BREVE ANÁLISE PARA ENTENDER O CONFLITO ISRAELENSE/PALESTINO. Por Mariana Schlickmann e Paulino Cardoso

 

BREVE ANÁLISE PARA ENTENDER O CONFLITO ISRAELENSE/PALESTINO

Por Mariana Schlickmann e Paulino Cardoso

Mundo Multipolar, 17 de maio de 2021

 

Este é um novo artigo do Mundo Multipolar, espaço para discussão e disseminação de informações sobre o tabuleiro geopolítico, o Sul Global e a Nova Ordem Multipolar em consolidação. A intenção da Equipe Editorial do Mundo Multipolar era na análise dessa semana concluir uma espécie de trilogia sobre a Decadência Imperial, neste caso de um Império sem Coroa, mas profundamente oligárquico: os EUA.

Contudo, as pressões da vida em movimento nos fizeram focar no mais importante e decisivo conflito do momento: as agressões israelenses a Faixa de Gaza.

Diferente da mídia coorporativa ocidental totalmente pró-Israel, queremos fornecer informações que permitam a vocês compreenderem as raízes e a natureza do conflito. Por isso, a questão que trazemos aqui é: Como compreender as razões da violência nos territórios ocupados e em Israel?


Para essa mídia, novamente “terroristas do Hamás” atacaram Israel com milhares de foguetes e que o Estado Judeu, apenas se defenderam de mais uma agressão de bárbaros muçulmanos. Mas, como sabemos, a História nunca é única.

Como nos lembra o professor Lejeune Miham, brasileiro de origem a assíria, não se trata de imaginar o conflito como uma guerra, porque na verdade, trata-se de um genocídio cometido por uma potência ocupante, um Estado artificialmente construído pela ONU de forma contrária à sua própria carta de fundação, em 1948. A vítima desse genocídio é o povo palestino, que resiste à uma verdadeira limpeza étnica promovida pelos sionistas israelenses ao longo de décadas. Além disso, o Hamás e as demais forças de resistência palestina não são grupos terroristas, como a própria ONU atesta, apesar da insistência da mídia, de Israel e dos EUA no contrário.


     

Não são todos os judeus que pactuam com a invasão e violência contra os palestinos, quem promove estes ataques são os judeus sionistas. Os sionistas não são do grupo de judeus que historicamente habitavam a região. Eles são uma entidade estrangeira que desde 1948 vem ocupando a Palestina, que viola categoricamente as resoluções da ONU, ignora o direito internacional e cada um dos apontamentos feitos pela comunidade internacional como no caso do regime especial da cidade de Jerusalém, cidade sagrada para muçulmanos, judeus e cristãos, previsto na própria resolução que levou a Partilha da Palestina.

O mapa abaixo nos mostra como ao longo dos anos e com muita violência, Israel vem ocupando de forma absolutamente ilegal territórios palestinos.


       

De acordo com a ONU, Jerusalém é considerada como “Corpus separatum” que é um termo usado para descrever a área correspondente a Jerusalém e seus arredores no Plano das Nações Unidas para a divisão da Palestina em 1947. De acordo com o plano, a área em questão deveria ser colocada sob um regime internacional por causa de seu significado religioso.

Apesar disso, e em desrespeito a ela, Jerusalém foi declarada a capital de Israel, o que foi amplamente repudiado, embora alguns países como os Estados Unidos e seus aliados tenham mudado suas embaixadas de Tel Aviv (sua antiga capital) para Jerusalém. 

    


 

O estopim do novo conflito foi no último dia 07 de maio, dia de Al Quds, que pode ser traduzido como Dia de Jerusalém. O exército de ocupação israelense bloqueou a entrada de palestinos que estavam prestes a entrar na Mesquita Al Aqsa para rezar em celebração a este dia, e iniciou uma onda de violência contra os fiéis que estavam dentro do santuário. 

Imaginem a Basílica de São Pedro, no Vaticano, na Missa do Galo, sendo atacada por não católicos? Ou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, sendo chutada por um insano pastor neopentecostal. Horrível não? Se coloquem no lugar de dois bilhões de muçulmanos assistindo a profanação do terceiro santuário mais sagrado de sua confissão.


            Como nos lembra Veronica Rodriguez, o dia de Al Quds é comemorado todos os anos na última sexta-feira do mês santo do Ramadã, que é o mês em que os muçulmanos ao redor do mundo jejuam durante o dia com o objetivo de louvar a Deus, mas também com o objetivo de compreender o sofrimento daqueles que não podem ter acesso a alimentos e água, como se fosse uma forma de entender a dor dos outros.


Aiatolá Khomeine, líder da Revolução Iraniana de 1979.

   

Desde 1979, por determinação do Aiatolá Khomeine, líder da Revolução Iraniana, este também é o momento para orar pelos milhões de palestinos que perderam suas terras e sofrem com a ocupação ocidental.

Um segundo fato importante, Israel enviou colonos para evacuar o bairro do Sheikh Jarrah, que é um bairro muçulmano localizado nas proximidades do santuário, a leste de Jerusalém.

 Em 1948, ocorreu o que ficou conhecido como a "Nakba", que foi a expulsão de cerca de 750.000 palestinos, forçados a fugir de suas casas para os países vizinhos. Em 1956, 28 famílias (hoje são 38) se estabeleceram no bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, então sob administração Jordaniana. Vale lembrar que naquela época, a Cisjordânia estava sob domínio jordaniano (1951-1967).

O governo jordaniano forneceu o terreno enquanto a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente) cobria o custo de construção de 28 casas para essas famílias. Foi acordado que os residentes pagariam uma taxa simbólica, desde que a propriedade fosse transferida aos residentes em cerca de três anos após a conclusão da obra”. Isto, entretanto, foi interrompido pela ocupação israelense da Cisjordânia, incluindo Jerusalém, em 1967, o que impediu o registro das casas sob os nomes das famílias.

Não por acaso, alguns anos depois, em 1970, uma lei do Estado de Estado de Israel permitiu aos judeus requisitarem casas consideradas de sua propriedade anteriores a 1948.  E ela tem sido o instrumento para os esforços de expulsão das famílias daquela comunidade palestina.

Esta ação de despejo das famílias foi realizada na noite anterior, em 6 de maio, coincidindo com a noite chamada Laylat al Kadr, traduzida como “A noite do decreto”, que é uma noite especial durante o mês do Ramadã em que os muçulmanos passam a noite acordados rezando. Sem respeitar as crenças dos palestinos, o exército de ocupação intentou expulsões massivas e violentas. Talvez se imaginarmos um exército de ocupação invadindo nossas casas para expulsar toda nossa família, dos avós às crianças, em plena noite de Natal, consigamos ter uma dimensão do que isso significou. 



Nessa ação mais de 300 pessoas foram feridas e 10 foram mortas. As forças de resistência palestina pediram o imediato cessar da violência, e o retirar das tropas da mesquita e do bairro, dando um prazo para isso, mas não foram atendidas, e por isso iniciaram um ataque defensivo.

Aqui nós vemos como a mídia coorporativa é tendenciosa. A violência de Israel contra os palestinos começou na quinta à noite e desde o início foi divulgada nas redes sociais. Porém, só a partir de domingo quando expirou o tempo dado pelos movimentos de resistência a Israel para retirar suas tropas do Al Aqsa, que a notícia se tornou viral na grande mídia.




O ataque defensivo das forças da resistência palestina teve uma grande novidade, que foram os mísseis Qassan de fabricação caseira que foram capazes de atingir Tel Aviv, a duzentos e trinta quilômetros ao norte de Gaza.

 Do ponto de vista militar, Israel perdeu prestígio internacional na medida em que o todo poderoso Iron Dome, o sistema de defesa antiaérea israelenses que já havia falhado ao não interceptar um míssil de fabricação iraniana liberado da Síria, também não se mostrou eficiente para eliminar todas as barragens de mísseis caseiros da resistência palestinas liberados a partir da faixa de Gaza. Estes mísseis causaram danos e desespero em cidades e assentamentos na fronteira da Faixa de Gaza e os dois mais importantes aeroportos de Israel.

Em resposta a IDF (Força de Defesa de Israel na sua sigla em inglês), passou a bombardear a Faixa de Gaza priorizando objetivos civis, como duas torres residenciais (uma de treze andares), usina de energia elétrica, o prédio do Ministério das Finanças e a torre das empresas de comunicação. Ou seja, a infraestrutura civil, o que configura crime de guerra e que causou mais de uma centena de mortos, 600 feridos, muitos deles crianças.

Nos dados atualizados na tarde de domingo, de acordo com Ministério da Saúde controlado pelo Hamas era de 188 pessoas, incluindo 55 crianças e 33 mulheres, com 1.230 feridos.

De outro lado, cerca de mil e duzentos foguetes causaram a morte de 6 ou 7 israelenses e vários feridos. O que indica a desproporção das forças em luta. Como afirmou um colono judeu, definindo muito bem a desigualdade do conflito: “Se eles resistem com pedras, a única forma de pará-los é com um tiro na cabeça.”

Um terceiro fator importante são os conflitos no interior do território de Israel. Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, tem definido os conflitos entre árabes e judeus em Israel como uma guerra civil, no que foi acompanhado pelo presidente do país.

Mas esta narrativa isenta o Estado sionista de um longo esforço de ataques aos seus cidadãos israelenses de origem palestina, os famosos “Palestinos de 48”. Cansados das agressões das forças de segurança e das falanges de ultradireita, “Palestinos de 48” promoveram importantes mobilizações em diferentes cidades como Jerusalém e Tel Aviv e motins e enfrentamentos com membro da ultradireita sionista.

Em verdade, Netanyahu está desesperado com a possibilidade de ser preso por corrupção, o poderá ocorrer caso não vença a quinta eleição que concorrerá para tentar formar maioria de governo. Israel já passou por quatro eleições seguidas sem chegar a um consenso sobre a governança do país, o mostra a instabilidade política por que passa. A derrota do seu principal parceiro Donald Trump, também é prejudicial, assim como lhe trazem problemas a perda de prestígio de Israel e como consequência, fica cada vez mais difícil de a comunidade internacional continuar fingir que não vê a opressão contra o povo palestino. Por isso, há a possiblidade de que ele tenha decidido provocar os palestinos de forma proposital, para forçar um conflito e os cidadãos israelenses verem nele seu salvador.

Precisamos, nesse momento, verificar como os vizinhos, em especial Egito, Irã e Líbano irão se comportar, e como a comunidade internacional agirá para conter a agressão sob a forma de genocídio do Estado de Israel. O secretário geral do Movimento Hezbollah, Hassan Nasrallah, já declarou que o Líbano está pronto para entrar na luta. Curiosamente, na noite de quinta-feira, dia 13 de maio, três foguetes atingiram áreas desabitadas vindo do Líbano.

Outras forças do Eixo da Resistência, como o Comando dos Guardas Revolucionários Islâmicos do Irã, bem como os Rebeldes Houttis do Yemen, já declararam apoio incondicional ao povo palestino. Talvez a Palestina tenha mais apoio do que o previsto por Israel, que terá que lidar com mais frentes de batalha do que consegue manejar. Será que o tiro saiu pela culatra?

 Finalizando, apesar de este não ser o tema que pretendíamos falar sobre essa semana, no fundo, ele também se encaixa nessa temática de Impérios Decadentes, pois o jogo está virando no Oriente Médio, e Israel está cada vez mais isolado e desesperado.

Nessa história sangrenta, por duas vezes os palestinos se levantaram (Intifada), primeiro em 1987, depois em 2000. Entretanto, hoje os palestinos conseguem dar uma resposta significativa aos ataques que sofrem. Não sabemos se esta será a Terceira Intifada, mas a configuração do momento nos leva a crer que isto é possível. Palestina volta a figurar na agenda internacional e afunda cada vez mais o prestígio de Israel.



Comentários

luis vilmar de castro disse…
Meus cumprimentos pela matéria, saudação aos autores. Estou em pleno acordo com a análise, os autores nos ajudam a compreender e jogam luzes sobre esse tema de tantos significados que a grande mídia repetidamente ofusca a verdade, obrigado.
Com a devida permissão, acrescento apenas dois detalhes;
O primeiro: As origens históricas da Palestina que remonta séculos, inclusive a Bíblia fala sobre a Terra Santa ou Canaã há 2.500 anos A.C., local dos descendentes de Abraão e Noé, sendo que os primeiros a habitarem o local foram os filisteus (nome original dos Palestinos), os povos judeus e israelense (Hebreus), vieram tempos depois, trago esse complemento apenas para mostrar a presença histórica dos palestinos na localidade do conflito atual.
O segundo; Os EUA enviam 4 bilhões por ano para Israel em armamentos militares, com isso mantém o controle geopolítico da região. Israel comporta-se como um satélite dos interesses americanos. Inclusive o jornal The Washington Post de hoje, 17/05, informou que os EUA forneceram 735 milhões em armas guiadas de precisão para Israel e que o acordo foi firmado em 05/05, portanto vários dias antes do Hamas lançar os primeiros foguetes. Isso demonstra claramente a parceria entre os EUA e Israel nas atividades criminosas contra o povo palestino. Interessa aos EUA eliminar a resistência palestina para com isso exercer sua influência sem obstáculos na região.
Luis Vilmar de Castro

Obrigada pelo comentário e pelas informações Luis Vilmar de Castro!!