OS ARROUBOS IMPERIAIS DA INGLATERRA Por Mariana Schlickmann e Paulino Cardoso

OS ARROUBOS IMPERIAIS DA INGLATERRA

Por Paulino Cardoso e Mariana Schlickmann.

Mundo Multipolar, 29 de abril de 2021.

 

    Quem se depara com notícias esparsas que emergem aqui e ali tem a impressão de que o Reino Unido esteve dormindo por algum tempo, despertou com o pé esquerdo e achando que ainda está no século XIX, pós batalha de Waterloo, quando se apresentou para o mundo como grande potência imperial. Senhora dos mares, com um império onde o sol nunca se punha, e que podia mandar, desmandar, interferir e explorar quem quiser.


Batalha de Waterloo, junho de 1815.

    O revival imperial teve como passo fundamental o BREXIT, o referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia. Movimento no qual os ultraliberais como Boris Johson, ex-prefeito de Londres, se uniram aos nacionalistas xenófobos, cuja principal liderança era Nigel Farrage.
    O BREXIT ocorreu há quatro anos, através de um controverso referendo, mas os termos do acordo ainda não estão definidos, pois as complexidades no que diz respeito ao comércio, impostos e migração são imensos.
    Não por acaso, somente nessa semana foi aprovado acordo comercial do pós-BREXIT. Em uma concessão importante do primeiro-ministro Boris Johnson, o acordo mantém a Irlanda do Norte alinhada com as regras do mercado único da UE para evitar controles alfandegários na ilha da Irlanda. Isso criou uma fronteira entre a província e o resto do Reino Unido - um obstáculo para a movimentação de mercadorias de negócios e um foco de descontentamento entre os sindicalistas que se opõem a qualquer grau de separação de Londres.



    A raiva com a concessão ajudou a alimentar a violência na Irlanda do Norte no início deste mês, com carros e ônibus incendiados e policiais feridos. A UE está adiando a próxima etapa em sua ação judicial, já que trabalha em um plano conjunto com o Reino Unido para acalmar a situação. O negócio exclui serviços - que respondem por cerca de 80% da economia do Reino Unido - bem como o setor financeiro do país.
    Outra evidência do despertar da Inglaterra foi o anuncia de um vultuoso investimento de seis bilhões de libras esterlinas no rearmamento do país, com atualização de suas frotas navais e aviões. Segundo vazamento para o periódico Daily Telegraph, há ainda uma previsão até 2030, de um aumento do número de ogivas nucleares de 180 para 260. Tudo isto parte do projeto “Mundo britânico em uma era competitiva”. Só não se sabe de onde o país irá tirar dinheiro para tais investimentos, já que seu principal fiador, os EUA, também não andam bem das pernas. Para aprofundar o debate veja artigo do portal Kontrainfo https://kontrainfo.com/el-regreso-de-cartago-el-proyecto-del-reino-unido-de-la-gran-bretana-mundial/
    A cada ano que passa a Inglaterra fica mais distante dos países mais ricos do mundo, e as saídas que têm anunciado não mostram que voltará para o topo se continuar com seus arroubos imperiais. Segundo a relatório da empresa de consultoria PwC, em uma visão de futuro para 2050, o Reino Unido será apenas a décima economia mundial. Ver: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/world-in-2050.html
    Hoje o país é irrelevante na disputa de tecnologia de ponta, e é o grande banco do mundo (e de lavagem de dinheiro também). Porém, está perdendo sua credibilidade após seus atos de retenção de ouro da Líbia e Venezuela. Qual país vai confiar seu ouro assim, podendo ele ficar retido ilegalmente?
    Entretanto, para seus porta-vozes, comprometidos com os sonhos de reviver um império naval cujas as origens remontam a Cartago, a “... estratégia atual das elites da Grã-Bretanha é transformar seu país em uma ilha por onde passam todos os fluxos financeiros, de TI e todos os tipos de "redes" mundiais (...), sendo parte integrante das redes de segurança internacionais.” Citado no artigo do Portal Kontrainfo.
    Os ingleses, além dos problemas internos no enfrentamento com a pandemia do COVID19, precisam resolver suas questões com sua obsoleta monarquia, que coleciona escândalos e luta para ainda fazer sentido no século XXI. Eles sabem que com a morte da rainha nonagenária, a questão da sucessão por seu filho será um problema, na deliciosa imagem de Eduardo Jorge Vior.

 

A ex-primeira-ministra inglesa, Theresa May dança desajeitada no Quênia. Foto Stepan Roseau. Getty Image

    O país tem buscado novos acordos com suas antigas colônias, mas nos termos imperiais do passado. Porém, sua arrogância e racismo está pagando o preço, principalmente em África. Os países africanos não querem mais ser vassalos da rainha, mas sim negociar com a China, que com as Novas Rotas da Seda oferecem acordos de ganha-ganha, e investimentos reais em infraestrutura, ou seja, com vantagens para os dois países, não somente para a antiga metrópole. Quênia, Nigéria, África do Sul se fortalecem com investimentos em portos, aeroportos e ferrovias.

 

Ferrovia que liga Djibut a Adis Adeba, capital da Etiópia.

    Membro da OTAN, principal parceiro dos EUA na Europa, em seu desespero, tem contribuído de forma decisiva nos esforços para desestabilizar e interferir nas questões internas de outros países, utilizando seus serviços de inteligência, principalmente o MI6, que com operações na Ucrânia do comediante Volodonir Zelensky tentou operar seu desejo de anexação do Donbass e da Península da Crimeia. Esteve envolvida na expulsão de diplomatas russos pela República Tcheca e na tentativa de golpe de Estado na Bielorrússia.

    A última de seus arroubos imperiais foi fazer exercícios navais (que custam caro e um dinheiro que ela não está podendo gastar agora) em vários locais do mundo. No Mar Negro, provocando a Rússia, no Mar do Sul da China, flexionando seus flácidos músculos contra o gigante asiático. Ver artigo do Jornal Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/04/reino-unido-alerta-china-com-maior-demonstracao-de-forca-naval-desde-a-guerra-das-malvinas.shtml

    Para Andrew Lambert, citado no artigo da Kontrainfo, a “sociedade aberta” é entendida como uma sociedade que deve ser submetida a influências externas, ou à autodestruição, mais ou menos da mesma forma que os ingleses “abriram” a China no século 19 para se impor. o livre comércio de ópio. As potências marítimas favorecem a existência de uma sociedade aberta pelas mesmas razões que favoreciam a abertura dos mares ou o comércio livre.

 

O porta-aviões Queen Elizabeth. Foto Bem Stanlssal, AFP, 2017


    Assim como os EUA, a Inglaterra está em declínio, e não reconhecem que já não são mais a potência hegemônica do mundo. Ao invés de pensar para si um novo papel no mundo Multipolar que está emergindo, em uma tentativa desesperada, está tentando ser o que já não é mais com suas ações de cunho imperialista. Parece que as duas ex potências seguem o mesmo caminho e que irão morrer abraçadas.

 

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