O fim da supremacia do 'mundo branco'


por Patricia Teixeira Santos
Este ano podemos dizer que se sente um peso no ar e na vida de cada um. Por mais que nos sintamos longe geograficamente dos problemas, algo mudou e nos leva coletivamente a espasmos, insultos, revoltas e lágrimas. Não existe mais porto seguro, ou um 'lugar certo para migrar', uma 'terra sem males' ou um paraíso sem pessoas pobres, não brancas e diferenciadas. Existe um mundo e diversas sociedades que se sentem, querendo ou não, conectadas. Não existe mais para aqueles que são nascidos no chamado ' sul do mundo' um norte pleno de riqueza, beleza, glamour, modernidade e sucesso. Os campos de refugiados que víamos nas guerras que ocorriam 'lá longe: Biafra, Vietnam, Uganda, Moçambique, Ruanda, Burindi', não estão só no ' sul do mundo', mas são vizinhos e se sobrepõem como camadas do desengano, nas ruas, vielas e casas abandonadas dos países do norte que se acreditavam inexpugnáveis a pobreza, que era localizada geograficamente no terceiro e sul mundo.
Os refugiados são de todas as cores e se parecem com nossos filhos, sobrinhos, com aqueles que são de pele clara, pele escura, que usam roupas de marcas que conhecemos, cortes de cabelo que muitas vezes já fizemos, mas que também são de outras religiões que não conhecemos, e por isso tememos.

O mundo ficou menor, o desespero e abandono fizeram as águas dos mares do norte do mundo se inundarem de pessoas afogadas na legitima defesa da auto preservação.

Não há mais éden na Terra, nem lugar protegido de tudo que não se gosta ou não se quer por perto. ' Tudo misturou' nas ruas, nos bares, nas Igrejas. Mestiçou-se os espaços públicos, os lugares de afetos, a paisagem urbana e o olhar treinado para a indiferença precisa voltar a ver para não despencar nos oceanos da desesperança.

Os fatos mostram que o mundo organizado geopoliticamente na abundancia de poucos que viviam a ilusão de um bem estar social político e econômico em detrimento de uma maioria no subdesenvolvimento ruiu, melhor afundou nos oceanos de uma nova consciência. A de que o mundo é mestiço, plural e multi religioso e transcultural. Isso não é uma tragédia, mas é uma transformação da nossa forma de ser na Terra, e isso não tem mais volta.

O mundo dicotômico baseado na supremacia da raça branca, da cultura ' branca', da religião dos 'brancos' ruiu. Não é mais possível pensar na sustentação de tal assimetria. Muito se resistirá a essa mudança, isso é certo. Mas as próprias sociedades humanas construíram essa transformação. Não há mais espaço para 'governos invisíveis' como dizia Kwame N' Krumah, que super acumulam capitais em detrimento dos regimes democráticos e dos povos.

Esse mundo ruiu. É uma decadência que avança, sem retorno, mas que que inaugura uma nova forma de se pensar a Historia e as dinâmicas sociais. Os caminhos novos que surgem não é de aumentar a 'ajuda para os pobres' - do jeito que está a pobreza é um mecanismo que se auto reproduz incessantemente. É preciso vir a consciência de um novo pacto mundial pela Paz, onde o desenvolvimento precisa ser partilhado de forma equitativa e junto com isso é preciso reconhecer a pluralidade da vida e das experiencias sociais, afetivas, sexuais e religiosas dos seres humanos neste mundo. Civilização precisará ser agora o bem comum construído na riqueza da diversidade e na valorização positiva da mesma. Não há mais espaço neste mundo para países que vendem tecnologias da morte e que ao mesmo tempo fazem o combate ao Terror. Não existe gente isolada. O que temos é a nossa humanidade.'
Artigo divulgado na Lista História da África da ANPUH em 20.09.2015

Comentários