Cheiro de buceta
Vou começar a rastrear esse cheiro polêmico com a calcinha da vereadora Lucimara Passos,
que em 2014, lá em Aracaju (na Tribuna da Câmara), tirou a peça íntima
do bolso informando, publicamente, que estava sem calcinha por baixo da
roupa. Ela mostrou o pequeno pedaço de tecido, como ato de protesto,
para o seu “amigo” de trabalho, o também vereador Agamenon Sobral, que,
uns dias antes, tinha chamado uma mulher que queria casar sem calcinha
de vagabunda e dito que a mesma deveria “levar uma surra”!
Pois bem, por que mulheres sem calcinha merecem uma surra mesmo? Por
que mesmo minha vagina deve ficar 24 horas escondida em tecidos e
embebida em dezenas de produtos químicos que os ginecologistas já
cansaram de dizer que fazem mal? Um homem sem cueca por baixo da calça
causa tanto escândalo? Quantos de vocês já não viram o cofrinho do seu
amigo de trabalho no boteco ou quando ele senta na cadeira? Aquela calça
caída sem cueca por baixo que somos obrigados a ver todos os dias?
Enfim, isso tudo para a gente adentrar no assunto polêmico: cheiro de
buceta! O próprio nome “boceta” (aqui com a grafia correta) já designa
algo ruim: era o nome da Caixa de Pandora, onde estavam guardados todos os males do mundo. Parece com Eva, não?
Bucetas têm cheiro próprio, tem vida própria, e meu nariz anda meio
cansado de tanto cheiro de Dermacid, aroma de lencinho umedecido e
creminho “sensual” com cheirinho de bolo. Buceta tem cheiro de buceta,
ora essa! Algumas, quando o corpo está ovulando, exalam um agradável
cheiro de pimenta; outras, um aroma de raiz, maravilhoso, visceral e
telúrico. Na menstruação, vem o cheiro mais animalesco de todos, um
aroma sexual, profano e ameaçador! Ameaçador… deve ser daí, desse lugar
de descontrole, ameaça e selvageria, desse estandarte animalesco, que o
cheiro de buceta causa pavor desde que o mundo é cristão! E quem
repudia? A civilidade, a normatividade, a racionalidade machista e a
conduta moralista. Daí, o cheiro de buceta entrou no catálogo daqueles
lugares que são necessários silenciar, que aguçam emoções que não
conseguimos controlar, daqueles locais que mexem conosco e que arrebatam
o nosso instinto.
É preciso controlar, sufocar e domesticar a mulher e sua buceta com
cheiro de verdade, vísceras, poder, desenfreada e viva! Há uma
necessidade enorme de calar, com cheirinho chato de flor sintética ou
aroma de Dermacid, o que foi estruturado como original e primitivamente
sujo, imundo, pecador e devastador: a buceta da mulher. Vamos domesticar
as bucetas! Vamos impor a norma higienista sobre elas.
Meninos crescem achando que seus pintos são reis, que são perfeitos e
que aquilo é a coisa mais importante da vida e que vaginas servem,
apenas, para recebê-los. Meninas crescem tendo suas vaginas tapadas,
escondidas, sem permissão para tocá-las e aprendem que devem limpar
muito bem, porque ela é suja: use perfume para vagina, sabonete íntimo,
absorvente diário, gel perfumado, depile, limpe, tome muitos banhos,
passe lenço umedecido porque…. você é uma imunda, uma suja, uma
fedorenta! Há mulheres que nunca travaram um tête-à-tête com a própria
vagina, porque é feio demais mexer nela, né? Não é coisa de “moça
direita”! Mas meninos, desde pequenos, são estimulados a mexer no
próprio “bilau”.
Desde o finalzinho do século XIX, os cheiros dos corpos (daí vem a
sigla C.C.) passaram a ser sinônimo de sujeira e falta de higiene. Esse
novo paradigma foi lançado pelas marcas de cosmética e material de
higiene que começavam a surgir. A industrialização teve um papel
fundamental na concepção moderna sobre o cheiro da vagina. Mas apenas da
vagina! O pênis, o falo poderoso e pedestal do mundo patriarcal, ficou
fora dessa “sujeira inventada” sobre os corpos.
Convido você a procurar na farmácia perfume e sabonete íntimo,
lencinho de limpeza e gel perfumado para pênis! Será que pênis não tem
cheiro? Todo mundo aqui é bem grandinho e sabe que tem. Pênis tem cheiro
de pênis e, quando o cara não toma banho, tem um cheiro desagradável,
como qualquer parte do corpo. Assim, também é a vagina: toda “pepeka”
tem cheiro natural, e esse aroma não deveria ser considerado um atentado
à higiene ou algo nojento.
Entrei em muitos sites masculinos para pesquisar comentários, e a
maioria diz que “as mulheres fedem, são imundas (imunda é uma palavra
muito usada e, se você for perspicaz, vai sentir que ela faz menção,
indiretamente, ao pensamento moralista), e que suas vaginas fedem por
falta de higiene”. Bom, se a moça não tem nenhum problema ginecológico, a
vagina dela vai ter cheiro de corpo, vai ter cheiro de mulher e só. Se a
grande maioria dos machos anda sentindo cheiro ruim, a gente poderia
concluir, então, que todas as mulheres andam com problemas ginecológicos
ou que não tomam banho (e, alô, é Brasil… êta, povo que ama banho!).
Não, calma aí, amigo! Há algo de errado, sim, mas não em nossa saúde,
nem nos nossos números diários de banho, mas sim no pensamento
sociocultural sobre esse ser desconhecido, escondido e perturbador da
ordem, da moral e dos bons costumes, a pobre da vagina!
Já ouvi gente dizendo: “Ah, mas o cheiro da pepeka piorou muito por
causa da alimentação ruim, pois a comida hoje é mais industrializada.”
Sim, concordo, mas só as mulheres comem comida industrializada? Os
homens continuam comendo frutos e grãos, como no período Neandertal? Ah,
tá, não sabia! Todos nós mudamos de cheiro, e, mais uma vez, chamo a
sua atenção para o fato de que o “perfume peniano” continua sendo
assunto intacto.
Vaginas apresentam o cheiro do que está ocorrendo no corpo da mulher:
além dos aromas fisiológicos (ela tem bactérias e micro-organismos que a
protegem, o que é supersaudável e que, inclusive, todo esse arsenal
higiênico industrial e artificial agride), a vagina também mostra, para
os narizes mais treinados, se a mulher está menstruando, ovulando, se a
ovulação é forte ou fraca, se a mulher está com tesão ou não. A
lubrificação tem cheiro, o feromônio
também. A quantidade absurda de produtos de higiene que nos fizeram
acreditar que deveríamos usar também nos afasta dessa concepção olfativa
do sagrado feminino e do reconhecimento dos nossos ciclos.
A enorme quantidade de cheiros sintéticos nos produtos higiênicos,
além de corromperem a flora e gordura natural da vagina, afastou a
mulher de reconhecer o seu próprio organismo, perdendo a capacidade de
detectar doenças, saber se o seu feromônio lhe diz algo, antever a
menstruação e a ovulação. Perdemos o contato! Se “My pussy é o poder”*, o
patriarcado, aliado a essa corrida industrial e artificial, corroborou
para que a mulher se afastasse cada vez mais de sua autônoma sabedoria
sobre o próprio corpo, principalmente em relação ao cheiro da vagina.
Sabemos, pela medicina holística e popular, do poder da vagina como
centro de energia e gerador, não só de bebês, mas do processo criativo
da mulher. Então, mulheres, como recuperar a sua vagina e não ter mais
problemas com o cheiro dela? Respeitando-se, em primeiro lugar, sabendo
que você não é suja (“sujo” enquanto algo sempre ligado à questão
moral), que seu corpo tem cheiro e que ele é um medidor da sua saúde e
de suas vontades. Você não precisa se depilar tanto ou se depilar, não
precisa dormir de calcinha nem usá-la durante o dia, caso você sinta que
sua vagina precisa respirar. Está com candidíase? Calcinha para quê?
Não acredite em todo aquele arsenal de guerra que a farmácia impõe
contra a sua “pepeka”. Use tudo o mais natural possível, com menos
corante e menos cheiro. Chega de tanto absorvente e lencinho, liberte-se
disso tudo, liberte a sua vagina! Deixe que ela exale o seu perfume
natural. Não oprima o seu poder e o perfume da sua essência. Eu te
afirmo: você não é suja nem imunda e também não tem “cheiro de
bacalhau”. Se está tudo certo, ginecologista em dia e banho tomado,
deixa a sua vagina em paz! Ela é sua amiga, e não uma vergonha, como te
fizeram acreditar!
Imagem: www.oseubemestar.com.br
*Título da música do grupo Gaiola das Popozudas
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