quarta-feira, 30 de abril de 2014

 

Xingar de macaco: uma pequena história de uma ideia racista

Por Douglas Belchior
Do Blog Negro Bechior

“Para entender o poder e o escopo do xingamento de macaco, precisamos de uma dose de história”. É o que pensa James Bradley, professor de história da Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne, autor do texto abaixo, traduzido pelo professor da Uneafro-Brasil e doutorando em literatura da USP, Tomaz Amorim Izabel.
Nas últimas 24 horas muito foi dito e escrito sobre Daniel, Neymar, bananas, macacos e racismo. Não sou um acadêmico e tampouco jornalista. Não passo de um mero professor de rede pública estadual de São Paulo e mais um militante do movimento negro. O que formulei sobre o assunto nada mais é que fruto do acúmulo das lutas concretas. Do ensinamento que recebi d@s lutador@s mais velh@s e o que aprendi com meus iguais. E as afirmações são simples:
O racismo é algo sério, não podemos brincar com ele;
Daniel promoveu uma reação interessante, deu visibilidade ao debate sobre racismo, mas a forma e o conteúdo de seu “protesto” não nos serve. Tampouco a reação de Neymar, que agora sabemos, não partiu dele;
A maioria dos atletas, principalmente no futebol, são alienados e não tem opinião qualificada sobre temas relevantes para a sociedade. E isso não é preconceito ou generalização, mas sim uma constatação mais uma vez comprovada. Só falam bobagens e no máximo se prestam a assistencialismos em seus territórios de origem, vide Pelé, Zico, Ronaldo, Cafú entre outros;
Comparar negros a macacos é racismo e não podemos admitir; Fortalecer a ideia de que devemos absorver ofensas racistas é um desrespeito à população negra, além de um golpe ideológico: “Sofram calados, não façam escândalo, levem na esportiva”; 
Não somos todos macacos! Somos negr@s e merecemos respeito;
A campanha de Luciano Huck e Neymar é racista. Suas camisetas e seu vídeo são racistas. E ganhar dinheiro com uma campanha racista é canalhice, simples assim.
Ou, daqui pra frente, será tranquilo para você levar bananadas por aí e fingir que não se sentiu ofendido?
A ordem é rir da situação para desmobilizar o agressor, tal qual nos orienta papai e mamãe: “Filh@, quando te chamarem de macaca, leva na brincadeira que é melhor! Se você se irritar, aí é que o o apelido pega!”. Pois o que precisamos é desobedecer essa orientação e denunciar a agressão.
Para qualificar o debate, segue abaixo o texto do professor Bradley.
Seguimos!
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Por James Bradley – do  The Conversation
Professor de História da Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne

A maioria de nós sabe que chamar alguém de macaco é racismo, mas poucos de nós sabem por que macacos são associados na imaginação europeia com indígenas e, principalmente, afrodescendentes.
Para entender o poder e o escopo do xingamento de macaco, precisamos de uma dose de história. Quando eu era aluno de graduação na universidade, eu aprendi sobre racismo e colonialismo, particularmente sobre a influência de Charles Darwin (1809-1882), dos quais as ideias pareciam fazer o racismo ainda pior.
Na verdade, isto é fácil de inferir. A teoria da seleção natural de Darwin (1859) mostrou que os ancestrais mais próximos dos seres humanos foram os grandes macacos. E a ideia de que os homo sapiens descendiam de macacos se tornou rapidamente parte do teatro da evolução. O próprio Darwin foi muitas vezes representado como meio-homem, meio-macaco.
Além disso, enquanto a maior parte dos evolucionistas acreditava que todas as raças humanas descendiam do mesmo grupo, eles também notaram que a migração e a seleção natural e sexual tinham criado variedades humanas que – aos seus olhos – pareciam superiores a africanos ou aborígenes.
Ambos estes grupos tardios foram frequentemente representados como sendo os mais próximos evolutivamente dos humanos originais e, portanto, dos macacos.
O papel do pensamento evolucionista
No começo do século XX, o aumento da popularidade da genética mendeliana (nomeada em referência a Gregor Johann Mendel, 1822-1884) não fez nada para destituir esta maneira de pensar. Se é que ainda não piorou as coisas.
Ela sugeria que as raças haviam se tornado raças separadas e que os africanos, em particular, estavam muito mais próximos em termos evolutivos dos grandes macacos do que estavam, digamos, os europeus.
E ainda assim, durante este mesmo período, sempre houve uma corrente da ciência evolutiva que rejeitou este modelo. Ela enfatizava as profundas semelhanças entre diferentes raças e que as diferenças de comportamento eram produto da cultura e não da biologia.
Os horrores do Nazismo deveram muito ao namoro da ciência com o racismo biológico. O genocídio de Adolf Hitler, apoiado de bom grado por cientistas e médicos alemães, mostrou onde o mau uso da ciência pode levar.
Isto deixou o racismo científico nas mãos de grupos de extrema direita que só estavam interessados em ignorar as descobertas da biologia evolutiva do pós-guerra em benefício de suas variantes pré-guerra.
Claramente o pensamento evolucionista teve algo a ver com a longevidade do xingamento de macaco. Mas a associação europeia entre macacos e africanos tem um pedigree cultural e científico muito mais extenso.

Pego no meio
No século 18, uma nova maneira de pensar sobre as espécies emergiu. Anteriormente, a vasta maioria dos europeus acreditava que Deus havia criado as espécies (incluindo o homem), e que estas espécies eram imutáveis.
Muitos acreditavam na unidade das espécies humanas, mas alguns acreditavam que Deus havia criado espécies humanas separadas. Neste esquema, os europeus brancos eram descritos como próximos aos anjos, enquanto africanos negros e aborígenes estavam mais próximos aos macacos.
Muitos cientistas do século XVIII tentaram atacar o modelo criacionista. Mas, ao fazê-lo, acabaram dando mais poder para o xingamento de macaco.
No meio do século XVIII, o grande naturalista francês, matemático e cosmólogo Comte de Buffon (Georges-Luis Leclerc, 1707-1788) deu continuidade à ideia de que todas as espécies de animais descendiam de um pequeno número de tipos gerados espontaneamente.
Espécies felinas, por exemplo, supostamente descendiam de um único ancestral gato. Ao migrarem do seu ponto de geração espontânea, os gatos degeneraram em diferentes espécies sob influência do clima.
Em 1770, o cientista holandês Petrus Camper (1722-1789) pegou o modelo de Buffon e aplicou-o ao homem. Para Camper, o homem original era o grego antigo. À medida que este homem original se moveu do seu ponto de criação ao redor do mundo, ele também degenerou sob influência do clima.
Na visão de Camper, macacos, símios e orangotangos, eram todos versões degeneradas do homem original. Então, em 1809, o ancestral intelectual de Darwin, Lamarck (Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck, 1744-1829) propôs um modelo de evolução que via todos os organismos como descendentes de um único ponto de criação espontânea.
Larvas evoluíram em peixes, peixes em mamíferos e mamíferos em homens. Isto aconteceu não através da seleção darwinista, mas através de uma força vital interna que levava organismos simples a se tornarem mais complexos, trabalhando em combinação com a influência do meio ambiente.
Deste ponto de vista, humanos não compartilhavam um ancestral comum com macacos; eles eram descendentes diretos deles. E africanos então se tornaram a ligação entre macacos e europeus. A imagem popular comumente associada com a evolução darwinista da transformação de estágios do macaco ao homem deveria ser propriamente chamada de lamarckiana.

O poder do racismo
Cada uma dessas maneiras de pensar o relacionamento entre humanos e macacos reforçou a conexão feita por europeus entre africanos e macacos. E fazendo parecer que pessoas de origem não-europeia eram mais como macacos do que como humanos, estas diferentes teorias foram usadas para justificar a escravidão nas fazendas das Américas e o colonialismo no resto do mundo.
Todas estas diferentes teorias científicas e religiosas trabalharam na mesma direção: para reforçar o direito europeu de controlar grandes porções do mundo.
O xingamento de macaco, na verdade, tem a ver com a maneira com a qual os europeus, eles mesmos, se diferenciaram, biológica e culturalmente, em um esforço de manter superioridade sobre outros povos.
A coisa importante a se lembrar é que aqueles “outros” povos estão muito mais cientes daquela história do que os europeus brancos. Invocar a imagem de um macaco é utilizar o poder que levou à desapropriação indígena e a outros legados do colonialismo.
Claramente, o sistema educacional não faz o bastante para nos educar sobre ciência ou história da humanidade. Por que se fizesse, nós veríamos o desaparecimento do xingamento de macaco.


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terça-feira, 29 de abril de 2014

 

Pepe Escobar: “Estratégia” de Obama contra Rússia “pária”


terça-feira, 29 de abril de 2014

 

No Blog Rede Castor 

29/4/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 
O governo de Barack Obama parece amar o som (vídeo em inglês acima) de sanções unilaterais pela manhã. Talvez lhe soem com som de vitória.  
Sanções reais, duras à vera, se algum dia vierem a ser aplicadas, serão mais devastadoras para os poodles da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), não para Moscou. Enquanto isso, os adultos (da energia) continuam no business normal de sempre.
Não há como compreender a Guerra Fria 2.0, sem um flashback até novembro de 2010, quando Vladimir Putin falou diretamente à indústria/business da Alemanha, propondo uma comunidade econômica de livre mercado, de Lisboa a Vladisvotok.
O interesse alemão nesse relacionamento estratégico chave foi recíproco. Amplificado para outras nações, implica, no longo prazo, uma integração econômica/comercial plena entre União Europeia e Rússia, e, no quadro maior, um passo a mais na direção de Europa-Ásia. O que se traduz em anátema absoluto para a debilitada e viciada em Monopólio hiperpotência/hegemon.
Sergey Lavrov
Para toda a think-tankelândia dos EUA, que fala e teoriza a perder o fôlego sobre “contenção” de “estado bandido” – o que, só até aí já é de morrer de rir, como se a Rússia fosse a Somália – a abrangente “estratégia” do governo Obama seria algo sem paralelo no universo. Mas essa obra prima de diplomacia juvenil delinquente resume-se a ignore Putin.
Podem chamá-la de escola de diplomacia do “não gosto de você; não falo com você; estou de mal de você; tomara que você morra”. Comé que Talleyrand nunca pensou nisso?! Mas, com conselheiros tão espantosa, inacreditavelmente medíocres feito Ivo Daalder, ex-embaixador à OTAN, não surpreende que Obama não precise de inimigos.
All we need is Lavrov [1]
A histeria das sanções visa a obrigar o Presidente Putin a curvar-se aos desejos do hegemon, como parte da “estratégia”; criar um “consenso internacional” para “isolar” a Rússia; e fazer dela “estado pária”. “Estado pária” que não para de fazer meganegócios, (Rússia e Índia) como todos veem (Rússia e Irã).
Pois ainda assim o pensamento desejante-delirante predominante dá voltas em torno de algum “estrangulamento”, agora contra a Rússia – como foi insistentemente tentado contra o Irã (ao qual os iranianos resistiram bravamente). Dentro da bolha em que vivem, os “teóricos” desejantes-delirantes dos think-tanks já se autoconvenceram até de que Pequim “está conosco” [com eles], sem se darem conta de que Pequim vê claramente a histeria de sanções + “doutrina do ignore-Putin” como ramo do mesmo “pivoteêmo-nos para a Ásia” – que é, essencialmente, projeto para conter militarmente a China.
Barack Obama "pivoteando-se" nas Filipinas em 27/4/2013
No final, o Kremlin chegou à mesma conclusão: é inútil conversar com Washington. Afinal a lista de lavanderia do hegemon é sempre a mesma – o Kremlin não recebeu autorização de Washington para apoiar protestos no leste e no sul da Ucrânia; todo mundo tem obrigação de submeter-se aos neofazistas/aliados dos neofascistas mudadores de regime, de Kiev; e a Crimeia tem de ser “devolvida” – à OTAN – para que a OTAN consiga expulsar Moscou do Mar Negro.
O mais recente sonho molhado de Washington seria interromper os embarques de gás, pela Gazprom, da Rússia para a União Europeia – ato de sabotagem comercial, que Moscou interpreta como ato de guerra. Enquanto isso, o “Plano A” de Washington/OTAN ainda é induzir o Kremlin a uma “invasão”, de tal modo que Putin possa ser (como de fato já está sendo) pintado como “o novo Hitler” e como ameaça absoluta à União Europeia.
A isso se resume o coquetel-Martini “contensão/isolamento”, de arrogância, ignorância, impotência e temeridade. Finesse diplomática? Esqueçam Obama. Em termos de verdadeiro diplomata em ação, sintam-se à vontade para assumir que All we need is Lavrov.
De volta à Guerra dos Tronos/Game of Thrones [2]
Moscou tem várias vias para retaliar duramente, realmente, contra o hegemon: na Síria; no dossiê nuclear do Irã; na vergonhosa retirada da OTAN, do Afeganistão, pela Rede Norte de Distribuição que passa pela Rússia; no futuro do Afeganistão.
Vladimir Putin
Se a Casa Branca e o Departamento de Estado dos EUA quisessem realmente prestar atenção ao modo como Putin enquadra o relacionamento entre o Ocidente e a Rússia, o Kremlin já o repetiu várias vezes. A Rússia espera ser respeitada pelos “nossos parceiros ocidentais”, os quais, desde 1991 tratam a Rússia não como “participante independente e ativo nas questões internacionais”, “com interesses nacionais próprios a serem levados em conta e respeitados”, mas como se fosse nação atrasada ou perigosa, a ser descartada e “contida”.
Os registros históricos mostram claramente que Washington não respeita interesses nacionais de ninguém; a única coisa que conta é que os tais interesses de outros têm de estar subordinados aos interesses de Washington.
O Kremlin, em resumo, convidou Washington a jogar realpolitik. Não Monopólio. O governo Obama, no melhor dos casos – e já é muita generosidade – joga Bingo. Moscou joga xadrez. Movimento ensandecido para gerar caos nas fronteiras oeste da Rússia, e ares de quem “ignora” Putin, não mudarão em nada a defesa, pelo Kremlin, do que entende como interesses nacionais russos.
Putin joga xadrez com o "Ocidente"... Simultaneamente!
Digamos que o “projeto” era tomar a Ucrânia, expulsar Moscou da base em Sebastopol e, assim, do Mediterrâneo leste; e na sequência tomar a Síria, de modo que o Qatar – não Irã-Iraque-Síria – tivesse “seu” quinhão do Oleogasodutostão, via Jordânia e uma Síria governada pelos sunitas, em direção aos mercados da União Europeia. Esse “projeto” está fracassando miseravelmente.
Mas o jogo das sanções continua (como continuou contra Cuba, Iraque, Irã). A Casa Branca já está cozinhando mais do mesmo. Nenhum adulto na Europa acompanhará o “projeto”. Até os poodles farejam que o governo Obama não se qualifica, sequer, para jogar Jogos dos Tronos no PlayStation 3.


Notas dos tradutores
[1] Há ecos aí de All you need is love, dos Beatles, lançada em 1967. Perguntado, então, se seria canção de propaganda, Lennon respondeu: “Claro que sim. Sou artista revolucionário. Minha arte é dedicada a fazer mudar”. Ouve-se/Assiste-se a seguir
 [2] Título de um seriado de televisão: Game of Thrones. Trailer a seguir:
______________________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

 

Somos todos macacos!!

Somos todos macacos

Depois da enésima vez que jogaram bananas contra jogadores negros na Europa, Daniel Alves resolveu comer a banana e Neymar declarou: Somos todos macacos.

por Emir Sader em 28/04/2014 
 




Emir Sader

Depois da enésima vez que jogaram bananas contra jogadores negros na Europa, Daniel Alves resolveu comer a banana e Neymar declarou: “Somos todos macacos”. É o começo da reação, que os próprios europeus parecem incapazes de fazer, contra a discriminação nos campos de futebol, que é apenas a extensão da vida cotidiana em países que se consideram  “brancos e civilizados”.

 A Europa “civilizada” se enriqueceu às custas da escravidão e do seu corolário – a discriminação e a redução dos negros a “bárbaros”. Vieram com a cruz e a espada a “civilizar-nos”,  isto é, destruir as populações nativas e submete-las ao jugo da dominação colonial. Tiraram milhões de  africanos do seu mundo para trazê-los como animais a trabalhar como escravos para explorar as riquezas daqui e enviá-las para enriquecer a Europa  “civilizada”.

Todo o movimento histórico da “liberdade, igualdade, fraternidade”, foi feito em função da libertação dos servos da gleba europeus, desconhecendo a escravidão que essa mesma Europa praticava. Ninguém – salvo o solitário Hegel – tomou conhecimento da Revolução Haitiana contra a dominação da França “emancipada” por sua revolução, mas opressora da primeira Revolução Negra de independência nas Americas.

Séculos depois, quando a Europa “civilizada” termina com seu Estado de bem estar social e joga no abandono a milhões de pessoas – antes de tudo os imigrantes, que foram trabalhar em condições degradantes quando suas economias os necessitavam -, o racismo mostra toda sua força. Os partidos de extrema direita são os que mais se fortalecem, ao mesmo tempo que o racismo aparece nos também nos campos de futebol, sem que gere indignação na Europa “civilizada”.

Ao mesmo tempo, desenvolvem uma campanha discriminatória contra o Brasil, desenhando um país de “cobras, tigres, macacos”, além de ser, segundo o absurdo e estúpido informe do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, “um país de alto risco”. Fosse assim porque estão instalando fábricas da BMW, da Mercedes, além de ampliar a da Volkswagen e várias outras?

Fazem por isso porque o Brasil de hoje incomoda os adeptos do neoliberalismo, que leva a Europa a um desastre social, enquanto nós – e vários outros países da América Latina – crescemos e diminuímos a desigualdade e a miséria. Nós os incomodamos porque estamos fora do Consenso de Washington, que eles tentaram impor-nos, nos causaram muitos danos, mas de que soubemos recuperar-nos e somos a região do mundo que se contrapõe aos descaminhos que a Europa assume.

Vamos recebê-los com a maior cordialidade no Mundial de Futebol. Comendo e oferecendo bananas a todos eles, assumindo que: “Somos todos macacos”.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

 

A União Europeia e o fim do Mercosul


 

26/04/2014 - Copyleft

O eventual acordo União Europeia/Mercosul será o início do fim do Mercosul e o fim da possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano brasileiro.


Samuel Pinheiro Guimarães
Arquivo

Integração regional e acordos de livre comércio

1. A conveniência da participação do Brasil em esquemas de integração regional e da negociação de acordos de “livre comércio” com países altamente desenvolvidos, e altamente competitivos na área industrial, somente pode ser avaliada a partir da situação real da economia mundial e da economia brasileira que se caracteriza hoje por quatro fatos principais:

• a estratégia dos países desenvolvidos de procurar sair da crise através de políticas agressivas de abertura de mercados de terceiros países, de proteção de sua produção doméstica e de manipulação cambial, que desvaloriza suas moedas;

• a política chinesa de expansão de suas exportações de produtos industriais e de abertura de mercados para seus produtos e para seus investimentos, em especial para a produção de commodities (produtos primários);

• a importância do comércio intra-firma que chega a atingir 60% do comércio mundial, o que torna limitada e bastante retórica o conceito de livre comércio;

• a presença avassaladora de megaempresas multinacionais, e de empresas estrangeiras de menor porte,  na economia brasileira, não só no setor industrial, mas crescentemente no setor de serviços, tais como educação e saúde.

2. A alternativa estratégica, para os países subdesenvolvidos como o Brasil, a uma política de inserção plena e irrestrita na economia mundial é a participação em esquemas de integração.

3. Esta participação pode ocorrer:

a. em esquemas em que se encontram países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, como é o caso do NAFTA, North America Free Trade Agreement, que inclui os Estados Unidos, o Canadá e o México;

b. ou em esquemas em que se encontram somente países subdesenvolvidos, como é o caso do Mercosul, de que participam a Argentina, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela;

c. ou  através de acordos de “livre comércio” bilaterais, como o tratado de livre comércio entre o Chile e os Estados Unidos.

4. No primeiro caso, a economia dos países subdesenvolvidos (e sua política econômica interna e sua política externa) se torna altamente dependente da economia e das políticas praticadas pelo sócio desenvolvido e sobre as quais não tem influência maior por não participar de seu sistema político/administrativo e, portanto, das decisões de política econômica que são adotadas pelo Governo do país desenvolvido.

5. No segundo caso, os países subdesenvolvidos podem formar:

a. uma zona de livre comércio em que os países eliminam os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio intra-zona enquanto mantém suas tarifas aduaneiras nacionais em relação às exportações de empresas situadas em terceiros países extra-zona;

b. uma união aduaneira em que os países eliminam os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio intra-zona e estabelecem uma tarifa aduaneira comum em relação às importações provenientes de empresas situadas em países extra-zona;

c. uma união econômica (e eventualmente monetária) em que os países integrantes da união aduaneira também estabelecem políticas econômicas (cambial, tributária, trabalhista, creditícia etc) comuns.

O Mercosul

6. O Mercosul é uma união aduaneira, denominada de imperfeita, devido à dupla cobrança de impostos de importação, à exclusão de setores, a extensas listas de exceções etc.

7. Desde que o Mercosul foi criado, em 1991, foram os seguintes os seus principais resultados:

a. o comércio entre os países do Mercosul aumentou mais de onze vezes desde 1991  enquanto que o comércio mundial cresceu apenas cinco vezes;

b. a expansão dos investimentos das empresas privadas nacionais dos países participantes em outras economias do Mercosul;

c. o grande influxo de investimentos diretos provenientes de países altamente desenvolvidos, com excedente de capital, e da China, dirigido aos países do Mercosul;

d. o financiamento de obras de infraestrutura nos países do bloco por entidades financeiras de países do Mercosul;

e. a criação de um fundo, o FOCEM, Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, com contribuições diferenciadas (97 % do Brasil  e da Argentina)  para, através de recursos não reembolsáveis, permitir a realização de obras de infraestrutura, em especial no Paraguai e no Uruguai, que recebem 80% dos recursos,  com o objetivo de reduzir assimetrias entre os países membros do Mercosul e criar melhores condições para o desenvolvimento;

f. o aumento da mobilidade da mão de obra através da assinatura de acordos de residência e de previdência social;

g. a coordenação e o intercâmbio de experiências em programas sociais, em especial no campo de combate à pobreza;

h. a defesa e a consolidação da democracia.

8. Para o Brasil, foram os seguintes os principais resultados da sua participação no  Mercosul:

a. o comércio do Brasil com o Mercosul aumentou dez vezes entre 1991 e 2012 enquanto  o comércio do Brasil com o mundo aumentou oito vezes;

b. oitenta e quatro por cento das exportações do Brasil para os países do Mercosul são produtos manufaturados enquanto apenas 53% de suas exportações para os Estados Unidos, 36% de suas exportações para a União Européia e  4% de suas exportações para a China são produtos manufaturados;

c. os países do Mercosul, em especial a Argentina,  absorveram  21%  das exportações totais de manufaturados brasileiros;

d. o Brasil teve superávits comerciais com todos os países do Mercosul nos últimos  dez anos enquanto tem tido déficit, nos últimos anos,  com os países altamente desenvolvidos;

e. em 2013, o saldo comercial do Brasil com o Mercosul foi mais do que o dobro do saldo total brasileiro, compensando os déficits comerciais com os Estados Unidos de 11 bilhões de dólares e com a União Européia, de 3 bilhões de dólares;

f. as empresas de capital brasileiro realizaram investimentos importantes nos países do Mercosul, que constituem  sua área natural de expansão inicial para o exterior;

g. os empréstimos feitos pelo BNDES para a realização de  obras de infraestrutura em países do Mercosul resultam em contratos com empresas brasileiras de engenharia e na exportação de bens e serviços pelo Brasil;

h. parte importante dos investimentos diretos estrangeiros que se realizam no Brasil tem como objetivo exportar para o conjunto de países que constituem o Mercosul;

i. a participação do Brasil no Mercosul permitiu contribuir para a consolidação e defesa da democracia na região e, portanto, para a estabilidade em nossa vizinhança imediata.

9. Apesar de todos os seus êxitos, o Mercosul é criticado diariamente pela mídia que logrou construir, em amplos setores da opinião pública, uma imagem negativa do Mercosul como sendo um acordo e uma organização fracassados,  que prejudicam os interesses brasileiros, e de uma associação “inconveniente” para o Brasil com países como a Argentina e a Venezuela.

10. Este antagonismo das grandes redes de televisão, dos jornais e das revistas de grande circulação decorre não de um exame dos fatos concretos, mas sim de uma posição ideológica que tem os seguintes fundamentos:

a. o Brasil deve dar prioridade em suas relações internacionais aos países desenvolvidos por serem eles grandes mercados, grandes fontes de capital e principais geradores de tecnologia;

b. o Brasil deve se associar aos países altamente desenvolvidos por serem estes democracias estáveis e defensores dos direitos humanos;

c. o Brasil deve se associar aos países desenvolvidos por razões de identidade cultural e afinidade ideológica.

11. Em contraste, os países subdesenvolvidos, nesse grupo incluídos os Estados da América do Sul, seriam pequenos mercados, sem capacidade de investir e sem dinamismo tecnológico; seriam Estados politicamente instáveis, periodicamente ditatoriais e violadores dos direitos humanos; seriam sociedades cultural e ideologicamente distintas da sociedade brasileira.

12. Assim, no campo econômico, o Brasil não deveria participar de organismos como o Mercosul ou de grupos de países tais como os BRICS e o IBAS (Forum India, Brasil e África do Sul).

13. No campo comercial, os órgãos da grande mídia diariamente argumentam que:

a. o Brasil deve se associar a esquemas como a Aliança do Pacífico que reuniria economias bem sucedidas e dinâmicas;

b. o Brasil tem de se integrar, com urgência, nas cadeias produtivas mundiais;

c. o Brasil está arriscado a ficar “isolado” dos grandes processos de negociação internacional em curso, tais como a TransPacific Partnership e o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Européia;

d. o Brasil deve assinar acordos de livre comércio com os países altamente desenvolvidos ainda que para tal tenha de abandonar o Mercosul ou tenha de adotar uma estratégia de diferentes velocidades, omitindo  que isto acarretaria o abandono,  na prática, do Mercosul.

14. A Aliança do Pacífico é constituída por quatro Estados que tem acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, quais sejam o México, a Colômbia, o Peru e o Chile.

15. Cada um desses quatro países assinou acordos de livre comércio com dezenas de outros Estados ou blocos de Estados, tais como a União Européia e a China, uma decorrência quase que necessária de terem negociado acordos com os Estados Unidos.

16. O comércio entre os países da Aliança do Pacifico é de pequena importância, inclusive por não terem esses países uma oferta exportável diversificada, já que não possuem parques industriais significativos (exceto o México, ainda que com características especiais decorrentes da presença das maquiladoras) e por serem competidores entre si no mercado internacional em muitos itens, em especial minérios.

17. Apesar de terem exibido taxas de crescimento relativamente altas nos últimos anos isto não significou desenvolvimento econômico propriamente dito, pois não se diversificaram suas estruturas produtivas e nem melhoraram os seus índices de concentração de renda e de riqueza.

18. Após assinar os acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, as importações do Chile, do Peru e da Colômbia, provenientes dos Estados Unidos, aumentaram muito mais do que suas exportações para os Estados Unidos e essas exportações, ao contrário do que se argumentava para  defender a celebração desses acordos, continuaram concentradas nos mesmos produtos tradicionais e não se diversificaram.

19. Ao contrário do que a grande mídia parece ignorar, voluntária ou involuntariamente, o Mercosul (e, portanto, o Brasil) tem acordos de livre comércio com o Chile, o Peru e a Colômbia em consequência dos quais já ocorreu a redução a zero da maior parte das tarifas bilaterais e, em 2019, o comércio entre o Mercosul (e o Brasil) e cada um desses países da Aliança do Pacifico será totalmente livre. 

20. Quanto à integração na economia internacional e nas cadeias produtivas mundiais, o fato de o comércio exterior brasileiro ter crescido de 108 bilhões de dólares em 2002 para alcançar 466 bilhões de dólares em 2012 e de o fluxo de investimentos diretos estrangeiros ter crescido de 26 bilhões de dólares em 2002 para alcançar 84 bilhões de dólares em 2012 revela que a economia brasileira está longe de estar isolada ou não integrada na economia mundial.

21. Por outro lado, cerca de 40% do comércio exterior brasileiro, em especial de produtos manufaturados, é um comércio intra-firma o que significa integração do parque industrial instalado no Brasil em cadeias produtivas mundiais das megaempresas multinacionais.

22. No caso dos produtos primários, como a soja e o minério de ferro, o Brasil se encontra integrado em cadeias produtivas ainda que isto ocorra na extremidade de menor valor agregado dos produtos finais dessas cadeias, isto é, o Brasil exporta produtos primários que são processados em países altamente desenvolvidos e o resultado deste processamento muitas vezes são produtos que vem a ser importados pelo Brasil, como é o caso de produtos siderúrgicos importados pelo Brasil da China.

23. A integração do Brasil em cadeias produtivas globais decorre de decisões das megaempresas multinacionais que alocam diferentes etapas ou segmentos dos processos produtivos de certos produtos em diferentes países devido a diferenças de custo de insumos, inclusive trabalho, de impostos e da existência de vantagens relativas de crédito, de tributação etc., e de localização geográfica, como é o caso do México em relação aos Estados Unidos e dos países da Europa Oriental em relação à Alemanha.

24. Certamente, o Brasil não poderia competir com outros países, em especial asiáticos, em termos de custos do trabalho, de benefícios tributários ou de legislação ambiental a não ser que fosse promovido um extraordinário retrocesso da legislação trabalhista e da legislação ambiental, para o que não há nenhuma possibilidade de apoio político na sociedade brasileira.

25. Não há dúvida de que os eventuais resultados das negociações entre  Estados Unidos e União Européia e das negociações da TranspacificPartnership  virão a afetar o Brasil. Porém, o fato inarredável de o Brasil não ter litoral no Oceano Pacífico torna extremamente difícil reivindicar sua participação nas negociações da TransPacific Partnership enquanto que não sendo o Brasil membro da União Européia (nem podendo ser por não estar situado naquele Continente) nem sendo parte dos Estados Unidos torna impossível participar das negociações entre a União Européia e os Estados Unidos, para o que, aliás, ninguém pensou em convidá-lo.

Um Acordo entre a União Européia e o Mercosul

26. Finalmente, a mídia, organizações empresariais e economistas defendem a negociação de um acordo entre a União Européia e o Mercosul como indispensável a uma melhor inserção do Brasil na economia internacional, o que, segundo esses advogados, permitiria a retomada de altas taxas de crescimento.

27. Seria interessante examinar as prováveis consequências de um acordo entre a União Européia e o Mercosul:

a. como a tarifa média para produtos industriais, cerca de 4%, na União Européia é muito mais baixa do que a tarifa média aplicada no Mercosul, que é de cerca de 12%, a União Européia teria no caso da eliminação recíproca da maior parte, digamos 90%, das tarifas muito maior vantagem do que o Brasil e o atual déficit brasileiro no comércio de produtos industriais com a Europa, que já é significativo e crônico, se agravaria ainda mais; o fato de o período de desgravação ser de quinze anos não afeta este argumento;

b. a redução e a eventual eliminação das tarifas de importação do Mercosul (inclusive do Brasil) não teria efeito positivo sobre o nível tecnológico atual da indústria instalada no Brasil pois, de forma geral, a importação de bens de capital já está livre de direitos quando não há similar nacional. As empresas produtoras de bens de capital, nacionais ou estrangeiras instaladas no Brasil, no caso de total liberalização do comércio sofreriam forte impacto e talvez desaparecessem;

c. como o nível tecnológico médio da indústria brasileira é inferior ao nível médio da indústria na União Européia, aquela não teria condições de concorrer nos mercados europeus nem nos mercados do próprio Mercosul com os produtos exportados pela indústria européia, agora livres de direitos aduaneiros;

d. um dos estímulos para os investimentos diretos industriais europeus nos países do Mercosul, que é “saltar a barreira tarifária” para produzir e competir no mercado interno do bloco,  deixaria de existir;

e. em consequência, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros para a indústria no Mercosul (principalmente para o Brasil e a Argentina) diminuiria, com efeitos negativos para o emprego e para o próprio equilíbrio do balanço de pagamentos;

f. uma das consequências da eliminação de tarifas sobre as importações de produtos industriais europeus é que seria, possivelmente em muitos casos, melhor exportar para o mercado brasileiro do que continuar a produzir aqui e assim os investimentos produtivos hoje existentes poderiam regressar para seus países de origem ou não aumentar sua capacidade instalada no Mercosul;

g. as regras relativas a investimentos estrangeiros, propriedade intelectual, comércio de serviços, compras governamentais, defesa comercial se tornariam ainda mais favoráveis às megaempresas multinacionais do que se tornaram em decorrência da Rodada Uruguai, concluída em 1994, que levou à criação da Organização Mundial do Comércio;

h. a possibilidade dos Governos do Mercosul de implementarem, nacional ou regionalmente, políticas industriais, comerciais e tecnológicas se tornaria ainda menor, devido, como dizem os economistas, à redução ainda maior do policy space (espaço legal para a execução de políticas) em decorrência dos compromissos assumidos no eventual acordo;

i. a possibilidade de implementar políticas nacionais e regionais preferenciais para as empresas instaladas nos países do Mercosul nos setores de serviços, compras governamentais e outros deixaria de existir;

j. a eliminação das tarifas industriais decorrentes de um acordo União Européia/Mercosul eliminaria a preferência de que gozam hoje as empresas situadas no Mercosul em relação às empresas situadas fora do Mercosul e, portanto, para as empresas da União Européia, o Mercosul, cuja essência é a tarifa externa comum, deixaria de existir;

k. a assinatura de um acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul, ao privilegiar as empresas européias no comércio com o Mercosul (e com o Brasil) acarretaria imediatamente solicitações de nossos principais parceiros comerciais, isto é, a China, os Estados Unidos, o Japão para que negociássemos com eles acordos semelhantes, o que seria praticamente impossível de recusar;

l. a tarifa externa comum, essência de uma união aduaneira, que já teria  deixado de existir para as empresas da União Européia, deixaria de existir para os Estados Unidos, para o Japão, para  a China e para outros países o que significaria o fim do Mercosul, como união aduaneira e como instrumento de desenvolvimento;

m. a possibilidade de desenvolvimento industrial brasileiro a partir de empresas nacionais e estrangeiras instaladas no Brasil deixaria igualmente de existir;

n. os efeitos sobre o emprego seriam significativos, com sérias consequências sociais para países de elevado nível de urbanização, como a Argentina e o Brasil, já que o salário médio por trabalhador na indústria é várias vezes superior ao salário médio do trabalhador na agricultura e na mineração;

o. no que diz respeito ao comércio de produtos agrícolas, altamente regulamentado na União Européia, que considera a proteção à sua agricultura uma questão estratégica, o acordo não levaria a uma liberalização geral do comércio e do acesso dos produtos agrícolas do Mercosul (e brasileiros) aos mercados europeus;

p. a União Européia estaria disposta a conceder ao Mercosul tão somente quotas de importação, livres de direitos, para  determinados produtos agrícolas, o que não significa necessariamente um aumento das receitas brasileiras (e dos outros países do Mercosul) com a exportação desses produtos;

q. segundo a informação disponível, o volume de cada uma dessas quotas oferecidas pela União Européia poderia ser, inclusive, inferior ao volume atualmente exportado pelos países do Mercosul;

r. esta oferta européia beneficiaria em principio não o Estado brasileiro em termos de aumento das receitas de exportação pois não aumentariam os volumes exportados enquanto que os exportadores de produtos agrícolas se beneficiariam apenas na hipótese de serem mantidos os preços pagos pelos importadores. 

28. A eventual assinatura de um acordo entre a União Européia e o Mercosul tornaria impossíveis negociações futuras para a ampliação das quotas de importação eventualmente concedidas pela Europa já que a União Européia já teria atingido, ao obter a eliminação de tarifas para 90% das posições tarifárias industriais, o seu objetivo estratégico que é a abertura do mercado brasileiro (e do Mercosul) para suas exportações, e ao mesmo tempo manter sua política agrícola protecionista e a sobrevivência de sua agricultura subsidiada e ineficiente.

29. O desenvolvimento econômico e social brasileiro depende do fortalecimento de seu setor industrial enquanto que a defesa dos interesses brasileiros, políticos e econômicos, na esfera internacional, cada vez mais competitiva e conflituosa, dependem do fortalecimento do Mercosul, etapa indispensável para a integração da América do Sul.

30. O eventual acordo União Européia/Mercosul será o início do fim do Mercosul e o fim da possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano brasileiro e do objetivo estratégico brasileiro de construir um bloco econômico e político  na América do Sul, próspero, democrático e soberano.


http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-Uniao-Europeia-e-o-fim-do-Mercosul/6/30799

quinta-feira, 24 de abril de 2014

 

O inquérito 2474 derruba as teses do mensalão

Enviado por Miguel do Rosário 
Destrinchando a parte 1 do Inquérito 2474
Matutando sobre a razão pela qual Joaquim Barbosa manteve o Inquériot 2474 sob segredo de justiça, não o revelando nem a seus pares nem à imprensa, cheguei a algumas suspeitas.
É preciso entender que se trata de um documento policial, de acusação. Em tese, seria um complemento às investigações que levaram à Ação Penal 470, porque traz informações mais atualizadas.
O delegado Zampronha se esforça para encontrar indícios e provas que possam confirmar as suspeitas do Ministério Público, da oposição e da imprensa de que houve um escândalo de corrupção.
No entanto, o relatório foi praticamente descartado por Barbosa, que o ignora solenemente por ocasião do julgamento da Ação Penal 470. Por quê?
Minha tese inicial é a de que Zampronha deixou vários “furos” que impediriam Barbosa e o procurador-geral de sustentar algumas acusações. Ou seja, “furos” não necessariamente na qualidade da investigação, mas na sua forma, que envereda demais pelo período tucano e pela verdade, em vez de se ater exclusivamente às ficções criadas pela procuradoria, em conluio com Joaquim Barbosa e chanceladas pela imprensa.
Zampronha até tenta entrar no “clima” da época e bater no PT, mas é sério demais para se ater apenas a isso, e vai mais fundo.
Em primeiro lugar, o relatório é baseado no famigerado Laudo 2828, também ignorado por Barbosa, que inocentava Gushiken e Pizzolato.
Apesar do próprio Inquérito 2474 trazer algumas acusações contra a diretoria de marketing, constata-se logo que são acusações forçadas, puramente retóricas, como que enxertadas para satisfazer a sanha da procuradoria de incriminar Pizzolato. De qualquer forma, jamais chegam ao ponto de afirmar que os R$ 74 milhões do Fundo Visanet teriam sido inteiramente desviados.
Zampronha comete a impudência de lembrar que o Laudo 2828 também investigou as ações do “grupo criminoso” nos anos de 2000 a 2002, o que tiraria o foco do PT.
Trecho da Parte 1, página 35:
Ainda na página 35, Zampronha faz uma observação, numa nota de rodapé, que, mesmo nitidamente querendo ajudar a acusação a montar a tese do mensalão, acabaria atrapalhando a vida dos procuradores e de Joaquim Barbosa.
Zampronha tentava, talvez ingenuamente, ser verossímil. A DNA não poderia desviar a íntegra dos R$ 74 milhões do Fundo Visanet – Marcos Valério era esperto demais para fazer isso. Se houve desvio dos recursos Visanet a agentes públicos (e Zampronha não consegue provar sequer isso), ele corresponderia a um percentual pequeno do valor total.
Sendo um expert em mercado financeiro, Valério fazia malabarismos com o dinheiro do Fundo Visanet (segundo Zampronha) para desviar uma parte dele para seus objetivos comerciais e políticos.
Mas Valério nunca desviaria a totalidade dos recursos de uma campanha publicitária. A DNA era uma agência genuína, que mantinha contratos com o Banco do Brasil desde 1994. Está lá na página 39:
Os adiantamentos em dinheiro feitos pelo Banco do Brasil às agências de publicidade eram uma “regra geral” desde muito antes da gestão Lula, e eram feitos para todas as agências que trabalhavam com o banco, não apenas para a DNA.
No caso da DNA, o relatório fala em seis grandes adiantamentos feitos pelo BB em benefício desta agência, sob a rubrica do Fundo de Incentivo Visanet. Os dois primeiros aconteceram em 2001 e 2002.
Há um outro ponto do relatório que derruba um dos pilares da acusação: posicionar um petista no centro do núcleo financeiro do esquema.
Apesar de Zampronha revelar, em alguns trechos do relatório, o desejo de incriminar o diretor de marketing, Pizzolato, o único petista no Banco do Brasil, o documento não traz nenhuma prova contra ele; ao contrário, menciona repetidamente o Laudo 2828, que afirma que outros servidores, e não Pizzolato, eram os responsáveis pelos recursos do Fundo Visanet.
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Da página 42 até a 52, Zampronha aborda supostas mutretas da DNA com os recursos que recebia do Banco do Brasil para realizar campanhas publicitários pagas pelo Fundo Visanet.
Olhando bem, são mutretas mais ou menos “comuns” no mercado publicitário, que é longe de ser tocado por santos da ética. Elas – as agências – recebem os recursos de seus clientes, e em seguida emitem notas frias ou superfaturadas, para justificar os gastos.
Entretanto, isso não significa que não executem o serviço, às vezes com extraordinária competência. Se avaliarmos os serviços publicitários prestados pela DNA ao Banco do Brasil, sobretudo os relacionados às campanhas do cartão Visanet, veremos que o BB foi a instituição que mais ganhou market share na área de cartões de débito durante o período mais investigado (2003 a 2004).
*
A partir da página 53, Zampronha começa a falar dos anos de 2003 e 2004. Aí, na minha opinião, comete outra grande “impropriedade” para os objetivos da procuradoria e de Joaquim Barbosa. Talvez esta seja a explicação principal para Barbosa ter mantido o documento em segredo.
A “impropriedade” é informar, com todas as letras, o nome dos servidores que assinam os repasses financeiros para a DNA nos anos de 2003 e 2004. Entre eles, não consta, em nenhum momento, Henrique Pizzolato, o único petista na cúpula do BB.
O primeiro grande depósito do Fundo Visanet na conta da DNA, no valor de R$ 23,3 milhões, feito em 08 de maio de 2003, traz as assinaturas de Léo Batista dos Santos e Douglas Macedo. Em novembro do mesmo ano, outro grande depósito, desta vez de R$ 6,4 milhões, traz a assinatura de Douglas Macedo. Nada de Pizzolato. É óbvio que esse relatório tinha que ser mantido em segredo: nem Léo nem Douglas são petistas; ambos vinham da gestão anterior e não tinham ligação nenhuma com o então novo governo Lula.
Página 54:
*
Quando a DNA apresenta a sua planilha, com os fornecedores que receberam os recursos oriundos da Visanet, apenas em 2003, veja quem aparece no topo da lista: TV Globo, que recebeu R$ 3,39 milhões; e Tom Brasil, a empresa para a qual o filho de Joaquim Barbosa prestou serviços em 2010. Hoje o filho de Barbosa é empregado da Globo.
Antonio Fernando, o procurador responsável pelas primeiras versões do “mensalão”.
 

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