Andrew Korybko. Rússia deve discutir as questões globais sem o Ocidente. Dossier Sul/OneWorld, 25/02/2021

 

Por Andrew Korybko

A resposta russa a Munique

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, fez excelentes comentários ao criticar a Conferência de Segurança de Munique da semana passada. Como informou a TASS, sua relevante declaração sobre o tema é a seguinte:

“Considerando que a agenda anunciada tinha itens globais como ‘Prioridades para Ação Global’, ‘Combater a Pandemia’ e ‘Enfrentar a Crise Climática’, a lista de participantes é, no mínimo, intrigante. Essencialmente, os problemas enfrentados por toda a humanidade estão planejados para serem discutidos em um formato muito restrito. Os organizadores convidaram a liderança dos EUA e da UE, assim como o secretário geral da ONU e o diretor geral da OMS a participarem da discussão. Não houve menção de convidar outros países, incluindo a Rússia e a China. Pelo contrário, eles foram vistos pelas discussões como ameaças e oponentes que precisam ser combatidos. Mais uma vez somos forçados a notar a tendência dos últimos anos quando nossos parceiros ocidentais procuram resolver questões em um círculo restrito e adiantar decisões com as quais se sentem confortáveis, as quais mais tarde serão impostas a outros membros da comunidade internacional através do prisma da ‘ordem mundial baseada em regras'”.

Tudo o que ela disse merece uma reflexão séria, mas já é hora de a Rússia finalmente combater o fogo com fogo, se está falando sério sobre conter os EUA, como sugeriu recentemente o Vice-Ministro das Relações Exteriores Ryabkov.

A Relevância Global dos “RIC’s”

A Rússia deve discutir questões globais sem o Ocidente se este não quiser cooperar com o país para atender a estas preocupações coletivas. Moscou não deve ser deixada de fora dos processos construtivos globais só porque não foi convidada por seus rivais a oferecer sua visão para resolvê-los. A Organização para Cooperação de Xangai (SCO, em inglês) é a plataforma perfeita para a Rússia trabalhar em conjunto com seus parceiros mais próximos para este fim, particularmente a China e a Índia através do formato “RIC”. Não importa o que os representantes ocidentais possam dizer, seus estrategistas seriam forçados a prestar atenção se essas três Grandes Potências chegassem a acordos sobre tópicos globalmente relevantes, como a pandemia da COVID-19 e a mudança climática. Mesmo se eles tentassem ignorar este resultado potencialmente mutável por tanto tempo quanto possível, o resto da comunidade internacional que é composta principalmente por nações do Sul Global provavelmente os ignoraria em vez disso, caso os países dos RIC apresentassem soluções viáveis para tratar destas questões.

O ‘Timing’ perfeito

O acordo surpreendente de desengajamento sincronizado deste mês entre a China e a Índia ao longo da vasta Linha de Controle Real (LAC) entre os dois reduzirá grandemente as tensões bilaterais, permitindo-lhes assim trabalhar para restaurar suas relações anteriormente estratégicas, talvez também com o apoio tácito da Rússia. Além disso, a visita bem-sucedida do Ministro das Relações Exteriores indiano Shringla a Moscou na semana passada remendou seus desacordos inesperados durante os últimos meses, depois que muitos indianos reagiram exageradamente às críticas do Ministro das Relações Exteriores russo Lavrov às crescentes influências anti-chinesas dos EUA sobre seu país em dezembro. O cenário está agora pronto para um renascimento dos RIC, e embora algumas questões sensíveis entre eles possam permanecer sem solução, tais como a recusa da Índia em participar da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR ou BRI) da China, estas três Grandes Potências poderiam restaurar a boa vontade trilateral entre eles através de soluções criativas pioneiras para a pandemia da COVID-19 e a mudança climática como um primeiro passo.
Revertendo a Dinâmica Estratégica

Atualmente, a dinâmica estratégica é tal que a Rússia se sente compelida a responder ao Ocidente sempre que é deixada de fora do que idealmente deveriam ser processos que incluíssem todos, tais como as discussões da Conferência de Segurança de Munique sobre questões globais. A Rússia deve reverter essas dinâmicas a todo custo. Em vez de ter de responder ao Ocidente, o Ocidente deve ser obrigado a responder à Rússia, mas isso só pode acontecer se Moscou tiver sucesso em ressuscitar os RIC de uma maneira que o possa imbuir de significado global, como se este formato propusesse soluções criativas para as mesmas questões globais que o Ocidente quer resolver sem nenhuma dessas três Grandes Potências. No final das contas, Oriente e Ocidente terão que trabalhar juntos a fim de garantir que essas preocupações prementes sejam tratadas adequadamente, mas a única maneira de isso acontecer é se o Ocidente parar de tentar isolar o Oriente. Isso não mudará até que o Oriente liderado pelos RIC assuma coletivamente a liderança e obrigue o Ocidente a segui-los.

Conclusões

As críticas de Zakharova sobre a Conferência de Segurança de Munique na semana passada foram pontuais, mas já é hora de a Rússia ir além da retórica e em direção a respostas tangíveis em reação aos inúmeros ressentimentos do Ocidente. A Grande Potência Euroasiática tem a capacidade diplomática de reviver o formato RIC, considerando os acontecimentos positivos ocorridos recentemente neste triângulo, e deve cuidar para que estes três países assumam a liderança na orientação do resto do Sul Global. No momento, o Ocidente acredita que pode obrigar o Oriente a reagir a suas propostas, mas esta dinâmica estratégica deve ser revertida, caso contrário, nunca poderá haver uma verdadeira cooperação igualitária entre todos. Sem esse resultado, essas questões globais urgentes nunca serão adequadamente abordadas, o que, por sua vez, resulta em prejuízo coletivo. Como o Ocidente não modificará seus modos por si só, cabe ao Oriente liderado pelo RIC incentivá-los a fazê-lo, assumindo, ao invés disso, a liderança.

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Andrew Korybko é Analista político norte-americano radicado na Rússia. Especialista no relacionamento entre a estratégia dos EUA na Afro-Eurásia; a visão global da conectividade da Nova Rota da Seda e em Guerra Híbrida

Originalmente em Oneworld.press

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