A GUERRA HÍBRIDA E A PERDA DE SOBERANIA: O BRASIL NO CONTEXTO DE UMA CONTRA-OFENSIVA GLOBAL DOS EUA.


 
 
 
 
 
 
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Entrevista com Theotonio dos Santos, cientista social brasileiro e um dos intelectuais mais influentes da América Latina.
Aos 79 anos, pode-se afirmar Theotonio dos Santos viveu os maiores processos políticos na região: ele foi exilado no Chile depois do golpe de 1964 no Brasil e teve seu novo destino no México, em 1973, até que ele voltou à sua terra natal, o Brasil, com o retorno da democracia, em 1985.
Ele é um dos pilares da Teoria da Dependência e o termo “sistemas-mundo”. Agora, em sua viagem a Buenos Aires, onde ele foi convidado pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), que ele co-fundou, ele explica as razões pelas quais o governo de Dilma Rousseff é agonizante e, paralelamente, a região está experimentando um voltar ao neoliberalismo, mesmo que ele parecia estar na história passada do continente.

O Brasil no contexto de uma contra-ofensiva global dos EUA.
“Eu vejo a situação na América Latina como parte de uma ofensiva mais ampla a nível mundial”, diz ele na sede da CLACSO, onde o elemento determinante é a perda do controle econômico e político pelo centro hegemônico do sistema-mundo, os EUA.
Como é que esta ofensiva se manifesta?
Há uma estratégia muito desesperada para recuperar o poder e, mesmo que ele não saia como esperado, teve efeitos locais muito destrutivos. Por exemplo, no Oriente Médio, onde há uma crise profunda e a Rússia começou a cooperar, acabou sendo rotulada novamente como “grande inimiga da Europa”.
Será que este novo confronto começa na Síria?
Eles vêem a Rússia como uma ameaça, principalmente por causa de sua aliança com a China, que mais uma vez nos coloca em um estado de litígio em todo o mundo. Até agora, eles só conseguiram criar situações realmente difíceis no velho mundo soviético, mas os EUA não tem controle sobre a situação.
Assim, o ataque contra o governo de Dilma poderia ser explicado pela aproximação de seu governo com os BRICS?
Tudo o que não está sob controle dos EUA é considerado como uma ameaça e os BRICS são uma ameaça estratégica para os EUA. De certa forma, eles estão certos, porque os BRICS têm tido até um lugar que costumava pertencer aos EUA. Em relação à América Latina, a sua principal preocupação é o petróleo e a Venezuela, que tem as maiores reservas do mundo. E, também, o Brasil após a descoberta do pré-sal, que dedica parte de sua renda para a saúde, a educação, a ciência e a tecnologia.
O governo de Dilma foi encerrado, boicotado, e o Congresso estava cheio de funcionários vergonhosas
Isso não é difícil de fazer (risos).
A questão é, por que o Partido dos Trabalhadores não foi capaz de parar o impeachment?
O Partido dos Trabalhadores sempre desempenhou o cartão de negociação e uma das consequências desta política foi a diminuição da intensidade da mobilização social e política.
Esse foi o maior erro?
Todas as vezes que eu falei com Lula sobre isso eu disse-lhe que tinha de haver uma esquerda unida, independentemente de todas as negociações, porque precisava de um forte apoio para apoiar a negociação. Se você se limitar, o resultado é que você começa dependendo de mais e mais negociação. Lula teve uma alta capacidade de negociar e havia uma grande expectativa de que o Partido dos Trabalhadores e o PSDB se alternariam no poder presidencial. Essa foi a proposta do (ex-presidente) Fernando Henrique Cardozo depois que ele deixou a Teoria da Dependência. Mas havia muitas concessões desnecessárias e muito negativas também. Porque um país não pode se dar ao luxo de patrocinar a criação e o fortalecimento de uma minoria financeira que lucra com a atividade improdutiva e a especulação.
Mas o Partido dos Trabalhadores não atacou os grupos financeiros.
Pelo contrário, o presidente do Banco Central de Lula, Henrique Meirelles, é agora o ministro da Economia (na administração de Temer) e no passado ele tinha sido com Fernando Henrique Cardoso. Ele é um peão da Banca Internacional. Isso ajudou a consolidar a relação de Lula com o sistema financeiro, mas o resultado é catastrófico.
O que aconteceu então? Será que Dilma tem uma capacidade diferente de negociar?
Existem alguns elementos que devem ser levados em conta: Em primeiro lugar, a diminuição do preço do petróleo devido ao aumento da produção dos EUA via fracking, que teve um grande impacto, mas apenas por um período limitado de tempo. Entorno de Dilma um grupo começou a criticar as tentativas do PT para tentar enfrentar essa situação negativa e afirmou que era necessário um ajuste. Tudo isso foi durante uma crise muito perigosa e durante um período de aumento da inflação, o que costumava ser quase inexistente (cerca de 4 por cento), mas depois aumentou para além do incremento da taxa de juros.
Isto foi em janeiro de 2014, quando Dilma começou seu segundo mandato.
Ela tinha começado a aceitar a ideia de subir a taxa em 2013, forçada pelo Banco Central. Ela estava abrindo o caminho para manter o crescimento de volta, de modo a paralisar a inflação. Por outro lado, há algo que tenho vindo a discutir por muitos anos com muitas escolas de pensamento econômico burguês: a idéia de que a inflação é o resultado de um excesso econômico só pode ser travado através de um aumento das taxas de juros.
A velha fórmula monetarista velha.
O resultado dramático foi que a inflação aumentou. A que conclusão você chega? Tanto a teoria como sua aplicação estão erradas… mas não, eles afirmam que a taxa de juros cresceu muito pouco. O clima estava preparado para esta situação e já estávamos a uma taxa de juros de 14%, e num declínio do crescimento.
O que devemos esperar para o futuro? Será que Dilma voltar ou não?
O sentimento comum é que haverá condições para ela voltar porque a campanha tem sido forte, mas o governo interino fez algumas coisas terríveis e paradoxais: Um líder sindical que apóia o governo com anti-sindicais e anti-trabalhadores tem a pagar um custo, não só nas eleições, mas em sua própria classe também. Os líderes da União, mesmo os que apoiaram o direito e o impeachment, vão recuar para evitar serem associados a um aumento da idade de reforma ou a outras medidas semelhantes. A proposta para aumentar as horas de trabalho semanais e para modificar diretamente o salário mínimo, o que Lula tinha aumentado em quase 200%, é muito violento. Isto teve efeitos importantes na vida das pessoas. Se você começar a acreditar que você pode fazer todas essas mudanças em um regime excepcional, imagine o que você poderia fazer se você fosse de fato efetivo no poder. Isso está criando uma situação muito complexa, que não resultou em uma nova onda de apoio a favor de Dilma, mas foi-me dito pelo PT que têm chances de voltar – a linha é muito fina, eles só precisam dos votos de mais seis senadores. Claro, cada senador é diferente e Dilma não é fácil. Ela dificilmente irá negociar em termos de venda / compra de votos, ela vem de um movimento revolucionário e ela é fiel a isso, embora, ao mesmo tempo, ela sabe que às vezes essas coisas são necessárias.
Mas ela não gosta.
Não, ela não o faz, essa que é a coisa.
Parece que o Brasil está renunciando um destino histórico de liderança que o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) pensou que tinha sido cumprido depois que o país entrou nos BRICS.
Tem sido 200 anos de luta pela independência da América Latina. Pró-hispânicos e pró-portuguêses têm lutado por anos para permanecer no poder quando a Espanha e Portugal eram apenas instrumentos do poder da Inglaterra. Estes homens pensavam que a sua capacidade de sobreviver como classe dominante dependia dessa aliança histórica. Eles acreditam nos EUA como maior poder e eles não sabem como lidar com as possibilidades que se abrem com a China como um comprador em todo o mundo. Isso é muito grave, porque os chineses negociam de forma coletiva, em grandes projetos e, portanto, eles negociam de estado para estado. Empresários são levados em conta, mas apenas como auxiliares para o planejamento do Estado. Nossa burguesia não acredita nisso. Essas pessoas são a anti-independência da América Latina.
Como você vê o futuro da região? Porque a vitória de Mauricio Macri tem certamente acelerado o golpe no Brasil e o ataque contra a Venezuela.
Parece que esta é uma fase muito favorável para eles (imperialistas e neoliberais). Mas quando chega a hora em que uma resistência efetiva finalmente emerge, eu duvido muito da capacidade dessa resistência em controlar a situação. Porque eles (imperialistas e neoliberais) estão no topo de um mundo criado pelos meios de comunicação, que nega a realidade, e cria realidades psicológicas com pessoas especializadas que sabem exatamente como comunicar isso para as massas.
É absurdo acreditar na gestão do mundo como se o neoliberalismo fosse a única fonte de crescimento econômico e desenvolvimento. Não há setores econômicos que não sejam liderados por investimentos de Estado nem quaisquer processos que não estejam relacionados com a transferência de recursos estatais. Isso nos leva a uma falsa idéia, que a esquerda também precisa aprender, o que é que você precisa é reduzir as despesas do Estado para transferi-los para uma minoria que está basicamente no setor financeiro. No Brasil, pagamos 40% a mais nas despesas públicas devido a uma dívida explicitamente criada por razões macroeconômicas.
Este cenário implica que, num dado ponto poderia haver revoltas maciças. Isso poderia criar situações semelhantes às do Oriente Médio?
Em última análise, poderia, mas eu acredito que os EUA não quer isso porque o custo pode ser muito alto nessa situação em que eles estão implantando suas tropas para fazer algo que parece incrível, mas eles dizem explicitamente: cercar a China. No Oriente Médio, os resultados têm sido devastadores. A estratégia poderia ter sido o “caos criativo”. Se for esse o caso, já conseguiu.
Traduzido para publicação em dinamicaglobal.wordpress.com
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