infelizmente, a da maioria: que só existe uma coisa pior que bandido -- que são os defensores de direitos humanos. Afinal, direitos humanos para humanos direitos, né?
A multidão que linchou Fabiane era composta por "cidadãos de bem", por "humanos direitos"? Provavelmente sim, seja lá o que quer dizer "cidadão de bem", um termo moralista pra chuchu. Então por que estamos horrorizadxs agora? Por que Rachel não aparece para dizer que a atitude dos linchadores de Fabiane foi "compreensível"? Por que ninguém vem defendê-los? Ah, porque Fabiane era inocente! Porque ela não era uma bruxa. Tá, e se fosse? Isso tornaria a atitude dos linchadores mais aceitável, opa, compreensível?
Em fevereiro, pouco depois da polêmica de Rachel, a Folha de SP entrevistou um sociólogo, que disse: "A sociedade civil está ficando progressivamente descontrolada". Não é que o número de linchamentos estourou, mas houve, segundo ele, uma "ligeira intensificação de ocorrências". Se antes havia em média quatro linchamentos por semana no Brasil, agora há cerca de um por dia. E pra maior parte há vídeos, fotos, defensores desses "cidadãos de bem". 
Em meados de abril, houve um caso inusitado em Brasília. Um ladrão passou num ponto de ônibus e roubou vários pertences das pessoas que estavam ali. Pouco adiante, foi rendido pelo segurança de um supermercado, e as pessoas em volta correram para linchar o assaltante. 
Uma das pessoas que tinham sido roubadas no ponto de ônibus, uma jovem chamada Jhamille que estava indo para uma entrevista de emprego, também correu pra lá. Mas não pra linchar o sujeito, e sim para protegê-lo. Ela não permitiu que o homem, já nocauteado no chão e ferido, continuasse a ser agredido. 
Além do mais, ela foi a única das pessoas assaltadas por aquele ladrão que foi à delegacia prestar queixa contra ele. "Fiz o meu dever de cidadã ao protegê-lo e denunciá-lo".
Jhamille é um exemplo. Mas, por causa de seu gesto, ela recebeu inúmeras ameaças e xingamentos, de gente que acha "compreensível" fazer justiça com as próprias mãos.
Se tivessem havido mais Jhamilles e menos Rachéis no linchamento de sábado, talvez Fabiane estivesse viva. 

 

Democracia e a realidade, por Cláudio Lembo

Do GGN

Sugerido por Assis Ribeiro
Do Terra Magazine
Democracia e a realidade
Cláudio Lembo
Quando se examina o cenário político nacional, o observador se depara com um quadro de imensa complexidade. Primeiro, ele deseja saber que tipo de democracia se encontra presente em nosso País.
 
Ai, o observador sente dificuldade inicial. Como enumerar os elementos que compõe uma verdadeira democracia? Constata que há liberdade de pensamento.
 
É um dado positivo. Todos têm opinião própria sobre os mais diversos acontecimentos. Não há qualquer obstáculo ao livre pensar. É conquista que, em toda a parte, custou uma enormidade de vidas.
 
Surge, após esta constatação, uma nova indagação. Apresentam-se confiáveis as informações recebidas pela cidadania? Aqui as amostras recolhidas levam a um registro.
 
As informações são geradas por centrais únicas de notícias. Basta ver as manchetes dos jornais impressos: são iguais, apesar de originárias de redações diversas.
 
Claro que a cidadania, neste caso, recebe uma versão uniforme dos fatos políticos e sociais. Isto não permite que se instale, no interior das consciências, a boa dialética.
 
Só esta conduz às sínteses individuais. Ou seja, a de cada cidadão. A uniformidade de pensamento é maléfica em todas as atividades humanas, particularmente na política.
 
A política exige pluralidade de visões do mundo. Nela nada pode se apresentar linear. Só as ditaduras contam com o pensamento único. Fora dele geram-se as perseguições e as conseqüentes prisões.
 
A essência da democracia é a liberdade. A liberdade deve produzir pensamentos díspares. Jamais a unicidade e a ortodoxia. Já se passaram os tempos dos dogmas. 
 
Esta uma deficiência de nossa democracia. A ausência de pluralidade informativa. Tudo é igual. O pensamento único elaborado por publicitários deforma a verdade.
 
No passado, os teólogos impunham uma só verdade. Hoje, são eles, os publicitários, que desejam conduzir a vontade coletiva. Procuram alterar valores e costumes.
 
Às vezes agem de maneira positiva. Em política, porém, o agir é sempre negativo. Porque distorcem a verdadeira identidade dos candidatos. Transformam fantoches em lideres.
 
Criam falsas figurações da realidade social. A partir do pressuposto de que agir, politicamente, é gerar esperanças, produzem configurações inalcançáveis.
 
 Os partidos políticos, por sua vez, dentro dos costumes da democracia pátria, mostram-se incapazes de gerar corpos de doutrina de acordo com as diversas visões da sociedade.
 
Todos se mostram iguais no agir e no elaborar propostas. Os programas partidários gratuitos – no rádio e na televisão – são pobres de conteúdo. Sempre as mesmas falas em personagens diferentes.
 
Não se busca mais, na democracia nativa, a obtenção de novos traços doutrinários e a geração de novas idéias. Esquerda, direita e centro não diferem em nada. Um só objetivo: a conquista de cargos eletivos.
 
Há crises no setor de abastecimento das grandes cidades, especialmente São Paulo. Nenhuma análise convincente é concretizada por parte dos veículos de comunicação ou pelos partidos políticos.
 
Existe um silêncio imposto sobre a calamidade que se anuncia: a falta de água. Os antecedentes que geraram o atual estado de coisas não são examinados.
 
Certamente, em algum momento, houve desídia. Quem a praticou? Na democracia brasileira, conduzida por centros de inteligência altamente remunerados, as crises anunciadas não têm autores.
 
É matéria abstrata. Não se insere no espaço política. Coloca-se no campo da metafísica. 

Claudia Lembo é ex-Governador do Estado de São Paulo.


domingo, 4 de maio de 2014

 

Apresentação da candidatura da Prof.a Nilma Gomes para a recondução no Conselho Nacional da Educação - CNE-MEC.

Redenção, 03 de maio de 2014.

Prezados colegas da ABPN, CONNEABs, Fóruns e entidades do Movimento Negro

Conforme informado a todos(as), em junho deste ano completarei quatro anos de mandato no CNE,  com direito a uma recondução. Agradeço a todos e a todas pelo apoio ao trabalho que tenho desenvolvido no Conselho durante este mandato.

Informei também que no mês de abril sairia a portaria ministerial sobre a consulta às organizações, o que também já comuniquei à diretoria da ABPN e ao CONNEABs.

Recebi várias manifestações de colegas, apoiando a minha recondução. Agradeço a tod@s. Muitos solicitaram que eu apresente o meu posicionamento quanto à recondução, portanto, esse é o motivo da presente correspondência. Não é de praxe candidatos ao CNE se apresentarem. Geralmente, as indicações são enviadas pelas entidades ao Ministro da Educação e a decisão é dele e da Presidenta. Mas, atendendo a pedidos, decidi me expressar com intuito de apresentar algumas das minhas ações e construir um diálogo de paz, pois não gostaria que minha postura de espera e cautela diante da decisão superior fosse entendida como omissão.

Informo que estou disposta a dar continuidade  ao mandato no CNE,  a fim de concluir algumas ações em curso, dentre elas, as diretrizes operacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, fruto das orientações do parecer CNE/CEB 06/2011 (que ficou conhecido como o do Monteiro Lobato), da qual sou relatora, contando  com a consultoria da Profa Petronilha B.G. Silva. Em parceria com SECADI, CADARA, Palmares, Fóruns de Conselhos Estaduais de Educação, estamos realizando consultas e pretendemos apresentar resultados positivos.

No CNE, várias foram as minhas ações nestes quatro anos, entre as quais podemos citar a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, que têm dado resultados e força política às lutas quilombolas por Educação. Além disso, junto com a minha colega conselheira Rita Potyguara, trabalhamos arduamente no Parecer e na Resolução para Estudantes em situação de Itinerância, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena e acabamos de aprovar as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores Indígenas. Realizamos seminários sobre Educação e Relações Étnico-raciais no CNE, audiências quilombolas em três regiões do país, discussões com a CADARA e Fóruns da Diversidade Étnico-Racial, junto ao MEC/SEB/SECADI/SESU. Também realizamos várias ações para a inserção da questão étnico-racial no conjunto das políticas educacionais, no projeto do novo PNE, no aperfeiçoamento dos dados a serem coletados pelo INEP para avaliação das IFES. Está em curso, inclusive, o acordo de cooperação MEC/IPEA/CNE para analisarmos dados sobre a implementação da alteração da LDB pela Lei 10.639/03.

Foram muitos outros trabalhos realizados envolvendo não só a temática étnico-racial, mas a educação nacional como um todo, pois este é o papel de um conselheiro do CNE, ou seja, focar na sua representação, mas também emitir parecer sobre os demais temas da educação nacional. Apresentarei em relatório detalhado das minhas ações a ser distribuído para os Fóruns e entidades do movimento e negro no mês de julho, bem como no VIII Copene, em Belém do Pará.

Há ainda muitos trabalhos que eu gostaria de desenvolver e que são caros para todos nós ligados à diversidade de gênero, campo, bulllying nas escolas, religiosidade e educação, formação de professores, internacionalização com países de africanos de língua portuguesa, articulação do CNE com Conselhos Estaduais de Educação, Conselhos Municipais de Educação, Fóruns de Diversidade Étnico-Racial e entidades do Movimento Negro e Universidades. Trata-se de um trabalho interno e externo – de grande complexidade política -  construído sempre em conjunto e com alianças e nunca isolado.

Além disso, estando na gestão de uma universidade da integração internacional da lusofonia afro-brasileira, muito contribuiria continuar no CNE e poder participar nesse momento da pauta nacional.

Como sabem, o CNE possui duas câmaras (básica e superior) e 24 conselheiros. Há muito o Movimento Negro pleiteia ter também um representante na Câmara Superior, o que é legítimo. Ter mais representantes só fortalecerá a nossa presença e nossas pautas de reivindicações.

Colegas, seja qual for a decisão do Ministro da Educação, saibam que podem continuar contando com o meu trabalho e dedicação à luta antirracista e por uma educação democrática que reconheça e respeite a diversidade, um dos pontos centrais da minha ação política e profissional como educadora.

Um abraço,
Nilma Lino Gomes


sábado, 3 de maio de 2014

 

O que vi (e ouvi) em minha visita à Papuda

02/05/14

No Blog




Recentemente a imprensa noticiou a respeito da diligência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias ao presídio da Papuda, destacando, de forma equivocada, que a diligência tentava garantir melhores condições ao ex-ministro José Dirceu, ou que foram encontradas ali regalias em seu tratamento ou suas instalações.
Inúmeras notícias dão a entender que houve uma grande divergência de opiniões, em especial entre a minha avaliação e a da minha colega, Mara Gabrilli, uma grande parceira de lutas que vão muito além da questão partidária. Temos, em comum, a luta pela inclusão como um norte em nossos trabalhos. Apenas discordamos pontualmente, o que é natural. Todos visitamos, juntos, as instalações, e pudemos, ao mesmo tempo, avaliar as condições.
Fui ali a convite da própria Comissão, para averiguar se o ex-ministro José Dirceu gozava mesmo de regalias em relação aos demais presos da unidade denunciadas pela imprensa – denúncias que serviram de motivo para o STF lhe negar o direito de trabalhar fora da prisão – e inspecionar as condições gerais da unidade prisional, com ênfase na situação dos presos paraplégicos e gays e transexuais. Para cumprir esse objetivo, nós fizemos uma oitiva demorada o com o diretor da unidade (CIR), com gestores e agentes penitenciários e com o coordenador geral do sistema carcerário do DF, e, finalmente, uma visita às celas da unidade, entre elas a de Dirceu.
Houve, entre os parlamentares, divergências em relação às condições percebidas ali. Enquanto alguns apontaram que a cela tinha um tamanho maior que a dos demais presos, a situação de insalubridade das instalações é a mesma para todos eles. Nenhum dos deputados, porém, foi até ali com o objetivo de medir colchões ou testar as instalações. O objetivo, sim, foi o de verificar – e denunciar – as condições gerais daquele presídio. Conhecer, por exemplo, a realidade de presos cadeirantes, soropositivos, LGBTs, entre outros, para que a possibilidade de um cumprimento digno da pena esteja disponível a absolutamente todos, o que é uma responsabilidade e dever do Estado.
Faço, abaixo, um relatório do que vi e ouvi ali. Não é o relatório oficial desta diligência, mas é uma forma de esclarecer o que foi por mim percebido naquela visita. Outros deputados também fizeram suas considerações a respeito, assim como o faço agora.
Segundo os gestores da unidade prisional, é parte da política carcerária manter uma separação dos apenados cujos crimes tenham repercutido muito nos meios de comunicação – despertado paixões – dos demais encarcerados, assim como é parte da mesma política separar os criminosos sexuais e os policiais criminosos dos outros detentos. O objetivo é proteger a vida do apenado – já que ele está sob a tutela do Estado – e ao mesmo tempo a própria massa carcerária (esta de motins e rebeliões). É parte da política carcerária também criar um regime diferenciado de visitas para esse tipo de apenado no intuito de evitar que seus parentes sejam tomados como reféns para negociação em rebeliões.
Sendo assim, o isolamento de Dirceu da massa carcerária e o regime diferenciado de visitas não são regalias, como noticiado na imprensa, mas uma política carcerária já posta em prática muito antes de seu ingresso na unidade. Ele não tem mais visitas que os demais presos, apenas as recebe em dia e hora diferentes por uma questão de segurança.
É também parte da política carcerária permitir a visita de advogados a seus clientes na hora e no dia que eles, os advogados, solicitarem. Se Dirceu recebe mais visitas de advogados que os demais presos não é porque isso seja uma “regalia”, mas tão somente porque a maior parte da massa carcerária – em sua quase totalidade pobre, jovem e negra – é privada do acesso à Justiça e não conta com advogados. A culpa não é de Dirceu, mas de um sistema excludente e injusto que priva contingentes de direitos, com o aval de boa parte da sociedade que advoga que, “bandido bom é bandido morto”.
Sendo assim, não se pode dizer que a visita dos advogados de Dirceu seja uma regalia, quanto menos a feijoada que José Dirceu comeu em um sábado. Segundo a administração do presídio, o funcionamento, dentro da unidade, de uma cantina com alimentos, cigarros e material de higiene é também parte da política carcerária; esses alimentos podem ser comprados com o dinheiro que os familiares são autorizados a deixar a cada visita (R$ 125 reais). Aquilo, então, não era uma “regalia”, mas tão somente fruto dessa política.
Todos os presos recebem café com leite no café da amanhã. Já frutas – exceto as cítricas e com cascas -, só as recebem os presos com dietas recomendadas pelos médicos e profissionais de saúde que os atendem, como é o caso de Dirceu.
Os gestores negaram peremptoriamente que Dirceu tenha feito uso de celular. Sindicância realizada sob fiscalização do Ministério Público mostrou que a denúncia não procede. Os gestores, entretanto, admitem que, apesar da rigorosa fiscalização, celulares já foram apreendidos em celas de outros presos e que os aparelhos entram na unidade prisional “intocados” nas vaginas e ânus de familiares em dias de visita (segundo os gestores, o scanner de corpo é eficiente mas não infalível, dado os tamanhos e as levezas dos novos aparelhos celulares).
Na visita à cela de Dirceu, constamos que a mesma era uma antiga cantina que foi adaptada como cela para receber os réus do mensalão. Neste espaço em que cabem oito pessoas, foram colocadas 11. Dirceu encontrava-se sozinho porque os demais trabalham durante o dia, já que estão em regime semi-aberto. A cela continha infiltração e estava limpa. Havia uma tevê pequena. Nenhum dos diligentes testou o chuveiro da cela, portanto não há como saber se havia, ali, água quente ou não. Neste ponto, faço uma observação: apesar de todos termos visitados, juntos, as instalações, a entrada da minha colega, Mara Gabrilli, foi impossível, já que sua cadeira não passava pela porta, o que é algo realmente questionável em uma instalação que também precisa atender cadeirantes (Mas essa posição não impedia Mara de observar a Cela nem de conversar com Dirceu). Mais abaixo, falo das péssimas situações destes cadeirantes presenciadas por nós.
Visitamos também outras celas em que haviam mais aparelhos e conforto (tevê, microondas, sanduicheira e fogão) que a de José Dirceu. De acordo com os gestores, nem todas as celas dispõem desses bens porque 1) a maioria dos presos é pobre e seus familiares idem, o que lhes impede de comprar esses bens; 2) a direção da unidade não pode liberar a presença desses bens nas celas em que haja presos que possam causar dano a um colega ou à estrutura da prisão (como botar fogo em colchão ou queimar a mão de um colega na sanduicheira, por exemplo).
Vistamos, ainda, celas em que há mais presos que a capacidade máxima e constatamos que presos em cadeiras de rodas nem sempre são contemplados por uma política diferenciada que leve em conta sua vulnerabilidade e especificidades (banho de sol em horários diferentes e separação da massa carcerária para que sua cadeira de rodas não seja tomada para ser transformada em arma). Na mesma cela em que havia dois cadeirantes – acompanhados de um preso cuidador, o que é bom e recomendado – havia também dois com doenças infecto-contagiosas que não foram especificadas.
Um dos cadeirantes é um jovem rapaz mineiro, atingido por um tiro que o deixou paraplégico durante um assalto. Mesmo não tendo cometido crime contra a vida, está preso nestas condições degradantes – o que está muito distante de um cumprimento digno de uma pena e é uma situação que, em geral, não recebe atenção por parte de nenhum veículo de imprensa.
Constatamos ainda o total despreparo dos gestores e agentes carcerários para lidar com as vulnerabilidades e especificidades do contingente de gays e transexuais presos, situação que pode ser mudada com o apoio dos deputados da Frente LGBT.
Em resumo, constatamos que a unidade, em que pese ser uma das melhores do país no quesito respeito aos direitos humanos da população carcerária, ainda tem muito que avançar. A maior parte da massa carcerária está privada de condições dignas para cumprir a pena devido a um processo de exclusão e violação de direitos que antecede o ingresso na prisão.
De forma pessoal, constatei que o senhor José Dirceu não goza de qualquer das “regalias” apontadas pela imprensa e que serviram de justificativa para o STF lhe negar o direito a um trabalho fora. O que espero é que seja feita a justiça de forma honesta e consciente, e que esta independa das condições do apenado. E, acima de tudo, nós, os deputados comprometidos com o respeito aos direitos humanos, cobramos que as cadeias ofereçam um espaço digno para que os presos possam ser reinseridos à sociedade, ao contrário do senso comum de que as cadeias devam ser apenas um depósito de seres que um dia foram humanos.

 

Ana Maria Gonçalves: Carta Aberta ao Ziraldo

 Carta Aberta sugerida pelo João Elias de 2011, mas muito importante para reflexão sobre o racismo no Brasil e como intelectuais brancos contribuem para reproduzir a desigualdade. No caso de Ziraldo, este monstro racista e invejoso, foi um daqueles brancos "progressistas" que destruiriam a carreira de Wilson Simonal!!!!
Boa leitura

Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves
Do Blog Biscoito fina e a massa. 18.02.2011.


Caro Ziraldo,
Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?" e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).


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Ironia das ironias, Ziraldo, o nome do livro de onde foi tirado o trecho acima é inspirado em um quadro do pintor suíço Charles Gleyre (1808-1874), Ilusões Perdidas. Porque foi isso que aconteceu. Porque lendo uma matéria sobre o bloco e a sua participação, você assim o endossa : "Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista". A gente quem, Ziraldo? Para quem você se (auto) justifica? Quem te disse que racismo sem ódio, mesmo aquele com o "humor negro" de unir uma mulata a quem grande ódio teve por ela e pelo que ela representava, não é racismo? Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje. Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas estão publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente".
Lobato estava certo. Certíssimo. Até hoje, muitos dos que o leram não vêem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga das crianças e do Brasil, "work" muito bem. Lobato ficou frustradíssimo quando seu "processo" sem ódio, só na inteligência, não funcionou com os norte-americanos, quando ele tentou em vão encontrar editora que publicasse o que considerava ser sua obra prima em favor da eugenia e da eliminação, via esterilização, de todos os negros. Ele falava do livro "O presidente negro ou O choque das raças" que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, país daquele povo que odeia negros, como você diz, Ziraldo, foi publicado no Brasil. Primeiro em capítulos no jornal carioca A Manhã, do qual Lobato era colaborador, e logo em seguida em edição da Editora Companhia Nacional, pertencente a Lobato. Tal livro foi dedicado secretamente ao amigo e médico eugenista Renato Kehl, em meio à vasta e duradoura correspondência trocada pelos dois: “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (...) Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha".
Impossibilitado de colher os frutos dessa poda nos EUA, Lobato desabafou com Godofredo Rangel: "Meu romance não encontra editor. [...]. Acham-no ofensivo à dignidade americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso moral possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo crime que sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros." Tempos depois, voltou a se animar: "Um escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o autor (...) Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais matéria de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar um capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos Estados Unidos do México e toda essa infecção spanish da América Central. O meu judeu acha que com isso até uma proibição policial obteremos - o que vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai na Inglaterra e entra boothegued como o whisky e outras implicâncias dos puritanos". Lobato percebeu, Ziraldo, que talvez devesse apenas exasperar-se mais, ser mais claro em suas ideias, explicar melhor seu ódio e seu racismo, não importando a quem atingiria e nem por quanto tempo perduraria, e nem o quão fundo se instalaria na sociedade brasileira. Importava o dinheiro, não a exasperação dos ofendidos. 2.000.000 de dólares, ele pensava, por um ovo de escândalo. Como também foi por dinheiro que o Jeca Tatu, reabilitado, estampou as propagandas do Biotônico Fontoura.
Você sabe que isso dá dinheiro, Ziraldo, mesmo que o investimento tenha sido a longo prazo, como ironiza Ivan Lessa: "Ziraldo, o guerrilheiro do traço, está de parabéns. Finalmente o governo brasileiro tomou vergonha na cara e acabou de pagar o que devia pelo passe de Jeremias, o Bom, imortal personagem criado por aquele que também é conhecido como “o Lamarca do nanquim”. Depois do imenso sucesso do calunguinha nas páginas de diversas publicações, assim como também na venda de diversos produtos farmacêuticos, principalmente doenças da tireóide, nos idos de 70, Ziraldo, cognominado ainda nos meios esclarecidos como “o subversivo da caneta Pilot”, houve por bem (como Brutus, Ziraldo é um homem de bem; são todos uns homens de bem – e de bens também) vender a imagem de Jeremias para a loteca, ou seja, para a Caixa Econômica Federal (federal como em República Federativa do Brasil) durante o governo Médici ou Geisel (os déspotas esclarecidos em muito se assemelham, sendo por isso mesmo intercambiáveis)".
No tempo em que linchavam negros, disse Lobato, como se o linchamento ainda não fosse desse nosso tempo. Lincham-se negros nas ruas, nas portas dos shoppings e bancos, nas escolas de todos os níveis de ensino, inclusive o superior. O que é até irônico, porque Lobato nunca poderia imaginar que chegariam lá. Lincham-se negros, sem violência física, é claro, sem ódio, nos livros, nos artigos de jornais e revistas, nos cartoons e nas redes sociais, há muitos e muitos carnavais. Racismo não nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de quem é considerado inferior. "Em que estado voltaremos, Rangel," se pergunta Lobato, ao se lembrar do quadro para justificar a escolha do nome do livro de cartas trocadas, "desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca – e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as nossas ilusões". Ah, Ziraldo, quanta ilusão (ou seria petulância? arrogância; talvez? sensação de poder?) achar que impor à mulata a presença de Lobato nessa festa tipicamente negra, vá acabar com a polêmica e todos poderemos soltar as ancas e cada um que sambe como sabe e pode. Sem censura. Ou com censura, como querem os quemerdenses. Mesmo que nesse do Caçadas de Pedrinho a palavra censura não corresponda à verdade, servindo como mero pretexto para manifestação de discordância política, sem se importar com a carnavalização de um tema tão dolorido e tão caro a milhares de brasileiros. E o que torna tudo ainda mais apelativo é que o bloco aponta censura onde não existe e se submete, calado, ao pedido da prefeitura para que não use o próprio nome no desfile. Não foi assim? Você não teve que escrever "M*" porque a palavra "merda" foi censurada? Como é que se explica isso, Ziraldo? Mente-se e cala-se quando convém? Coerência é uma questão de caráter.
ziraldo_direitos_humanos.jpgO que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos, como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que, se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar brincando com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da grandeza de Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o público-alvo que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês dividem o mesmo público e, inclusive, alguns personagens, como uma boneca e pano e o Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura, Ziraldo, talvez aos deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos apenas porque se acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de novo chamemos assim, deslizes.
A gente se acostuma, Ziraldo. Como o seu menino marrom se acostumou com as sandálias de dedo: "O menino marrom estava tão acostumado com aquelas sandálias que era capaz de jogar futebol com elas, apostar corridas, saltar obstáculos sem que as sandálias desgrudassem de seus pés. Vai ver, elas já faziam parte dele" (ZIRALDO, 1986,p. 06, em O Menino Marrom). O menino marrom, embora seja a figura simpática e esperta e bonita que você descreve, estava acostumado e fadado a ser pé-de-chinelo, em comparação ao seu amigo menino cor-de-rosa, porque "(...) um já está quase formado e o outro não estuda mais (...). Um já conseguiu um emprego, o outro foi despedido do quinto que conseguiu. Um passa seus dias lendo (...), um não lê coisa alguma, deixa tudo pra depois (...). Um pode ser diplomata ou chofer de caminhão. O outro vai ser poeta ou viver na contramão (...). Um adora um som moderno e o outro – Como é que pode? – se amarra é num pagode. (...) Um é um cara ótimo e o outro, sem qualquer duvida, é um sujeito muito bom. Um já não é mais rosado e o outro está mais marrom" (ZIRALDO, 1986, p.31). O menino marrom, ao crescer, talvez virasse marginal, fado de muito negro, como você nos mostra aqui: "(...) o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: por que você vem todo o dia ver a velhinha atravessar a rua? E o menino marrom respondeu: Eu quero ver ela ser atropelada" (ZIRALDO, 1986, p.24), porque a própria professora tinha ensinado para ele a diferença e a (não) mistura das cores. Então ele pensou que "Ficar sozinho, às vezes, é bom: você começa a refletir, a pensar muito e consegue descobrir coisas lindas. Nessa de saber de cor e de luz (...) o menino marrom começou a entender porque é que o branco dava uma idéia de paz, de pureza e de alegria. E porque razão o preto simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza. Ele pensava: o preto é a escuridão, o olho fechado; você não vê nada. O branco é o olho aberto, é a luz!" (ZIRALDO, 1986, p.29), e que deveria se conformar com isso e não se revoltar, não ter ódio nenhum ao ser ensinado que, daquela beleza, pureza e alegria que havia na cor branca, ele não tinha nada. O seu texto nos ensina que é assim, sem ódio, que se doma e se educa para que cada um saiba o seu lugar, com docilidade e resignação: "Meu querido amigo: Eu andava muito triste ultimamente, pois estava sentindo muito sua falta. Agora estou mais contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é, apenas, a ausência do branco" (ZIRALDO, 1986, p.30).
Olha que interessante, Ziraldo: nós que sabemos do racismo confesso de Lobato e conseguimos vê-lo em sua obra, somos acusados por você de "macaquear" (olha o termo aí) os Estados Unidos, vendo racismo em tudo. "Macaqueando" um pouco mais, será que eu poderia também acusá-lo de estar "macaqueando" Lobato, em trechos como os citados acima? Sem saber, é claro, mas como fruto da introjeção de um "processo" que ele provou que "work" com grande eficiência e ao qual podemos estar todos sujeitos, depois de sermos submetidos a ele na infância e crescermos em uma sociedade na qual não é combatido. Afinal, há quem diga que não somos racistas. Que quem vê o racismo, na maioria os negros, que o sofrem, estão apenas "macaqueando". Deveriam ficar calados e deixar dessa bobagem. Deveriam se inspirar no menino marrom e se resignarem. Como não fazem muitos meninos e meninas pretos e marrons, aqueles que são a ausência do branco, que se chateiam, que se ofendem, que sofrem preconceito nas ruas e nas escolas e ficam doídos, pensando nisso o tempo inteiro, pensando tanto nisso que perdem a vontade de ir à escola, começam a tirar notas baixas porque ficam matutando, ressentindo, a atenção guardadinha lá debaixo da dor. E como chegam à conclusão de que aquilo não vai mudar, que não vão dar em nada mesmo, que serão sempre pés-de-chinelo, saem por aí especializando-se na arte de esperar pelo atropelamento de velhinhas.
Racismo é um dos principais fatores responsáveis pela limitada participação do negro no sistema escolar, Ziraldo, porque desvia o foco, porque baixa a auto-estima, porque desvia o foco das atividades, porque a criança fica o tempo todo tendo que pensar em como não sofrer mais humilhações, e o material didático, em muitos casos, não facilita nada a vida delas. E quando alguma dessas crianças encontra um jeito de fugir a esse destino, mesmo que não tenha sido através da educação, fica insuportável e merece o linchamento público e exemplar, como o sofrido por Wilson Simonal. Como exemplo, temos a sua opinião sobre ele: "Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável". Sabe, Ziraldo, é por causa da perpetuação de estereótipos como esses que às vezes a gente nem percebe que eles estão ali, reproduzidos a partir de preconceitos adquiridos na infância, que a SEPPIR pediu que o MEC reavaliasse a adoção de Caçadas de Pedrinho. Não a censura, mas a reavaliação. Uma nota, talvez, para ser colocada junto com as outras notas que já estão lá para proteger os direitos das onças de não serem caçadas e o da ortografia, de evoluir. Já estão lá no livro essas duas notas e a SEPPIR pede mais uma apenas, para que as crianças e os adolescentes sejam "colocados a salvo de tudo que é violência e abuso", como está na cartilha que você ilustrou. Isso é um direito delas, como seres humanos. É por isso que tem gente lutando, como você também já lutou por direitos humanos e por reparação. É isso que a SEPPIR pede: reparação pelos danos causados pela escravidão e pelo racismo.
Assim você se defendeu de quem o atacou na época em que conseguiu fazer valer os seus direitos: "(…) Espero apenas que os leitores (que o criticam) não tenham sua casa invadida e, diante de seus filhos, sejam seqüestrados por componentes do exército brasileiro pelo fato de exercerem o direito de emitir sua corajosa opinião a meu respeito, eu, uma figura tão poderosa”. Ziraldo, você tem noção do que aconteceu com os, citando Lobato, "negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão", e do que acontece todos os dias com seus descendentes em um país que naturalizou e, paradoxalmente, nega o seu racismo? De quantos já morreram e ainda morrem todos os dias porque tem gente que não os leva a sério? Por causa do racismo é bem difícil que essa gente fadada a ser pé-de-chinelo a vida inteira, essas pessoas dos subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal, - porque nelas está a ausência do branco, esse povo todo representado pela mulata dócil que você faz sorrir nos braços de um dos escritores mais racistas e perversos e interesseiros que o Brasil já teve, aquele que soube como ninguém que um país (racista) também de faz de homens e livros (racistas), por causa disso tudo, Ziraldo, é que eu ia dizendo ser quase impossível para essa gente marrom, herdeira dessa gente de cor que simboliza a angústia, a solidão, a tristeza, gerar pessoas tão importantes quanto você, dignas da reparação (que nem é financeira, no caso) que o Brasil também lhes deve: respeito. Respeito que precisou ser ancorado em lei para que tivesse validade, e cuja aplicação você chama de censura.menino-lendo.jpg
Junto com outros grandes nomes da literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, você assinou uma carta que, em defesa de Lobato e contra a censura inventada pela imprensa, diz: "Suas criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino. (...) A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século passado, nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das nossas melhores conquistas culturais e sociais." É isso. Nos livros de Lobato está o racismo do racista, que ninguém vê, que vocês acham que não é problema, que é alicerce, que é necessário à formação das nossas futuras gerações, do nosso futuro. E é exatamente isso. Alicerce de uma sociedade que traz o racismo tão arraigado em sua formação que não consegue manter a necessária distância do foco, a necessário distância para enxergá-lo. Perpetuar isso parece ser patriótico, esse racismo que "faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças." Sabe o que Lobato disse em carta ao seu amigo Poti, nos albores do século passado, em 1905? Ele chamava de patriota o brasileiro que se casasse com uma italiana ou alemã, para apurar esse povo, para acabar com essa raça degenerada que você, em sua ilustração, lhe entrega de braços abertos e sorridente. Perpetuar isso parece alimentar posições de pessoas que, mesmo não sendo ou mesmo não se achando racistas, não se percebem cometendo a atitude racista que você ilustrou tão bem: entregar essas crianças negras nos braços de quem nem queria que elas nascessem. Cada um a seu modo, a repetir seu destino. Quem é poderoso, que cobre, muito bem cobrado, seus direitos; quem não é, que sorria, entre na roda e aprenda a sambar.
Peguei-o para bode expiatório, Ziraldo? Sim, sempre tem que ter algum. E, sem ódio, espero que você não queira que eu morra por te criticar. Como faziam os racistas nos tempos em quem ainda linchavam negros. Esses abusados que não mais se calam e apelam para a lei ao serem chamados de "macaco", "carvão", "fedorento", "ladrão", "vagabundo", "coisa", "burro", e que agora querem ser tratados como gente, no concerto dos povos. Esses que, ao denunciarem e quererem se livrar do que lhes dói, tantos problemas criam aqui, nesse país do futuro. Em uma matéria do Correio Braziliense você disse que "Os americanos odeiam os negros, mas aqui nunca houve uma organização como a Ku Klux Klan. No Brasil, onde branco rico entra, preto rico também entra. Pelé nunca foi alvo de uma manifestação de ódio racial. O racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos”. Se dependesse de Monteiro Lobato, o Brasil teria tido sua Ku-Klux-Klan, Ziraldo. Leia só o que ele disse em carta ao amigo Arthur Neiva, enviada de Nova Iorque em 1928, querendo macaquear os brancos norte-americanos: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva." Fosse feita a vontade de Lobato, Ziraldo, talvez não tivéssemos a imprensa carioca, talvez não tivéssemos você. Mas temos, porque, como você também diz, "o racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos." Como, para acabar com a polêmica, você nos ilustra com o desenho para o bloco quemerdense. Olho para o rosto sorridente da mulata nos braços de Monteiro Lobato e quase posso ouvi-la dizer: "Só dói quando eu rio".
Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,
Ana Maria Gonçalves
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.


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