quarta-feira, 24 de abril de 2013
Descolonização das ciências humanas
Estudiosos não devem pleitear "liberdade
acadêmica" para evitar criticar legados do apartheid na sua disciplina.
O que significa para prosseguir
estudos críticos na área das humanidades e ciências sociais colonizadas em uma
sociedade colonial tentando ir além da categoria "colono" e
"nativo" para se tornar a cidadania legada a nós por nosso acordo
político?
Esta é a pergunta que todos universidades
share Sul-Africanas, no entanto diferentemente marcadas pelo apartheid. Sua urgência é impulsionada em parte
pela inquietação demográfica assustadora que as humanidades e ciências sociais
enfrentam devido ao declínio da matrícula e a realidade muito preocupante que
nós não produzimos o suficiente estudantes de pós-graduação, particularmente os
negros sul-Africano doutorados.
Estas realidades são esclarecidas por
dois grandes relatórios publicados em 2011, um da Academia de Ciências da África
do Sul, o outro por uma equipe de trabalho ministerial, sob a liderança de Ari
Sitas e Sara Mosoetsa.
Não é só a África do Sul, que
enfrenta esses desafios. As dificuldades em
ser e decidir se tornar um estudioso da humanidades e aluno são de natureza
global. No mundo
pós-colonial, somos confrontados não só com os imperativos do estritamente
definido "desenvolvimento", mas também, o instrumentalismo do mercado
mundial do Norte, em uma era de fundamentalismo de mercado e da recessão
econômica.
Neste país, no entanto, temos
realmente confrontado como estudiosos o que a herança do apartheid pode
significar? Em uma palestra que
ele deu em 2011, sátira e da lei, o juiz Albie Sachs se refere a uma postura de
crítica que ele descreveu como "desconforto".
Eu estive pensando sobre quantos de
nós voluntariamente nos colocamos em uma posição de desconforto neste sentido. Se formos pensar da nossa herança como
uma história de privilégio ao invés de submissão, ou como uma genealogia
colonial do liberalismo, o paternalismo e o eurocentrismo, então como é que
vamos lidar com o desconforto quando os outros nos nomear como tal?
Vamos lá voluntariamente, para este lugar
de desconforto, ou nós, como Sachs sugeriu, às vezes tem que ser empurrado?
Com o nosso legado, a minha pergunta
é: Como estudiosos de humanidades, não deveríamos estar levando a crítica de
que a herança de, por um lado, os traços mais difíceis de "Estudos
Bantu" e, por outro, um eurocentrismo que ainda tem de perceber que não é
universal, mas em particular?
Deixe-me acrescentar um ponto de
clareza: não raça ou etnia tem o mono-poli em eurocentrismo neste país. Na verdade, o eurocentrismo pode ser uma
das poucas coisas que a maioria dos sul-africanos, na verdade partes. Nossa Afrophobia mostrou que muito
bem.
Mas há estudiosos que parecem ver
qualquer esforço para enfrentar o legado de estudos Bantu ou eurocentrismo como
um recurso imediato ao nativismo. Eles vêem a necessidade de apertar o botão de
pânico da liberdade acadêmica para nos salvar de nós mesmos quando falamos de
transformação curricular em relação ao eurocentrismo ou apartheid.
Em sua formulação mais provocante,
meu bom colega John Higgins, um professor estimado de literatura na
Universidade de Cape Town, descreveu um projeto muito importante para desfazer
a nossa herança, ou seja, algumas discussões que levaram à Sitas / Mosoetsa
equipe de "Humanidades charter", como
um apelo perigoso para nós para participar do "nacionalismo aplicada"
("O dilema das ciências humanas", Mail & Guardian, 24 de junho
2011).
Nada menos que um dos fundadores da
teoria pós-colonial foi mobilizada para resolver o ponto conclusivo - ou seja,
Edward Said - e, particularmente, a TB Davie Memorial palestra que ele deu na
Universidade da Cidade do Cabo em 1991.
Mas parece-me mais do que uma leitura
errada menor de Said a pensar que ele é um martelo persuasivo com o qual a
esmagar o nacionalismo no mundo colonial, mesmo que qualificá-lo como
"aplicadas". Eu suponho que você
pode fazer isso se você deixar de fora a ambivalência muito real, tensão e
sutileza que marcou palestra Davie Said, como faz a sua escrita sobre o
nacionalismo em geral. Mas, para deixar
isso certamente vai na contramão da crítica literária que ele tanto defendeu
como um professor, que de colocar um texto em contexto?
Nessa palestra, Said estabelece como
ponto de partida uma discussão sobre as "guerras cânone" que marcaram
as humanidades nos Estados Unidos. Ele ficou claro que a academia dos EUA não poderia
ficar do jeito que estava: tinha de abrir-se a outras culturas, como ele dizia,
e outras tradições de pensamento e escrita.
Mas ele estava emitindo uma
advertência, e não sobre os perigos de deixar o cânone intocável para proteger
os clássicos, por assim dizer, mas sobre os perigos da constituindo as outras,
agora culturas e tradições recém-valorizadas e sobre o que aconteceria se eles
se tornaram o novo ortodoxia fechada ao invés de pontos de abertura e conexão
subversivas. Ele fez este ponto
com uma conta dos lugares sem brilho que as universidades árabes se tornaram.
É curioso para mim porque quem vê Said
apenas como um duro crítico do nacionalismo, parece recuo de que outro Said,
com seu papel no movimento de libertação nacional palestino. Como, então, fazer sentido de pontos
de vista de Said sobre o nacionalismo?
Sugiro Frantz Fanon para encontrar a
distinção entre "nacionalismo" e "consciência nacional". Encontra-se em Fanon, que disse
"É libertação nacional que leva o país a desempenhar o seu papel na cena
da história do mundo é o coração da consciência nacional de que a consciência
internacional vive e cresce. E esta dupla emergência é, finalmente, a fonte de
toda a cultura. "consciência nacional, o que não é o nacionalismo",
enfatiza, "é a única coisa que vai nos dar uma dimensão
internacional".
É na leitura da consciência nacional
de Fanon como um duplo processo que reorganiza o desarranjo que executa o
colonialismo sobre o nativo que dizia encontra o seu argumento: ser
simultaneamente por um processo de libertação ainda simultaneamente conscientes
nacional e alertar para suas armadilhas.
Mas as armadilhas para Fanon e depois
em Said não nos permitem fugir do problema que a consciência nacional é a
resposta para o problema colonial ou o que poderíamos chamar de "questão
indígena".
Para entender Said como crítico do
nacionalismo, mas a favor da libertação nacional e a descolonização, é
importante tomar nota do que estava em jogo para ele. A descolonização não era para ele a
política de identidade, sobre a valorização dos estudos árabes ou estudos
africanos em si. Ao contrário,
tratava-se de justiça, como também foi para Fanon.
As armadilhas da política de
identidade, que ambos viram, não removiam a questão real da justiça que
permanece com relação à questão colonial. A desvalorização do pensamento indígena, a sua
degradação e destituição, é em primeira instância e, em seguida, um erro que
deve ser corrigido.
As armadilhas surgem quando a direção
do erro inflige a sua própria injustiça em outros, quando uma identidade é
superior às outras, quando a justiça significa simplesmente virar a imagem de
cabeça para baixo, de modo que aqueles que estão no fundo estão agora acima que
estão no topo.
Foi esse o perigo que Said nos alerta.
Então, apertar o botão de pânico da
liberdade acadêmica não nos salvará nas ciências humanas e sociais do
desconforto de ter que enfrentar o problema da justiça em nossa sociedade. Quero dizer, a "justiça"
aqui para incluir desfazendo a desvalorização dos intelectuais, do pensamento,
do conhecimento e da estética fora da tradição ocidental, na sua composição nas
disciplinas modernas em torno do qual a universidade está estruturada. Aqui eu estou me referindo a essas
tradições desvalozadas de pensamento e intelectuais, não só na África, mas
também na maior parte do mundo, no Oriente Médio, Sul da Ásia, Sudeste da Ásia
e da América Latina.
Um breve olhar sobre as competências
limitadas em nossas ciências humanas e sociais é um testemunho desta
desvalorização. Embora justamente
tentar desfazer a hegemonia euro-americana, fazendo África um foco, não vamos
por aí. Aprendi através da
minha participação no Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências
Sociais em África na última década, desde aqueles que já passaram por estes
debates um longo tempo antes de nós e têm muito a nos ensinar, que precisamos
ter em nossa estudiosos meio que também estudam áreas e questões fora da África
e da esfera euro-americana, para que possamos aprender a fazer as perguntas que
são importantes para nós, pois podemos aprender com as perguntas que interessam
a eles.
Ou seja, precisamos também de
estudiosos que pode nos dizer sobre o conceito de Shi na propensão das coisas
no pensamento filosófico chinês no Reino Médio, ou iluminar a estética de
grandes figuras modernistas, como o pintor MF Hussain ou o poeta Faiz Ahmad
Faiz na Índia, ou nos ajudar a navegar cinema iraniano antes e depois da
revolução, ou provocar-nos a re-teorizar a distinção entre o secular e o
sagrado, através da compreensão Candomblé praticado pelo Povo de Santo no Brasil.
Precisamos também de estudiosos que
nos pode dizer sobre a organização do poder político na dinastia Funj no Sudão
ou do Califado Sekoto no norte da Nigéria, ou as relações Rajput com a
Companhia das Índias Orientais na Índia, não apenas por causa de uma
curiosidade histórica e antropológica sobre um passado esquecido ou culturas
obscurecida, mas porque, como os estudiosos têm apontado recentemente, essas
contas são realmente fundamentais para a compreensão do surgimento do
pensamento e conceitos que regem os nossos caminhos atuais do pensamento
moderno.
Não se trata de dizer: "Eles têm
os seus filósofos, então vamos mostrar a eles que nós temos os nossos filósofos
também" Trata-se de
interromper a autobiografia de como o Ocidente conta sua história sobre si
mesmo e é sobre a produção de uma versão menos imperialista, mais democrática
e, inevitavelmente, uma versão mais violenta de como chegamos a nossa
modernidade.
Como estudiosos, devemos levar a
crítica das ciências humanas e sociais que herdamos, apontando para as suas
limitações.
Sem essa auto-crítica, a renovação
não vai acontecer e sem renovação das ciências humanas e sociais, a África do
Sul do pós-apartheid vai continuar a ser cada vez menos atraente para os nossos
alunos e realizada em mais e mais suspeita por nossas elites políticas.
Se o destino das ciências humanas e
sociais no país torna-se uma Crônica de uma Morte Anunciada, então vai ser uma
história de autoria não só pelo mercado, mas também, em grande medida, por nós.
Suren Pillay é um
pesquisador sênior do Centro para investigação em ciências humanas no Universidade do
Cabo Ocidental. Esta é uma versão
editada de sua apresentação recente à África, Reading, Humanidades série
seminário convocado pela Universidade de departamento de Inglês na Cidade do
Cabo.
Agradeço ao Robert Adams pelo envio do texto e ao Willian Lucindo pela tradução em tempo record. Paulino Cardoso
domingo, 7 de abril de 2013
A síntese perfeita... Amauri Mendes Pereira Para além do racismo e do antirracismo!!
A síntese
perfeita...
Prefácio PEREIRA, Amauri Mendes. Para além do racismo e do antirracismo: A construção de uma cultura de consciência negra. Itajaí:Editora Casa Aberta, s/d.
Por Paulino de Jesus
Francisco Cardoso[1]
Nas páginas que se
seguem leitor, você irá deparar-se com diferentes histórias. De um lado o
escrutínio de um século de reflexão acadêmica sobre as populações de origem
africana: de Nina Rodrigues a Jacques D’Adesky. De outro, uma avaliação de quarenta anos de
luta antirracista em nosso país, tendo o Movimento Negro Brasileiro como
protagonista. Tudo isto inspirado nas perspectivas pós-coloniais de Homi
Bhabha, Paul Gilroy, Edward Said e Kwame Appiah.
Trata-se de um estudo
de fôlego em que cada capítulo poderia ser uma tese. Neste sentido, é delicioso
perceber como o autor exibe um grande conhecimento bibliográfico. Amauri
discorre sobre distintos pesquisadores e pesquisadoras, vivos e mortos, de diferentes áreas das ciências humanas, como
se estivesse tomando um suco de caju em um cantinho qualquer da bela São
Sebastião do Rio de Janeiro.
O tom gostoso, pessoal,
quase familiar, quase memorialista, nos introduz/seduz pelos caminhos da pesquisa
e faz percorrer cada aspecto de seu objeto de forma exaustiva e compreensiva.
Ora demonstrando os avanços de um pesquisador para o conhecimento, ora
apresentando os limites e incongruência dos seus feitos.
Eu, historiador,
apegado a narrativas, deixaria tudo para trás e começaria pelo capítulo cinco,
explorando sinais que evidenciam uma prática cultural posicionada para além do
racismo ou antirracismo, na configuração de um campo discursivo que materializa
uma cultura negra, fruto da ação do próprio Movimento Negro Brasileiro.
Entretanto, Amauri
Mendes Pereira tem muito a dizer. De fato, na construção do seu “objeto” e,
igualmente nestas quatro décadas de militância antirracista, o autor
compreendeu que grande parte das auguras vívidas pelos afrodescendentes nascem,
ou tem uma grande contribuição, da academia brasileira. A mesma academia que
reluta em encarar as desigualdades raciais, que tornou a raça um conceito
estruturante da sociedade brasileira. A cada dia me convenço que as
resistências internas à democratização do ensino superior estão vinculadas a
uma consciência difusa de ser a universidade o bastião da supremacia branca em
nosso país. Adoraria estar errado.
Aprendemos com Amauri
Pereira, que mesmo acadêmicos antirracistas, engajados na luta por promoção de
igualdade, com as exceções de praxe, parecem não ver nos descendentes de
africanos autores/atores capazes de refletir sobre suas próprias experiências.
O não explicitar do lugar de onde falam, no
desconforto de uma branquitude atuante e envergonhada, coloca em questão o
problema absolutamente Moderno da autoridade da enunciação. Tornados objetos de
ciência por ação dos Estudos das Relações Raciais e dos Estudos
Afro-Brasileiros, as antigas “amebas” pulam da lâmina do pesquisador, abandonam
o microscópio e resolvem apontar os equívocos dessa forma de conhecimento. Trata-se
do retorno da legitimidade da experiência como forma de produção de verdade.
No discurso de parte
dos intelectuais brancos, a prática dos movimentos sociais, nem sempre serena,
tranquila, distante, parece um contraponto ao racionalismo científico dos seus textos.
No estilo Amauri, Academia não rima com “pé na porta”. Ou como diria um
provérbio africano “enquanto os leões não começarem a escrever sua própria
história, a história continuará a ser a história dos caçadores”.
Mas o acadêmico Amauri
Pereira, em sua tese, não deixa de mirar os dilemas das experiências
antirracistas. Embora capoeirista de boa cepa, militante de vida inteira,
quantas vezes não teve de provar sua negritude, diante a presença, para muitos,
da pouca melanina em sua pele. Décadas de antirracismo também o alertaram para
os perigos do racialismo/racismo presente no pan-africanismo essencialista que
reduz as experiências das populações de origem africana a memória do Movimento
Negro.
Pergunto-me, por outro
lado, agora como historiador ranzinza, se uma certa apologia do herói, aquele
que por atos, gestos e palavras, alcançou a imortalidade das estrelas e outros
seres que viviam para sempre, combina com existências cuja dignidade política
emerge das lutas cotidianas, como diria Maria Odila Leite da Silva Dias, para
arrancar das garras da fortuna migalhas da sobrevivência? Pode seu pai, sua mãe
e seu avô, serem alçados a condição de heróis da vida de todo dia, suas
memórias não tem direito a história? Impertinências de uma coerência cartesiana que
retorna pelas portas dos fundos...
Amauri, irmão e
companheiro, desde os tempos do I
Encontro de Negros do Sul e Sudeste, das leituras do Jornal Maioria Falante, dos Cadernos
de Terceiro Mundo, dos textos em espanhol do Colégio do México, ou em português de Portugal, neste trabalho nos
brinda com uma reflexão acadêmica gerada a partir do exame de nossas vidas,
convida-nos a realizar um balanço de nossas práticas, repensar as bases
epistemológicas de nosso discurso e ampliar os horizontes de expectativas. É um texto feito de sentimentos,
vivências e reflexões, uma celebração da vida e da esperança...
Ilha de Santa Catarina, verão de
2013.
[1]
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1988), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1993) e doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (2004). Atualmente é consultor - Casa das Áfricas, membro da Comissão
Técnica Nacional para Educação dos Afro-Brasileiros do Ministério da Educação,
membro do Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR/SEPPIR) e
professor associado da Universidade do Estado de Santa Catarina. Coordena o
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UDESC. É presidente da Associação
Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN).Tem experiência na área de História,
com ênfase em História e Populações de Origem Africana no Brasil , atuando
principalmente nos seguintes temas: negros, educação, história, populações de
origem africana e multiculturalismo.
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