Fim da hegemonia unilateral global dos EUA


Prof. Lejeune MIrhan

sáb., 4 de jan. 18:36 (há 16 horas)
para gtarabepalestinaja
Aliança China-Irã-Rússia

As manobras do “
cinturão de segurança marítima” de quatro dias, trilaterais – reunindo Irã, China e Rússia no mar de Omã e no Oceano Índico marcarão o Oriente Médio por décadas e décadas futuras. Marcam o fim da hegemonia e do controle absolutos dos EUA no Oriente Médio e em todo o mundo.

Essas manobras militares conjuntas acontecem no coração da zona marítima de influência dos EUA. São exercícios táticos que simulam o resgate de fragatas que estejam sob ataque de inimigo do ‘trio’ em área de mais de 17.000 km (sic). Não são exercícios estratégicos, porque China e Rússia não terão acesso continuado a portos iranianos. Não se prevê qualquer inimigo comum que se apresente contra Rússia, China ou Irã ao mesmo tempo, nessas águas. O objetivo desses exercício é enviar uma mensagem, assinada pelos três países, aos EUA. A ‘mensagem’ marítima enviada a todo o mundo nesse dezembro de 2019 e muito realistamente é que está chegando ao fim o período de dominação global pelos EUA como único e autonomeado “policial do mundo”.

Foi a primeira vez que o Irã realizou exercícios militares conjuntos com duas potências navais mundiais, nessa escala, desde que existe a “República Islâmica” de 1979. O Irã convidou e hospedou os exercícios trilaterais, a partir do porto de Chabahar, no sudeste do Irã, desafiando abertamente a política de “máxima pressão” dos EUA. Teerã envia assim ao mundo a mensagem de que está ampliando as próprias capacidades militares, mesmo estando o país sob ataque das mais duras sanções que os EUA jamais implementaram. Demonstra-se assim que a política dos EUA, para tentar isolar o Irã, deu em nada. O presidente Donald Trump e sua equipe conseguiram ferir duramente a população iraniana com sanções e sítio sem precedentes: mas o governo de Teerã adaptou-se efetivamente às medidas punitivas, contando com um novo “
orçamento da Resistência” para limitar o muito que o país sempre dependeu das exportações de petróleo.

A política do presidente Donald Trump está conseguindo acelerar a construção de uma aliança que uniu Irã, China e Rússia (todos atacados pelas sanções comerciais impostas pelos EUA). Esses países, apesar dos exercícios militares do “cinturão de segurança naval”, não assinaram qualquer tipo de aliança estratégica entre eles. Mesmo assim, estão encontrando modos de se autoproteger, em todas as operações no Mar de Omã e no Oceano Índico. Essas manobras podem ser consideradas afronta direta às sanções norte-americanas, realizadas precisamente na mais importante rota marítima de todo o comércio mundial, considerada vitalmente importante para os EUA, com trânsito de 18,5 milhões de barris diários de petróleo.

É hora do pôr-do-sol norte-americano. Brilhou tão intensamente desde 1991, quando a guerra fria foi encerrada entre Washington e Moscou... Mas, então, o presidente 
George Bush anunciou a política norte-americana e aquela sua visão de “uma Nova Ordem Mundial na qual várias nações são aproximadas e unem-se para a luta comum para realizar as aspirações universais da humanidade: paz e segurança, liberdade e estado de Direito” (Presidente Bush [pai], “Discurso do Estado da União”, 29/1/1991).

Aquele dia marcou, isso sim, o início de uma ordem mundial desequilibrada, dependente, em termos políticos, econômicos e militares, da dominação pelos EUA. Foi o início de uma estratégia “destrutiva-construtiva” para esmagar qualquer país que rejeitasse a hegemonia dos EUA. No topo da lista estava o Irã.

No governo do presidente George W. Bush [pai], Washington decidiu cercar ainda mais completamente Irã, China e Rússia, e também o Afeganistão ocupado – por causa da posição geopolítica estratégica desse país, naquela ‘tríplice fronteira’ crucial: junto à China ocidental, à Ásia Central e ao leste do Irã e suas ricas jazidas de 
Urânio – e em seguida também o Iraque. O controle sobre o petróleo do Oriente Médio era prioridade de um plano para inventar um “novo Oriente Médio” que quebrasse a aliança do Irã com o Líbano (Hezbollah) e com o presidente Bashar al-Assad da Síria.

Os EUA sempre viveram à procura de vias para dividir continentes, para assim poder governá-los e impedir que se constituísse qualquer aliança potencialmente ameaçadora. A Eurásia, onde está dois terços de toda a energia mundial sempre esteve sob vigilância cerrada, pelos norte-americanos, praticamente tanto quanto o Irã.

Mas o Irã de 2019 é diferente do Irã de 1979. Depois da “guerra dos grandes navios petroleiros” no Estreito de Ormuz, da derrubada do mais caro dos drones norte-americanos e da destruição de instalações sauditas de petróleo (que reduziram à metade a capacidade da Arábia Saudita para exportar petróleo) com mísseis cruzadores iranianos de alta precisão, os EUA afinal se viram diante de uma realidade amarga. Todas as bases militares dos EUA que cercam o Irã são hoje alvo fácil para os mísseis cruzadores iranianos, no caso de os EUA decidirem atacar a República Islâmica. Irã sequer precisa procurar ‘interesses’ norte-americanos em territórios distantes.

Ainda mais do que isso, o Irã não titubeou para interceptar e confiscar um navio-tanque britânico, com o que enviou clara mensagem de confrontação à Grã-Bretanha e manifestou sua perfeita prontidão para escaramuças militares, se necessárias. O Irã assinalou que controla capacidades para combater em vários fronts contra seus inimigos. Os funcionários iranianos deixaram absolutamente claro aos líderes de todos os países seus vizinhos (Arábia Saudita, Emirados, Iraque, nordeste da Síria, Israel) que seus mísseis de precisão não pouparão país algum onde haja base militar dos EUA, ou que se deixe usar como ponto de partida para atacar o Irã.

Muitos elementos já indicaram que o Irã estava pronto para o pior cenário possível e treinado para situação extrema, sabendo que os EUA não se arriscariam em guerra imprevisível na qual a vitória esteja muito longe de garantidaO presidente Trump estava pronto para poucas batalhas, uma aqui, outra ali, “batalhas entre guerras” ao estilo de Israel. Mas não, de modo algum, para guerra de destruição total. Trump e equipe logo entenderam que os inimigos dos EUA haviam-se equipado com quantidade suficiente de mísseis para engajar-se em vários fronts em diferentes países do Oriente Médio.

Trump tenta evitar perdas humanas durante seu governo. Sabe que os aliados do Irã mergulharão em qualquer tipo de luta para resistir a ataques contra a República Islâmica e que atacarão aliados dos EUA no Oriente Médio.

O Irã equipou seu aliado mais forte e mais bem organizado no Oriente Médio, o Hezbollah no Líbano, com dezenas de milhares de foguetes e mísseis de precisão, suficientes para destruir alvos israelenses, já incluídos nos arquivos iranianos de alvos. Os ‘interesses’ israelenses estão todos a poucos quilômetros de bases do Hezbollah, não suficientemente distantes para que os mísseis de interceptação israelenses consigam neutralizar todos os mísseis e foguetes que sejam lançados simultaneamente. Mas esse nem é o verdadeiro problema: de fato, o front doméstico israelense absolutamente não está preparado para guerra – e até militares israelenses reconhecem isso.
O Hezbollah conseguiu desmantelar a política israelense de contenção e quebrou a moral de combate de Israel, como o mundo viu acontecer, no mais recente confronto. Na verdade, Israel escolheu abandonar por duas semanas todas as posições ao longo de 100 km das fronteiras e 5 km de profundidade, bastando para isso apenas uma ameaça feita por televisão, pelo secretário-geral do Hezbollah, Said Hassan Nasrallah. É sinal muito potente de que, por mais que Israel possa insistir em ameaças verbais contra o Líbano, absolutamente não fará guerra ainda por muito, muito tempo.

Há forças aliadas do Irã presentes também na Síria, Iraque e Iêmen, todas equipadas com mísseis de precisão. EUA e seus aliados não estão em posição de ignorar essa realidade nem o fato de que (sem subestimar o grande poder de destruição de EUA e Israel) o Irã e seus aliados podem infligir grave dano aos EUA e aliados, em caso de guerra.

Outro elemento crucialmente importante, que não se deve negligenciar, é que os EUA já cuidam de se afastar do Oriente Médio. Em 2019 vi pessoalmente o claro distanciamento dos EUA, do processo para selecionar o primeiro-ministro do Iraque, pela primeira vez, desde 2003. Os EUA – muito estranhamente – não estão interferindo na escolha de um primeiro-ministro para o Líbano. São dois países muito importantes, nos quais os EUA sempre foram ativíssimos no serviço de conter a influência do Irã. Assim também na Síria (de onde os EUA vivem de roubar petróleo, pode-se dizer, à luz do dia). Os EUA parecem ter perdido o apetite para permanecer no Levante e tentar forçar o Irã a separar-se da Síria – o que absolutamente não alegra Israel.

Aos EUA só resta a arma das sanções econômicas, e arma que a cada dia que passa vai-se tornando menos eficiente, ao ritmo em que os países adaptam-se à nova situação. Trump está sancionando amigos, inimigos e concorrentes, exaurindo o poder financeiro dos EUA. Acaba por dar uma vantagem as países que deseja destruir, porque são forçados a se preparar para contramedidas no longo prazo. Os EUA, que tentaram alcançar a hegemonia, estão retrocedendo à era antes de 1991.

É verdade que os EUA, no governo do presidente Trump, conseguiu vender quantidades monstro de armas a países do Oriente Médio. A indústria norte-americana de material bélico auferiu alguns ganhos nuns poucos anos, mas agora chega aos anos das vacas magras. Aquelas armas não serão usadas em alguma guerra futura, porque a possibilidade de confronto militar no Oriente Médio vai evanescendo, e todos os partidos e potenciais adversários beligerantes já estão equipados e armados com satisfatório poder de fogo.

Hoje os EUA voltam os olhos para Rússia, China e respectivos aliados como fontes de perigo, porque são países potentes e em progresso, mais competitivos a cada dia em campos como alta tecnologia e inteligência artificial. Há pouco espaço para confrontos armados entre nações. É chegada a hora de os países do Oriente Médio resolverem suas questões domésticas e regionais, cuidando eles mesmos da própria vida, sem interferência de fora.*******

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