O FIM DO ARCO IRÍS E A NOSSA SENTENÇA DE MORTE: A BRANQUINTUDE COMO DESAFIO DA LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Paulino de Jesus F Cardoso[1]
Cristiane
Mare da Silva[2]
Em algum momento, precisamos discutir em que medida
uma parte do campo antirracista, institucionalizado na forma de entidades não
governamentais, movimentos sociais, membros de governo, participantes de
espaços de controle social, direções partidárias, na sua ânsia de manter-se em
evidência, controlar recursos públicos ou da filantropia internacional, não
compõem voluntária ou involuntariamente, o campo da hegemonia branca, seja ela
na versão crítica ou acrítica.. . 2017
Nelson
Mandela e Luís Inácio Lula da Silva, estadistas e heróis do nosso tempo, tem em
comum o fato de terem lutado para enfrentar um oceano de desigualdades que
separavam as populações do Brasil e África do Sul. Eles nos enredaram em um
sonho democrático que pode ser traduzido como a construção de uma sociedade arco-íris,
diversa culturalmente, que reconhece sua divida com o passado, mas que estava
comprometida com a mudança em direção a vida republicana e democrática, de
oportunidade para todos e todas. Entretanto, passado o tempo, as dificuldades
estruturais e políticas tem sabotado , e talvez possam decretar o fim daquela
perspectiva de futuro.
Portanto,
neste texto, buscamos refletir acerca dos desafios da luta pela cidadania na
conjuntura política brasileira atual, marcada, especialmente pela demolição e
corrupção das instituições democráticas e instalação de um Estado de Exceção, apoiado
por parte expressiva das classes médias e altas desse país. Em nosso
entendimento, tal situação evidencia os limites de um projeto de nação que não
realizou o enfrentamento da herança colonial.
De
fato, a Branquitude acrítica e crítica[3], enquanto percepção
prática de poder que confere privilégios, status, prestígio e poder aos descendentes
de colonos europeus, autodenominados brancos, que recusam a democracia. Este
artigo faz um breve contexto de como uma leitura atenta aos problemas atuais do
Brasil, não deveria ocultar a enorme insatisfação material, social e
principalmente psicológica dos brancos brasileiros, que não aceitaram um
projeto de país, em que as desigualdades raciais, passassem a ser reconhecidas,
não mais como mero preconceito de cor, porém como estruturantes para a
manutenção de privilégios de brancos sobre as demais populações.
No
movimento dos paneleiros, uns movidos pela aparente perda de prestigio social,
outros pelo crescimento da participação política de populações vulneráveis que
se converteu em acesso a bens e serviços jamais visto na história deste país. Ao
lado deles, as intuições de Estado que deveriam defender a Democracia,
Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, repletos de concurseiros,
brancos, de classe média e conservadores, se voltaram contra aquelas condições
que nos últimos anos garantiram o Estado de Bem Estar Social em nosso país.
Temos um inimigo insidioso e perverso: a classe média branca brasileira:
servil, racista e colonizada[4].
Alguém
um dia afirmou: O Brasil saiu do mapa da fome.[5] Mas a classe média não se
importa. Pois ela não sabe o que é Brasil, no sentido que seu sonho é ter um
apartamento mequetrefe em Miami, EUA, não sabe o que é mapa e nunca passou
fome. A classe Média não pensa em direitos, associada ao reconhecimento da
dignidade da pessoa humana, alma da comunidade política ocidental, mas almeja
privilégios. Logo, todas as propagandas de produtos para ela carregam a marca
do exclusivo, do prime, do gourmet[6].
A
classe média brasileira, que saiu às ruas em defesa do afastamento da
presidenta Dilma Rousseff, manifestava-se livremente e coerentemente pela
defesa de um Estado de Exceção. Afinal, para ela cidadania não faz nem um
sentido. Ela precisa de gasolina barata, suvis e dólar a valores acessíveis
para viajar aos Estados Unidos e Europa, retornando carregados de
quinquilharias e engenhocas tecnológicas produzidas na China e outros países
asiáticos para onde migraram as empresas dos países centrais. Em uma palavra, a
Classe Média brasileira troca tranquilamente sua cidadania pelo privilégio de consumir[7]!
O que significou ser branco nessa partilha?[8]. Pois no momento em que as
populações brancas tiveram suas vantagens sociais descortinadas, ao compreender
que seus currículos nas universidades,
escolas, secretaria de educação poderiam ser interrogados, ao perceber que suas
vagas nos concursos públicos seriam equiparadas e seus corpos e mitos de
universalidade podem ser questionados a qualquer momento, desencadeamos uma
tensão ainda maior nas relações raciais do país.
Desse
modo, na conjuntura do Brasil, em quase 500 anos, data referente à chegada dos
portugueses em terras indígenas, fomos governados por uma elite escravocrata, e
foi o trabalho e produção da escravidão que permitiu o desenvolvimento do
sistema capitalista no país e no Ocidente,
a abolição da escravatura, estruturou uma hierarquia de raças de tal
modo, que foi possível manter uma estrutura escravocrata e a reprodução de escravizados,
sem a chamada escravidão como modelo econômico e para tanto foi e é fundamental
a manutenção dos privilégios da branquitude e o eurocentrismo como modelo de
mundo, independente da classe e gênero, todas e todos compreendemos os privilégios
de ser branco e branca no Brasil, basta olharmos por exemplo, para nossos
partidos progressistas e na divisão racial/gênero no mercado de trabalho.
A
grosso modo, podemos comparar os contextos históricos de Brasil e África do
Sul, ao sair da prisão de Victor Verster em 1990, Mandela se deparou com um
ambiente de ressentimentos, pobreza e de extrema desigualdade. Situações que
não eram novas, mas consequências das relações
raciais, primeiro pela escravidão e servidão por cerca de 250 anos, em
seguida, pela burocracia e negação de direitos por cerca de um século. Os sul
africanos, desde 1948, compartilharam uma constituição organizada por políticas
raciais, que não conferia direitos a população negra, unindo a isso a violência
nos bairros destinados aos negros, que aumentou durante a década de 1990. De
acordo aos estudos de Ana Lúcia Pereira[9], com esta transição houve
um aumento nos índices de criminalidade, ilustrando a complexidade do país e uma atmosfera, cuja instabilidade,
Mandela absorveria em seus anos de governo[10].
Através
de leituras de Fannon, podemos ampliar a compreensão do substrato psíquico
mental, na condição dessas hierarquias racistas e coloniais,“O problema é muito
importante. Pretendemos, nada mais, nada menos, liberar o homem de cor de si
próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois campos: o branco e o negro.
Tenazmente, questionaremos as duas metafísicas e veremos que elas são
frequentemente muito destrutivas (FANNON, 2008, P.26)
Essa
relação apontada por Fannon, expressa o quanto se tornou destrutiva, para ambos
grupos, projetar uma ontologia racial,
pois a raça não é só o que se pode ver, é também e principalmente tudo o que
está imerso no subterrâneo de nossos corpos e sentimentos, impregnada nas
entranhas e no profundo sentido de existência de populações envolvidas nestes
traumas. Richard Stengel, ao descrever como Mandela compreendeu essa carga de
condicionamento moral e emocional sobre o racismo exclama, “Precisava que os
brancos aceitassem a democracia e a
ideia de uma nação multiforme, não apenas intelectual, mas também
emocionalmente” (STENGEL, 2010, P.137)
Recordando
que esta contenção das populações brancas, foi possível durante um período
específico na África do Sul, e que passado duas décadas dessa transição, também
vivem conflitos, já que as terras e os recursos naturais não passaram por
reformas e seguem nas mãos das populações brancas do país. Referente ao Brasil,
não conseguimos desenvolver nos brancos brasileiros esse elo emocional na
crença que a ilustração e estatísticas seriam suficientes, em toda análise de
conjunta da esquerda é bastante comum, a culpabilização principalmente daqueles
que conquistaram seu grão de humanidade, porém não reeducamos emocionalmente as
populações brancas, para que a mesma não se sentisse traída ao ver espaços
exclusivos serem compartilhados. Talvez, porque uma reeducação da população
branca brasileira nos conduzira a um novo modelo de sociedade, pois no cerne do
pensamento ocidental, a distribuição de renda é vista como uma perda de
prestígio, uma violação do que antes era apenas para si, nas reflexões
permitidas através das leituras de Fannon, como avançar, se a organização
mental e social destes sujeitos se desenvolvem a partir da hierarquia, e de uma
identidade de negação.
Desse
modo, é preciso fugir de premissas raciais vigentes desde o fim do século XIX,
quando o ocidente ao hierarquizar as raças, também impele aos mais diferentes
grupos raciais, os trabalhos e atividades que deverá ser empenhado por um e por
outro. Em contornos a nossa sociedade patriarcal que tampouco vê com bons
olhos, a mulher nestes espaços de prestígio e visibilidade. Ao denunciamos os
privilégios de branquitude e a divisão racial e sexual do trabalho, (lembrando
que a população negra ocupa os piores índices nessa divisão), portanto, ao
fazer o recorte de gênero e ao compararmos mulheres negras com as mulheres
brancas, evidenciamos o lugar de privilégio de homens e mulheres brancas neste
país e na diáspora, dos quais participam de todo espaço que configure status, prestígio e poder.
No
Seminário Nacional de Avaliação da Marcha de Mulheres Negras Contra o Racismo,
Sexismo e pelo Bem Viver Brasília, 2015), ao realizar uma leitura da conjuntura
política Janete Pietá afirmou: ter
modelos democráticos não significa mudar o sistema cultural e hegemônico em que
vivemos, não basta fazermos parte do sistema é preciso a transformação, caso
contrário mesmo em governos democráticos, o que temos são as chamadas democracias
representativas[11].
Nestas
tensas disputas, emerge o poder avassalador dos Meios de Comunicação monopolistas.
Apenas seis famílias controlam radio, canais de televisão, jornais e revistas
impressas e on-line, portais de internet, tornadas instrumentos de ação política
na defesa de seus interesses[12].
Aliado
a isto, temos o mais conservador Congresso Nacional da nossa jovem democracia,
dominado por parlamentares milionários, comprometidos com lobbies de todo tipo
e conhecidos pela associação a Bancada BBB: do Boi, da Bala e da Bíblia que pretendem
nos devolver a Idade Média europeia [13].
Por
sinal, voltando aos privilégios, enquanto o trabalhador compromete 53% da sua
renda com pagamentos de impostos, os brasileiros que recebem acima de R$04
milhões por ano, apenas 35% de sua renda é tributável. O que faz do Brasil o paraíso
dos super-ricos segunda a insuspeita ONU[14], já que não é possível
acusa-la de ser petista. Nosso país concede auxílio moradia para juízes e membros
do Ministério Publico, mesmo morando na cidade onde trabalham, que produzirá um
rombo bilionário nas contas públicas, além de um reajuste salarial de até 78%
para os servidores do Judiciário, negociado pelo presidente do Supremo
Tribunal, diretamente com Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados,
que implicará em despesas estimadas em
quatro bilhões de reais.
Em
verdade, eles, principalmente com a PEC 241, projeto de emenda constitucional
que congelou por vinte anos as despesas como saúde, educação e previdência,
atacam a ideia de Estado Social presente na Constituição Federal de 1988. Um
Estado onde liberdade e igualdade não se perde na letra fria da lei, mas se
configura em um projeto onde brasileiros e brasileiras, organizados em comunidade
política, são convidados engajar-se, essa construção está na base das políticas de ação afirmativa.[15]
Hoje,
sabemos que os esforços institucionais da Presidenta da República Dilma
Rousseff para superar a crise política e governar, articulados desde sua
reeleição em 2014, em um cenário econômico e geopolítico internacional nada
favorável, não deram certo, por muitos fatores. Entre eles, os próprios valores
democráticos de Dilma Roussef, comprometida com um projeto nacional de
desenvolvimento com inclusão social, por não haver vislumbrado a amplitude da
conspiração que se avizinhava, e do peso de atores externos, no qual os atentados
como o ocorrido em França em 2015, são apenas uma parte de uma história que
envolve os esforços ocidentais, capitaneados pelos EUA de dominação de espectro
global, em um mundo multipolar. Parênteses: vivemos a sombra da terceira Guerra
Mundial, que se opera em diferentes teatros, sul da China, Leste da Europa ,
Turquia, Irã, Síria, Iemen, tendo como foco o controle da Eurásia, onde estão
60% da riqueza mundial. Daí a importância de organismos multipolares,
Organização Mundial de Comércio, o Mercosul, CELAC e, fundamentalmente o BRICS.
Nestes vastos campos de lutas, a Síria emerge como a nossa nova Saraievo, nela
joga-se o jogo dos tronos, semeando morte e sofrimento em toda parte.
Praticamente expulsos da Turquia, derrotados na Ucrania e sem saída no Iraque, Afeganistão,
com a Europa enfraquecida e em dissolução, resta aos estadunidenses o seu velho
quintal, conhecido pelo bordão, a América para os americanos, semeando golpes
de Estado (Honduras, Paraguai e Brasil) e bases militares, duas somente na área
do aquífero guarani.
No
balanço da última década percebemos a emergência um novo ciclo da luta por
igualdade em nosso país e, consequentemente, o fim da agenda democrática que se
configurou no término da Ditadura Militar, e que, de algum modo serviu de
referência para as lutas democráticas nos últimos trintas anos. A partir de
2003, com a posse de Luis Inácio Lula da Silva, presidente da República,
diferentes movimentos sociais intensificaram a luta institucional para
efetivação dos princípios democráticos previstos na Constituição Federal de
1988.
Entre
2003 e 2014, ao contrário dos anos 1970, não esperamos o bolo da economia
crescer para depois distribui-lo. Nós mudamos este paradigma. Ao longo dos
últimos anos, sobre a batuta da sociedade civil organizada, em diálogo com um
novo quadro político-partidário, produzimos uma revolução democrática em nosso
país.
Estávamos
substituindo o antigo projeto neoliberal, baseado na redução do papel do
Estado, na liberalização dos mercados, na precarização das condições de
trabalho e desarticulação da sociedade civil; por uma nova proposta para o país
consagrado na fórmula crescimento econômico, combinado com enfrentamento da
pobreza e combate às desigualdades[16].
No
campo antirracista elaboramos uma pauta multiculturalista que deixou nu os
mecanismos que reproduzem a dominação branca em nosso país, ao mesmo tempo em
que pautas importantes para agenda feminista, passaram a ser vistas como
norteadores de agendas políticas. Desse modo, ações universalistas articuladas
a definição de políticas de combate às desigualdades raciais e de gênero,
tiveram o mérito de evidenciar o racismo e as desigualdades de gênero como
estruturante para a manutenção das desigualdades no país.
Do
ponto de vista institucional, a legitimidade das políticas de ação afirmativas
foi reconhecida pelo Executivo, Judiciário e Legislativo. O Brasil tornou-se
signatário de diferentes convenções internacionais, entre eles a Declaração e
Plano de Ação da III Conferência Internacional Contra o Racismo, Xenofobia e
Intolerâncias Correlatas, em Durban, África do Sul.
Nos
sistemas de ensino, em especial, no Governo Federal, em tese, construímos um
arcabouço jurídico e administrativo, jamais visto, focado no combate às desigualdades
raciais na Educação. Leis Federais 10.639/03, 11.645/08, regulamentadas pelas
Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena, estabeleceram as
regras por meio das quais se pretende enfrentar o racismo e promover o respeito
a diversidade cultural no cotidiano escolar. O que falta, o aprimoramento dos
mecanismos de fiscalização do cumprimento das normas. E nesse sentido, uma
reorientação do papel do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira) é fundamental. Enquanto
os colonos brancos continuarem ditando o ritmo das mudanças a Educação
brasileira não avançará em direção a igualdade.
Em
relação a formação inicial, hoje sabemos, só isto não basta. Mas do que
políticas de ação afirmativa para o acesso, precisamos levar em consideração a
permanência e o sucesso de nossos egressos. E isto significa pensar não só as
Instituições Federais Ensino Superior (IFES), mas igualmente instituições
públicas, privadas e comunitárias. E isto também precede uma mudança de
paradigma.
O
que estava em questão até o Golpe de Estado[17] a necessidade de
aprofundar, as políticas de modo a definir metas e cronogramas. Nós aprovamos
cotas no serviço público federal, mas vemos nossas instituições de ensino
superior burlar de forma assustadora as condições para efetivação da presença
negra na docência universitária.
Igualmente,
precisamos enfrentar as dificuldades para ampliar as oportunidades de acesso
aos estudos pós-graduados em nossas instituições. E isso não será possível sem
um dialogo, nem sempre fraterno com a SESU/MEC, CAPES e CNPq, para serem
criadas diretrizes que estimulem os programas de pós-graduação no país ,
primeiramente, mas não só, reservarem vagas para estudantes negros e negras. Em
workshop realizado no final de 2013, indicamos a CAPES, a possibilidade de
oferecimento de bolsas adicionais para estudantes afro-brasileiros, assim como,
a adoção do quesito cor nos seus instrumentos de coleta de informação. Neste
sentido, depois de uma imensa pressão do Ministério da Educação , a Fundação
CAPES criou o Grupo de Trabalho de
Inclusão Social no segundo semestre de 2015, que após apresentar seus relatório
final, teve sua vigência prorrogada, e na eminência do Golpe, uma portaria do
Ministro da Educação, concedeu noventa dias para as instituições federais de
ensino superior apresentarem propostas de ações afirmativas no âmbito do acesso
a pós-graduação. Ação que indicou os limites do diálogo institucional com a
esquerda branca: eles pensam em um governo para nós e não conosco.
Falando
sobre a CAPES e CNPq, já indicamos a estas instituições a brutal
sub-representação de negros e negras nos programas de mobilidade acadêmica como
o Ciência Sem Fronteira. Colegas das HBCUS, nos informaram em 2013, que das
cinco centenas de estudantes participantes do programa, acolhidos nas
instituições negras participantes, apenas cinco eram fenotipicamente negros.
Para nós, constituirá um avanço significativo nesta direção a implementação do
programa Abdias Nascimento de Mobilidade Estudantil.
De
outro lado, acertaram aqueles que optaram pelo caminho da judicialização da
luta antirracista no espaço escolar. Passados doze anos da publicação da Lei
Federal 10.639/03, muito ainda precisa ser feito. Aprendemos a duras penas que
nos esfalfarmos nas estradas buscando oferecer o máximo de formação continuada
aos docentes da educação básica, não significou uma ampliação do oferecimento
de conteúdo previstos. Em pesquisa recente onde avaliamos cinco anos de
atividades do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de
Santa Catarina (NEAB-UDESC) desde a sansão daquela norma legal pelo
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, percebemos que escolas atendidas e não
atendidas, embora demonstrassem conhecimento da existência da Lei, poucas
significaram inclusão da temática no projetos político-pedagógicos, nos planos
de ensinos, nas atividades desenvolvidas em sala de aula e em aquisição de
material didático para as bibliotecas escolares.
Nossas
experiências exitosas, quanto a perenidade e alcance das ações, ocorrem quando
contribuímos para organização e consolidação de programas municipais de
diversidade étnica na educação. Ao invés de formação ou oficinas para
estudantes do ensino fundamental, que são eventos que logo se perdem no tempo,
temos uma ação institucional, cujo, o foco central são os gestores públicos que
organizam programas em três eixos: capacitação (gestores, multiplicadores e
docentes), aquisição e produção de material didático, estudos e pesquisas
(acesso, permanência e sucesso de estudantes afros) e fortalecimento
institucional (criação de diretrizes municipais de educação para as relações
étnico-raciais pelo conselho municipal de educação, aprovação no programa por
decreto ou lei municipal, definição do cargo de gestor do programa,
estabelecimento de rubricas na Lei Orçamentária Municipal Anual e no Programa
de Ações Articuladas, inclusão nos exames de conhecimentos para admissão de
professores.
Não
se trata apenas de desconhecimento de materiais pedagógicos ou experiências
exitosas[18],
mas de um racismo institucional presente em todos os sistemas de ensino que
tornam as escola instrumentos de colonização mental e de reprodução de
hierarquias sociais que mantém a população não branca brasileira na condição de
trabalhadores dependentes desde o século XVI.
Como
vem nos alertando Hannah Arendt, o racismo e outras mazelas não são frutos da
insanidade ou monstruosidades de um ou outro sujeito, mas é inerente a
configuração da própria modernidade ocidental, ao exilar metade da humanidade
das suas condições de existência, jogar a outra dentro de suas próprias cabeças
e banir a experiência como base para o conhecimento e a verdade [19].
Durante
os últimos trinta anos acreditamos no caminho propostos pelos canais
democráticos, organizamos a sociedade civil, campanhas de esclarecimento, luta
institucional em diferentes esferas, participamos dos mais diferentes partidos
políticos, conseguimos assim enfrentar o mito da democracia racial brasileira.
Entretanto,
para nosso desespero, nunca nos encarceraram tanto, nunca nos mataram tanto.[20] Certamente, dados das
agências de saúde devem indicar o brutal impacto do sofrimento psíquico
associado ao racismo na degradação de nossa saúde mental. Por último, a avalanche
conservadora e fascista, capitaneada pelo fundamentalismo cristão ameaça destruir
tudo o que construímos de liberdades nas últimas décadas.
Em
nossa opinião, nós chegamos ao limite daquilo que os descendentes de colonos
europeus, autodenominados brancos, estão dispostos a negociar. Sejam eles de
esquerda ou de direita, sejam conservadores ou progressistas, eles controlam os
mecanismos de legitimação democrática e grande parte de nós, de nossas
organizações do movimento social, foram reduzidos a organizações não
governamentais, que terceirizam aquilo que o Estado não considera prioritário.
A
devastação promovida por Temer e demais golpistas são ações de curto prazo, mas
de alcance estratégico e alto poder de destruição. Seguem o receituário liberal
e colonialista não governamentais de redução do papel do Estado, precarização
das condições de trabalho e inserção subordinada do país no mundo, na condição
de mero vendedor de produtos primários. Por toda parte as garras dos abutres do
Mercado Financeiro, os únicos a ganhar com essa política de juros altos e
austeridade fiscal.
Entretanto,
aquilo que deveria nos paralisar, seguindo a doutrina do choque e pavor, deve
ser visto como uma oportunidade de, a partir de uma autocrítica profunda do
Movimento Negro e suas relações com a esquerda branca, iniciarmos uma virada
histórica na luta antirracista de nosso país. Em algum momento, precisamos
discutir em que medida uma parte do campo antirracista, institucionalizado na
forma de entidades não governamentais, movimentos sociais, membros de governo,
participantes de espaços de controle social, direções partidárias, na sua ânsia
de manter-se em evidência, controlar recursos públicos ou da filantropia
internacional, não compõem voluntária ou involuntariamente, o campo da
hegemonia branca, seja ela na versão crítica ou acrítica.
Ou
seja, temos a possibilidade de nos construir como um movimento de massa, se
formos capazes de construir redes de apoio mútuo que forneça o mínimo de
assistência aos milhões de negros e negras que serão jogados na miséria, sem a
rede de proteção social dos Governos Lula/Dilma. Temos que cuidar da educação
política, segurança alimentar, assistência jurídica, sistema de cadastro de
emprego, além de apoio a autoconstrução.[21]
Da
mesma forma que as igrejas evangélicas, inclusive, a estratégia de M.L. King, temos que fazer a população negra acreditar
que são violentados como negros pela minoritária população branca do país , o
engajamento na luta antirracista é que dará sentido as suas vidas e uma
possibilidade de melhoria da sua qualidade de vida, precisamos nos preparar
para proteger minimamente nossa população e direcionar suas tomada de
consciência , sua raiva e frustração para o enfrentamento da branquitude
enquanto prática de poder colonial que permite a nossa perpetuação como
dependentes, de quem se explora o trabalho, a obediência e o sexo. Precisamos
romper com nossa relação subordinada com os colonos autodenominados brancos.
Dito de outro modo, deixar de acreditar que a nossa dignidade como pessoas
humana depende do reconhecimento dos brancos.
É
tempo de voltar a tática em que as entidades do Movimento, os jovens militantes
disputavam entre si quem era capaz de
construir núcleos de base. Com a vantagem que hoje possuímos uma classe média
negra em condições de contribuir com trabalho, conhecimento e dinheiro. Nós
negros temos uma renda de um trilhão e duzentos bilhões de reais, temos que ser
capazes de captar parte disso para a luta antirracista.
É
necessário deixar de acreditar nas
instituições da política institucionalizada por brancos, mas usá-las para os
nossos fins e nos prepararmos para uma nova etapa de transformações. Em breve a
esquerda branca voltará ao Governo, mas essa esquerda tão bem representada por
Dilma Rousseff não nos interessa. Afinal, foi um Governo para nós mas não
conosco!
Não
temos de exigir espaço, nós temos que ser os protagonistas da nossa própria
história, articulando toda as redes a partir de suas capacidades em um
movimento que busque a transformação radical da sociedade. É isso que temos a
aprender com a Revolução Haitiana, a Luta contra o Apartheid , também o MST e MTST e a luta das mulheres
negras.
.
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[1] Professor doutor em
história social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor associado pela Universidade do
Estado de Santa Catarina e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros.
[2] Doutoranda em
História Social, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Pesquisadora associada do Neab/Udesc e Cecafro da PUC/SP. Bolsista da Capes.
[3]Sobre a definição de branquitude, o pesquisador
Lourenço Cardoso afirma: A branquitude é um lugar de
privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais
palpáveis que colaboram para construção social e reprodução do
preconceito racial, discriminação racial “injusta” e racismo (CARDOSO,2010, P.611) Ainda sobre a
branquitude, podemos defini-la como crítica e acrítica, no sentido que ela : .
A branquitude crítica refere-se ao indivíduo ou grupo branco que desaprovam
publicamente o racismo. Enquanto quea branquitude acrítica refere-se a branquitude
individual ou coletiva que sustenta o argumento em prol da superioridade racial
branca.
[4] Empresa Brasileira de Comunicação “
Manifestnte anti-governo são brancos e
de alta renda. http://www.ebc.com.br/noticias/2015/08/pesquisas-revelam-retrato-social-e-racial-de-manifestantes. Acessado 12.02.2017. hora 14:22
[5] Nações Unidas no
Brasil https://nacoesunidas.org/crescimento-da-renda-dos-20-mais-pobres-ajudou-brasil-a-sair-do-mapa-da-fome-diz-onu/ Acessado 12.02.2017. Hora 14:28
[6] Ver Taylor,
Charles El multiculturalismo critico e las politicas del reconocimento. Cidade de México, DF, Fondo de Cultura Economica.
s/d.
[7] José Carlos Fernandes
entrevista Jéssé de Souza. http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-classe-media-e-sadomasoquista-afirma-o-sociologo-jesse-souza-7fd8ootooouj3gtwnkagukmqr
Acessado 12.02.2017 .
Hora 14:53
[8] Ver Melissa Steyn:
Novos Matizes da “branquidade” a identidade branca numa África do Sul
multicultural e democrática. In: WARE Vron. BRANQUIDADE Identidade Branca e
multiculturalismo Rio de Janeiro: Gramond universitária, 2004.
[9] Vale lembrar que os
grupos de extrema direita continuaram promovendo atentados contra os negros e
suas lideranças e que houve um aumento na criminalidade, decorrente da grande
concentração da população negra, pobre e desempregada nas favelas erguidas nos
principais centros urbanos (PEREIRA, 2012, P.2)
[10] Ver Cristiane Mare da
Silva, A Poética da Esperança Sentidos Políticos nas Memórias de Nelson
Mandela. São Paulo: PUC/SP, 2016
[11] Anotações do
Seminário Nacional de Avaliação da Marcha de Mulheres Negras (2015), ocorrida
no Rio de Janeiro, RJ, no dia 10 de dezembro de 2016, da qual participou
Cristiane Mare da Silva como coordenadora do Comitê Impulsor de Santa Catarina
.
[12] Para aprofundar a
discussão ver Ana Rita Marini O monopólio da mída atrasou o movimento da
sociedade. http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=24609 Acessado 12.02.2017. hora 15:02
[13] Congresso em Foco. A
face e os números do novo parlamento. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/a-face-e-os-numeros-do-novo-congresso/. Acessado 12.2.2017. 15:07
[14] Nações Unidas no
Brasil. Brasil é o paraíso tributário para os super-ricos. https://nacoesunidas.org/brasil-e-paraiso-tributario-para-super-ricos-diz-estudo-de-centro-da-onu/ Acessado 12.02.2017. Hora 15:10
[15] GOMES, Joaquim
Barbosa & SILVA, Fernanda Duarte. As ações afirmativas e os processos de
igualdade efetiva. Serie Cardenos do CEJ nº24. http://sites.multiweb.ufsm.br/afirme/docs/Artigos/var02.pdf
Acessado em 12.02.2017.
Hora 17:00
[16] SADER, Emir (Org).
Lula e Dilma: 10 anos de governos pós-neoliberais ni Brasil. São Paulo:
Boitempo, 2013.
[17] Entendemos que o
processo que levou ao afastamento da presidenta da República, Dilma Rousseff,
embora edulcorada das regras formais, trata-se de uma movimento de parte
significativa das elites brasileiras, apoiada por uma classe média
escravocrata, que procurou colocar um freio aos avanços sociais dos governos
democráticos e populares e, no caso do
Congresso Nacional, colocar um freio nas investigações da Operação Lava Jato,
capitaneada pelo Juiz Sergio Moro de Curitiba, capital paranaense. Mais informações LEITE, Paulo Moreira. A
outra história da Lava Jato. São Paulo: Editora Geração, 2016; SANTOS,
Boaventura Souza e outros. Porque gritamos golpe. São Paulo: Boitempo, 2016.
Recomendamos ainda a série de artigos intitulado Xadrez do Golpe, de lavra do
jornalista Luiz Nassif. http://jornalggn.com.br/mutirao/o-xadrez-do-golpe-0
[18] Thais Regina de
Carvalho, evidenciou em sua pesquisa , que a branquidade é um impeditivo para a
lei 10.639 na cidade de Florianópolis “podemos afirmar que a branquidade atua
nas políticas públicas no sentido de que tudo que não atende à norma branca
implícita é tido e considerado como exótico” (CARVALHO, 2013, P.43)
[19] ARENDT, Hannah. A condição
humana. São Paulo: Forense Universitária, 1998.
[20] MAGER, Mairim
Trindade. A cor da violência
perpetrada pelo sistema punitivo brasileiro: genocídio em ato?. http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/1987
Acessado 12.02.20177.
horas 18:30
[21] Portal Terra Brasil . Brasil terá 3,6 milhões
de novos pobres. https://noticias.terra.com.br/brasil/brasil-tera-ate-36-milhoes-de-novos-pobres-em-2017-afirma-banco-mundial,b75bab7a064335e99ba715d8e559c4dacht76q2c.html
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