O FIM DO ARCO IRÍS E A NOSSA SENTENÇA DE MORTE: A BRANQUINTUDE COMO DESAFIO DA LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO





                                                                                   Paulino de Jesus F Cardoso[1]

                                                                                   Cristiane Mare da Silva[2]

 

 Em algum momento, precisamos discutir em que medida uma parte do campo antirracista, institucionalizado na forma de entidades não governamentais, movimentos sociais, membros de governo, participantes de espaços de controle social, direções partidárias, na sua ânsia de manter-se em evidência, controlar recursos públicos ou da filantropia internacional, não compõem voluntária ou involuntariamente, o campo da hegemonia branca, seja ela na versão crítica ou acrítica.. . 2017            

Nelson Mandela e Luís Inácio Lula da Silva, estadistas e heróis do nosso tempo, tem em comum o fato de terem lutado para enfrentar um oceano de desigualdades que separavam as populações do Brasil e África do Sul. Eles nos enredaram em um sonho democrático que pode ser traduzido como a construção de uma sociedade arco-íris, diversa culturalmente, que reconhece sua divida com o passado, mas que estava comprometida com a mudança em direção a vida republicana e democrática, de oportunidade para todos e todas. Entretanto, passado o tempo, as dificuldades estruturais e políticas tem sabotado , e talvez possam decretar o fim daquela perspectiva de futuro.

Portanto, neste texto, buscamos refletir acerca dos desafios da luta pela cidadania na conjuntura política brasileira atual, marcada, especialmente pela demolição e corrupção das instituições democráticas e instalação de um Estado de Exceção, apoiado por parte expressiva das classes médias e altas desse país. Em nosso entendimento, tal situação evidencia os limites de um projeto de nação que não realizou o enfrentamento da herança colonial.

De fato, a Branquitude acrítica e crítica[3], enquanto percepção prática de poder que confere privilégios, status, prestígio e poder aos descendentes de colonos europeus, autodenominados brancos, que recusam a democracia. Este artigo faz um breve contexto de como uma leitura atenta aos problemas atuais do Brasil, não deveria ocultar a enorme insatisfação material, social e principalmente psicológica dos brancos brasileiros, que não aceitaram um projeto de país, em que as desigualdades raciais, passassem a ser reconhecidas, não mais como mero preconceito de cor, porém como estruturantes para a manutenção de privilégios de brancos sobre as demais  populações.

No movimento dos paneleiros, uns movidos pela aparente perda de prestigio social, outros pelo crescimento da participação política de populações vulneráveis que se converteu em acesso a bens e serviços jamais visto na história deste país. Ao lado deles, as intuições de Estado que deveriam defender a Democracia, Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, repletos de concurseiros, brancos, de classe média e conservadores, se voltaram contra aquelas condições que nos últimos anos garantiram o Estado de Bem Estar Social em nosso país. Temos um inimigo insidioso e perverso: a classe média branca brasileira: servil, racista e colonizada[4].

Alguém um dia afirmou: O Brasil saiu do mapa da fome.[5] Mas a classe média não se importa. Pois ela não sabe o que é Brasil, no sentido que seu sonho é ter um apartamento mequetrefe em Miami, EUA, não sabe o que é mapa e nunca passou fome. A classe Média não pensa em direitos, associada ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana, alma da comunidade política ocidental, mas almeja privilégios. Logo, todas as propagandas de produtos para ela carregam a marca do exclusivo, do prime, do gourmet[6].

A classe média brasileira, que saiu às ruas em defesa do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, manifestava-se livremente e coerentemente pela defesa de um Estado de Exceção. Afinal, para ela cidadania não faz nem um sentido. Ela precisa de gasolina barata, suvis e dólar a valores acessíveis para viajar aos Estados Unidos e Europa, retornando carregados de quinquilharias e engenhocas tecnológicas produzidas na China e outros países asiáticos para onde migraram as empresas dos países centrais. Em uma palavra, a Classe Média brasileira troca tranquilamente sua cidadania pelo privilégio de consumir[7]!

 O que significou ser branco nessa partilha?[8]. Pois no momento em que as populações brancas tiveram suas vantagens sociais descortinadas, ao compreender que seus  currículos nas universidades, escolas, secretaria de educação poderiam ser interrogados, ao perceber que suas vagas nos concursos públicos seriam equiparadas e seus corpos e mitos de universalidade podem ser questionados a qualquer momento, desencadeamos uma tensão ainda maior nas relações raciais do país.

Desse modo, na conjuntura do Brasil, em quase 500 anos, data referente à chegada dos portugueses em terras indígenas, fomos governados por uma elite escravocrata, e foi o trabalho e produção da escravidão que permitiu o desenvolvimento do sistema capitalista no país e no Ocidente,  a abolição da escravatura, estruturou uma hierarquia de raças de tal modo, que foi possível manter uma estrutura escravocrata e a reprodução de escravizados, sem a chamada escravidão como modelo econômico e para tanto foi e é fundamental a manutenção dos privilégios da branquitude e o eurocentrismo como modelo de mundo, independente da classe e gênero, todas e todos compreendemos os privilégios de ser branco e branca no Brasil, basta olharmos por exemplo, para nossos partidos progressistas e na divisão racial/gênero no mercado de  trabalho.

A grosso modo, podemos comparar os contextos históricos de Brasil e África do Sul, ao sair da prisão de Victor Verster em 1990, Mandela se deparou com um ambiente de ressentimentos, pobreza e de extrema desigualdade. Situações que não eram novas, mas consequências das relações  raciais, primeiro pela escravidão e servidão por cerca de 250 anos, em seguida, pela burocracia e negação de direitos por cerca de um século. Os sul africanos, desde 1948, compartilharam uma constituição organizada por políticas raciais, que não conferia direitos a população negra, unindo a isso a violência nos bairros destinados aos negros, que aumentou durante a década de 1990. De acordo aos estudos de Ana Lúcia Pereira[9], com esta transição houve um aumento nos índices de criminalidade, ilustrando a complexidade  do país e uma atmosfera, cuja instabilidade, Mandela absorveria em seus anos de governo[10].

Através de leituras de Fannon, podemos ampliar a compreensão do substrato psíquico mental, na condição dessas hierarquias racistas e coloniais,“O problema é muito importante. Pretendemos, nada mais, nada menos, liberar o homem de cor de si próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois campos: o branco e o negro. Tenazmente, questionaremos as duas metafísicas e veremos que elas são frequentemente muito destrutivas (FANNON, 2008, P.26)

Essa relação apontada por Fannon, expressa o quanto se tornou destrutiva, para ambos grupos, projetar  uma ontologia racial, pois a raça não é só o que se pode ver, é também e principalmente tudo o que está imerso no subterrâneo de nossos corpos e sentimentos, impregnada nas entranhas e no profundo sentido de existência de populações envolvidas nestes traumas. Richard Stengel, ao descrever como Mandela compreendeu essa carga de condicionamento moral e emocional sobre o racismo exclama, “Precisava que os brancos aceitassem a democracia  e a ideia de uma nação multiforme, não apenas intelectual, mas também emocionalmente” (STENGEL, 2010, P.137)

Recordando que esta contenção das populações brancas, foi possível durante um período específico na África do Sul, e que passado duas décadas dessa transição, também vivem conflitos, já que as terras e os recursos naturais não passaram por reformas e seguem nas mãos das populações brancas do país. Referente ao Brasil, não conseguimos desenvolver nos brancos brasileiros esse elo emocional na crença que a ilustração e estatísticas seriam suficientes, em toda análise de conjunta da esquerda é bastante comum, a culpabilização principalmente daqueles que conquistaram seu grão de humanidade, porém não reeducamos emocionalmente as populações brancas, para que a mesma não se sentisse traída ao ver espaços exclusivos serem compartilhados. Talvez, porque uma reeducação da população branca brasileira nos conduzira a um novo modelo de sociedade, pois no cerne do pensamento ocidental, a distribuição de renda é vista como uma perda de prestígio, uma violação do que antes era apenas para si, nas reflexões permitidas através das leituras de Fannon, como avançar, se a organização mental e social destes sujeitos se desenvolvem a partir da hierarquia, e de uma identidade de negação.

Desse modo, é preciso fugir de premissas raciais vigentes desde o fim do século XIX, quando o ocidente ao hierarquizar as raças, também impele aos mais diferentes grupos raciais, os trabalhos e atividades que deverá ser empenhado por um e por outro. Em contornos a nossa sociedade patriarcal que tampouco vê com bons olhos, a mulher nestes espaços de prestígio e visibilidade. Ao denunciamos os privilégios de branquitude e a divisão racial e sexual do trabalho, (lembrando que a população negra ocupa os piores índices nessa divisão), portanto, ao fazer o recorte de gênero e ao compararmos mulheres negras com as mulheres brancas, evidenciamos o lugar de privilégio de homens e mulheres brancas neste país e na diáspora, dos quais participam de todo espaço que configure  status, prestígio e poder.

No Seminário Nacional de Avaliação da Marcha de Mulheres Negras Contra o Racismo, Sexismo e pelo Bem Viver Brasília, 2015), ao realizar uma leitura da conjuntura política  Janete Pietá afirmou: ter modelos democráticos não significa mudar o sistema cultural e hegemônico em que vivemos, não basta fazermos parte do sistema é preciso a transformação, caso contrário mesmo em governos democráticos, o que temos são as chamadas democracias representativas[11].

Nestas tensas disputas, emerge o poder avassalador dos Meios de Comunicação monopolistas. Apenas seis famílias controlam radio, canais de televisão, jornais e revistas impressas e on-line, portais de internet, tornadas instrumentos de ação política na defesa de seus interesses[12].

Aliado a isto, temos o mais conservador Congresso Nacional da nossa jovem democracia, dominado por parlamentares milionários, comprometidos com lobbies de todo tipo e conhecidos pela associação a Bancada BBB: do Boi, da Bala e da Bíblia que pretendem nos devolver a Idade Média europeia [13].

            Por sinal, voltando aos privilégios, enquanto o trabalhador compromete 53% da sua renda com pagamentos de impostos, os brasileiros que recebem acima de R$04 milhões por ano, apenas 35% de sua renda é tributável. O que faz do Brasil o paraíso dos super-ricos segunda a insuspeita ONU[14], já que não é possível acusa-la de ser petista. Nosso país concede auxílio moradia para juízes e membros do Ministério Publico, mesmo morando na cidade onde trabalham, que produzirá um rombo bilionário nas contas públicas, além de um reajuste salarial de até 78% para os servidores do Judiciário, negociado pelo presidente do Supremo Tribunal, diretamente com Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados,  que implicará em despesas estimadas em quatro bilhões de reais.

Em verdade, eles, principalmente com a PEC 241, projeto de emenda constitucional que congelou por vinte anos as despesas como saúde, educação e previdência, atacam a ideia de Estado Social presente na Constituição Federal de 1988. Um Estado onde liberdade e igualdade não se perde na letra fria da lei, mas se configura em um projeto onde brasileiros e brasileiras, organizados em comunidade política, são convidados engajar-se, essa construção  está na base das políticas de ação afirmativa.[15]

Hoje, sabemos que os esforços institucionais da Presidenta da República Dilma Rousseff para superar a crise política e governar, articulados desde sua reeleição em 2014, em um cenário econômico e geopolítico internacional nada favorável, não deram certo, por muitos fatores. Entre eles, os próprios valores democráticos de Dilma Roussef, comprometida com um projeto nacional de desenvolvimento com inclusão social, por não haver vislumbrado a amplitude da conspiração que se avizinhava, e do peso de atores externos, no qual os atentados como o ocorrido em França em 2015, são apenas uma parte de uma história que envolve os esforços ocidentais, capitaneados pelos EUA de dominação de espectro global, em um mundo multipolar. Parênteses: vivemos a sombra da terceira Guerra Mundial, que se opera em diferentes teatros, sul da China, Leste da Europa , Turquia, Irã, Síria, Iemen, tendo como foco o controle da Eurásia, onde estão 60% da riqueza mundial. Daí a importância de organismos multipolares, Organização Mundial de Comércio, o Mercosul, CELAC e, fundamentalmente o BRICS. Nestes vastos campos de lutas, a Síria emerge como a nossa nova Saraievo, nela joga-se o jogo dos tronos, semeando morte e sofrimento em toda parte. Praticamente expulsos da Turquia, derrotados na Ucrania e sem saída no Iraque, Afeganistão, com a Europa enfraquecida e em dissolução, resta aos estadunidenses o seu velho quintal, conhecido pelo bordão, a América para os americanos, semeando golpes de Estado (Honduras, Paraguai e Brasil) e bases militares, duas somente na área do aquífero guarani.

No balanço da última década percebemos a emergência um novo ciclo da luta por igualdade em nosso país e, consequentemente, o fim da agenda democrática que se configurou no término da Ditadura Militar, e que, de algum modo serviu de referência para as lutas democráticas nos últimos trintas anos. A partir de 2003, com a posse de Luis Inácio Lula da Silva, presidente da República, diferentes movimentos sociais intensificaram a luta institucional para efetivação dos princípios democráticos previstos na Constituição Federal de 1988.

Entre 2003 e 2014, ao contrário dos anos 1970, não esperamos o bolo da economia crescer para depois distribui-lo. Nós mudamos este paradigma. Ao longo dos últimos anos, sobre a batuta da sociedade civil organizada, em diálogo com um novo quadro político-partidário, produzimos uma revolução democrática em nosso país.

Estávamos substituindo o antigo projeto neoliberal, baseado na redução do papel do Estado, na liberalização dos mercados, na precarização das condições de trabalho e desarticulação da sociedade civil; por uma nova proposta para o país consagrado na fórmula crescimento econômico, combinado com enfrentamento da pobreza e combate às desigualdades[16].

No campo antirracista elaboramos uma pauta multiculturalista que deixou nu os mecanismos que reproduzem a dominação branca em nosso país, ao mesmo tempo em que pautas importantes para agenda feminista, passaram a ser vistas como norteadores de agendas políticas. Desse modo, ações universalistas articuladas a definição de políticas de combate às desigualdades raciais e de gênero, tiveram o mérito de evidenciar o racismo e as desigualdades de gênero como estruturante para a manutenção das desigualdades  no país.

Do ponto de vista institucional, a legitimidade das políticas de ação afirmativas foi reconhecida pelo Executivo, Judiciário e Legislativo. O Brasil tornou-se signatário de diferentes convenções internacionais, entre eles a Declaração e Plano de Ação da III Conferência Internacional Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, em Durban, África do Sul.

Nos sistemas de ensino, em especial, no Governo Federal, em tese, construímos um arcabouço jurídico e administrativo, jamais visto, focado no combate às desigualdades raciais na Educação. Leis Federais 10.639/03, 11.645/08, regulamentadas pelas Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena, estabeleceram as regras por meio das quais se pretende enfrentar o racismo e promover o respeito a diversidade cultural no cotidiano escolar. O que falta, o aprimoramento dos mecanismos de fiscalização do cumprimento das normas. E nesse sentido, uma reorientação do papel do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)  é fundamental. Enquanto os colonos brancos continuarem ditando o ritmo das mudanças a Educação brasileira não avançará em direção a igualdade.

Em relação a formação inicial, hoje sabemos, só isto não basta. Mas do que políticas de ação afirmativa para o acesso, precisamos levar em consideração a permanência e o sucesso de nossos egressos. E isto significa pensar não só as Instituições Federais Ensino Superior (IFES), mas igualmente instituições públicas, privadas e comunitárias. E isto também precede uma mudança de paradigma.

O que estava em questão até o Golpe de Estado[17] a necessidade de aprofundar, as políticas de modo a definir metas e cronogramas. Nós aprovamos cotas no serviço público federal, mas vemos nossas instituições de ensino superior burlar de forma assustadora as condições para efetivação da presença negra na docência universitária.

Igualmente, precisamos enfrentar as dificuldades para ampliar as oportunidades de acesso aos estudos pós-graduados em nossas instituições. E isso não será possível sem um dialogo, nem sempre fraterno com a SESU/MEC, CAPES e CNPq, para serem criadas diretrizes que estimulem os programas de pós-graduação no país , primeiramente, mas não só, reservarem vagas para estudantes negros e negras. Em workshop realizado no final de 2013, indicamos a CAPES, a possibilidade de oferecimento de bolsas adicionais para estudantes afro-brasileiros, assim como, a adoção do quesito cor nos seus instrumentos de coleta de informação. Neste sentido, depois de uma imensa pressão do Ministério da Educação , a Fundação CAPES criou  o Grupo de Trabalho de Inclusão Social no segundo semestre de 2015, que após apresentar seus relatório final, teve sua vigência prorrogada, e na eminência do Golpe, uma portaria do Ministro da Educação, concedeu noventa dias para as instituições federais de ensino superior apresentarem propostas de ações afirmativas no âmbito do acesso a pós-graduação. Ação que indicou os limites do diálogo institucional com a esquerda branca: eles pensam em um governo para nós e não conosco.

Falando sobre a CAPES e CNPq, já indicamos a estas instituições a brutal sub-representação de negros e negras nos programas de mobilidade acadêmica como o Ciência Sem Fronteira. Colegas das HBCUS, nos informaram em 2013, que das cinco centenas de estudantes participantes do programa, acolhidos nas instituições negras participantes, apenas cinco eram fenotipicamente negros. Para nós, constituirá um avanço significativo nesta direção a implementação do programa Abdias Nascimento de Mobilidade Estudantil.

De outro lado, acertaram aqueles que optaram pelo caminho da judicialização da luta antirracista no espaço escolar. Passados doze anos da publicação da Lei Federal 10.639/03, muito ainda precisa ser feito. Aprendemos a duras penas que nos esfalfarmos nas estradas buscando oferecer o máximo de formação continuada aos docentes da educação básica, não significou uma ampliação do oferecimento de conteúdo previstos. Em pesquisa recente onde avaliamos cinco anos de atividades do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (NEAB-UDESC) desde a sansão daquela norma legal pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, percebemos que escolas atendidas e não atendidas, embora demonstrassem conhecimento da existência da Lei, poucas significaram inclusão da temática no projetos político-pedagógicos, nos planos de ensinos, nas atividades desenvolvidas em sala de aula e em aquisição de material didático para as bibliotecas escolares. 

            Nossas experiências exitosas, quanto a perenidade e alcance das ações, ocorrem quando contribuímos para organização e consolidação de programas municipais de diversidade étnica na educação. Ao invés de formação ou oficinas para estudantes do ensino fundamental, que são eventos que logo se perdem no tempo, temos uma ação institucional, cujo, o foco central são os gestores públicos que organizam programas em três eixos: capacitação (gestores, multiplicadores e docentes), aquisição e produção de material didático, estudos e pesquisas (acesso, permanência e sucesso de estudantes afros) e fortalecimento institucional (criação de diretrizes municipais de educação para as relações étnico-raciais pelo conselho municipal de educação, aprovação no programa por decreto ou lei municipal, definição do cargo de gestor do programa, estabelecimento de rubricas na Lei Orçamentária Municipal Anual e no Programa de Ações Articuladas, inclusão nos exames de conhecimentos para admissão de professores.

Não se trata apenas de desconhecimento de materiais pedagógicos ou experiências exitosas[18], mas de um racismo institucional presente em todos os sistemas de ensino que tornam as escola instrumentos de colonização mental e de reprodução de hierarquias sociais que mantém a população não branca brasileira na condição de trabalhadores dependentes desde o século XVI.

Como vem nos alertando Hannah Arendt, o racismo e outras mazelas não são frutos da insanidade ou monstruosidades de um ou outro sujeito, mas é inerente a configuração da própria modernidade ocidental, ao exilar metade da humanidade das suas condições de existência, jogar a outra dentro de suas próprias cabeças e banir a experiência como base para o conhecimento e a verdade [19].

Durante os últimos trinta anos acreditamos no caminho propostos pelos canais democráticos, organizamos a sociedade civil, campanhas de esclarecimento, luta institucional em diferentes esferas, participamos dos mais diferentes partidos políticos, conseguimos assim enfrentar o mito da democracia racial brasileira.

Entretanto, para nosso desespero, nunca nos encarceraram tanto, nunca nos mataram tanto.[20] Certamente, dados das agências de saúde devem indicar o brutal impacto do sofrimento psíquico associado ao racismo na degradação de nossa saúde mental. Por último, a avalanche conservadora e fascista, capitaneada pelo fundamentalismo cristão ameaça destruir tudo o que construímos de liberdades nas últimas décadas.

Em nossa opinião, nós chegamos ao limite daquilo que os descendentes de colonos europeus, autodenominados brancos, estão dispostos a negociar. Sejam eles de esquerda ou de direita, sejam conservadores ou progressistas, eles controlam os mecanismos de legitimação democrática e grande parte de nós, de nossas organizações do movimento social, foram reduzidos a organizações não governamentais, que terceirizam aquilo que o Estado não considera prioritário.

A devastação promovida por Temer e demais golpistas são ações de curto prazo, mas de alcance estratégico e alto poder de destruição. Seguem o receituário liberal e colonialista não governamentais de redução do papel do Estado, precarização das condições de trabalho e inserção subordinada do país no mundo, na condição de mero vendedor de produtos primários. Por toda parte as garras dos abutres do Mercado Financeiro, os únicos a ganhar com essa política de juros altos e austeridade fiscal.

Entretanto, aquilo que deveria nos paralisar, seguindo a doutrina do choque e pavor, deve ser visto como uma oportunidade de, a partir de uma autocrítica profunda do Movimento Negro e suas relações com a esquerda branca, iniciarmos uma virada histórica na luta antirracista de nosso país. Em algum momento, precisamos discutir em que medida uma parte do campo antirracista, institucionalizado na forma de entidades não governamentais, movimentos sociais, membros de governo, participantes de espaços de controle social, direções partidárias, na sua ânsia de manter-se em evidência, controlar recursos públicos ou da filantropia internacional, não compõem voluntária ou involuntariamente, o campo da hegemonia branca, seja ela na versão crítica ou acrítica.

Ou seja, temos a possibilidade de nos construir como um movimento de massa, se formos capazes de construir redes de apoio mútuo que forneça o mínimo de assistência aos milhões de negros e negras que serão jogados na miséria, sem a rede de proteção social dos Governos Lula/Dilma. Temos que cuidar da educação política, segurança alimentar, assistência jurídica, sistema de cadastro de emprego, além de apoio a autoconstrução.[21]

Da mesma forma que as igrejas evangélicas, inclusive, a estratégia de M.L. King,  temos que fazer a população negra acreditar que são violentados como negros pela minoritária população branca do país , o engajamento na luta antirracista é que dará sentido as suas vidas e uma possibilidade de melhoria da sua qualidade de vida, precisamos nos preparar para proteger minimamente nossa população e direcionar suas tomada de consciência , sua raiva e frustração para o enfrentamento da branquitude enquanto prática de poder colonial que permite a nossa perpetuação como dependentes, de quem se explora o trabalho, a obediência e o sexo. Precisamos romper com nossa relação subordinada com os colonos autodenominados brancos. Dito de outro modo, deixar de acreditar que a nossa dignidade como pessoas humana depende do reconhecimento dos brancos.

É tempo de voltar a tática em que as entidades do Movimento, os jovens militantes disputavam entre si  quem era capaz de construir núcleos de base. Com a vantagem que hoje possuímos uma classe média negra em condições de contribuir com trabalho, conhecimento e dinheiro. Nós negros temos uma renda de um trilhão e duzentos bilhões de reais, temos que ser capazes de captar parte disso para a luta antirracista.

É necessário  deixar de acreditar nas instituições da política institucionalizada por brancos, mas usá-las para os nossos fins e nos prepararmos para uma nova etapa de transformações. Em breve a esquerda branca voltará ao Governo, mas essa esquerda tão bem representada por Dilma Rousseff não nos interessa. Afinal, foi um Governo para nós mas não conosco!

Não temos de exigir espaço, nós temos que ser os protagonistas da nossa própria história, articulando toda as redes a partir de suas capacidades em um movimento que busque a transformação radical da sociedade. É isso que temos a aprender com a Revolução Haitiana, a Luta contra o Apartheid ,  também o MST e MTST e a luta das mulheres negras.

 

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[1] Professor doutor em história social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.  Professor associado pela Universidade do Estado de Santa Catarina e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros.

[2] Doutoranda em História Social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisadora associada do Neab/Udesc e Cecafro da PUC/SP. Bolsista da Capes.

[3]Sobre a definição de branquitude, o pesquisador Lourenço Cardoso afirma: A branquitude é um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais palpáveis que colaboram para construção social e reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e racismo (CARDOSO,2010, P.611) Ainda sobre a branquitude, podemos defini-la como crítica e acrítica, no sentido que ela : . A branquitude crítica refere-se ao indivíduo ou grupo branco que desaprovam publicamente o racismo. Enquanto quea branquitude acrítica refere-se a branquitude individual ou coletiva que sustenta o argumento em prol da superioridade racial branca.

[4]  Empresa Brasileira de Comunicação “ Manifestnte anti-governo são  brancos e de alta renda. http://www.ebc.com.br/noticias/2015/08/pesquisas-revelam-retrato-social-e-racial-de-manifestantes. Acessado 12.02.2017. hora 14:22

[6] Ver Taylor, Charles El multiculturalismo critico e las politicas del reconocimento. Cidade de México, DF, Fondo de Cultura Economica. s/d.

[8] Ver Melissa Steyn: Novos Matizes da “branquidade” a identidade branca numa África do Sul multicultural e democrática. In: WARE Vron. BRANQUIDADE Identidade Branca e multiculturalismo Rio de Janeiro: Gramond universitária, 2004.

[9] Vale lembrar que os grupos de extrema direita continuaram promovendo atentados contra os negros e suas lideranças e que houve um aumento na criminalidade, decorrente da grande concentração da população negra, pobre e desempregada nas favelas erguidas nos principais centros urbanos (PEREIRA, 2012, P.2)

[10] Ver Cristiane Mare da Silva, A Poética da Esperança Sentidos Políticos nas Memórias de Nelson Mandela. São Paulo: PUC/SP, 2016

[11] Anotações do Seminário Nacional de Avaliação da Marcha de Mulheres Negras (2015), ocorrida no Rio de Janeiro, RJ, no dia 10 de dezembro de 2016, da qual participou Cristiane Mare da Silva como coordenadora do Comitê Impulsor de Santa Catarina .

[12] Para aprofundar a discussão ver Ana Rita Marini O monopólio da mída atrasou o movimento da sociedade. http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=24609 Acessado 12.02.2017. hora 15:02

[13] Congresso em Foco. A face e os números do novo parlamento. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/a-face-e-os-numeros-do-novo-congresso/. Acessado 12.2.2017. 15:07

[14] Nações Unidas no Brasil. Brasil é o paraíso tributário para os super-ricos. https://nacoesunidas.org/brasil-e-paraiso-tributario-para-super-ricos-diz-estudo-de-centro-da-onu/ Acessado 12.02.2017. Hora 15:10

[15] GOMES, Joaquim Barbosa & SILVA, Fernanda Duarte. As ações afirmativas e os processos de igualdade efetiva. Serie Cardenos do CEJ nº24. http://sites.multiweb.ufsm.br/afirme/docs/Artigos/var02.pdf Acessado em 12.02.2017. Hora 17:00

[16] SADER, Emir (Org). Lula e Dilma: 10 anos de governos pós-neoliberais ni Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013.

[17] Entendemos que o processo que levou ao afastamento da presidenta da República, Dilma Rousseff, embora edulcorada das regras formais, trata-se de uma movimento de parte significativa das elites brasileiras, apoiada por uma classe média escravocrata, que procurou colocar um freio aos avanços sociais dos governos democráticos e populares  e, no caso do Congresso Nacional, colocar um freio nas investigações da Operação Lava Jato, capitaneada pelo Juiz Sergio Moro de Curitiba, capital paranaense.  Mais informações LEITE, Paulo Moreira. A outra história da Lava Jato. São Paulo: Editora Geração, 2016; SANTOS, Boaventura Souza e outros. Porque gritamos golpe. São Paulo: Boitempo, 2016. Recomendamos ainda a série de artigos intitulado Xadrez do Golpe, de lavra do jornalista Luiz Nassif.  http://jornalggn.com.br/mutirao/o-xadrez-do-golpe-0

[18] Thais Regina de Carvalho, evidenciou em sua pesquisa , que a branquidade é um impeditivo para a lei 10.639 na cidade de Florianópolis “podemos afirmar que a branquidade atua nas políticas públicas no sentido de que tudo que não atende à norma branca implícita é tido e considerado como exótico” (CARVALHO, 2013, P.43)

[19] ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense Universitária, 1998.

[20] MAGER, Mairim Trindade. A cor da violência perpetrada pelo sistema punitivo brasileiro: genocídio em ato?. http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/1987 Acessado 12.02.20177. horas 18:30

[21]  Portal Terra Brasil . Brasil terá 3,6 milhões de novos pobres. https://noticias.terra.com.br/brasil/brasil-tera-ate-36-milhoes-de-novos-pobres-em-2017-afirma-banco-mundial,b75bab7a064335e99ba715d8e559c4dacht76q2c.html


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