Projeto institui cotas raciais no serviço público de Santa Catarina,

Projeto de Lei nº


Fica assegurado aos negros e aos indígenas percentuais das vagas oferecidas nos concursos públicos efetuados pela administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado de Santa Catarina, para provimento de cargos efetivos.


                                     Art. 1º Fica assegurado aos negros e aos indígenas,  no mínimo,  20%  das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos da administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes e Órgãos Públicos do Estado de Santa Catarina.


§ 1º A fixação dos percentuais referidos no “caput” incidirá sobre o total de vagas disponibilizadas no edital de abertura do concurso público e se efetivará no processo de nomeação.


§ 2º Preenchidas as vagas reservadas no edital de abertura, caso a administração ofereça novas vagas durante a vigência do concurso, deverá ser respeitado o percentual calculado na forma desta Lei.

§ 3º Quando o número de vagas reservadas aos negros e aos indígenas resultar em fração, arredondar-se-á para o número inteiro imediatamente superior, em caso de fração igual ou maior a 0,5 (zero vírgula cinco), ou para o número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (zero vírgula cinco).

§ 4º A observância do percentual de vagas reservadas aos negros e aos indígenas dar-se-á durante todo o período de validade do concurso e aplicar-se-á a todos os cargos oferecidos. Deve-se aplicar as mesmas regras nas chamadas para admissão dos candidatos que ficarem no cadastro de reserva, havendo alternância na chamada para admissão dos classificados pelo concurso tradicional e aqueles aprovados pelo concurso que estabelece a reserva de vagas.

Art. 2° - O acesso dos candidatos à reserva de vagas obedecerá o pressuposto do procedimento único de seleção.

Art. 3° No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput do artigo 1º, aquelas remanescentes deverão ser completadas por candidatos do concurso tradicional na respectiva ordem de classificação.

Art. 4° - Para efeitos desta Lei Complementar, considerar-se-á negros e indígenas aqueles que assim se autodeclararem e que, pelo fenótipo, são assim vistos e reconhecidos como tal pela sociedade.

Parágrafo Primeiro - As informações fornecidas pelos candidatos são de sua inteira responsabilidade e ficarão registradas em suas fichas de inscrição do concurso público.

Parágrafo Segundo: A poder discricionário, a fim de evitar possíveis fraudes, poderá a Administração Pública que deflagrou o certame, prever no edital, mecanismos de controle e apresentação de prova da condição dos candidatos que são negros e indígenas.

Art. 5º - Detectada a falsidade na declaração a que se refere o artigo anterior, sujeitar-se-á o infrator as penas da lei e ainda:

I - se candidato, a anulação da inscrição no concurso público e de todos os atos daí decorrentes.

II - se já nomeado no cargo efetivo para o qual concorreu na reserva de vagas aludidas no art. 1°, utilizando-se da declaração inverídica, à pena de anulação da nomeação;

III - se já empossado e/ou em efetivo exercício no cargo efetivo para o qual concorreu na reserva de vagas aludidas no art. 1°, utilizando-se da declaração inverídica, à pena de demissão;

Parágrafo único - Em qualquer hipótese, ser-lhe-á assegurada ampla defesa.

Art. 6° - As disposições desta Lei não se aplicam aqueles concursos públicos cujos editais de abertura foram publicados anteriormente a sua vigência.

Art. 7º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Sala de Sessões,


Bancada do Partido dos Trabalhadores
      Dep. Ana Paula Lima - Líder




JUSTIFICATIVA

   Há dez anos algumas universidades públicas estaduais e federais passaram implementar políticas públicas de ação afirmativas, por meio do sistema de cotas, para ingresso de estudantes negros e indígenas no ensino superior brasileiro. Desta forma, o Brasil começou a dar os primeiros passos daquela que é uma longa caminhada para a redução da desigualdade racial entre brancos, negros e indígenas, que impacta negativamente, há séculos, esses dois últimos grupos étnico-raciais, em vários aspectos da suas vidas, especialmente, no campo educacional, cultural e profissional.

O sistema de cotas está alterando a composição racial das universidades públicas brasileiras. Essas historicamente foram e têm sido um locus reservado para os filhos das classes médias e ricas do país, em sua maioria absoluta composta por cidadãos brancos, mas que em função desse sistema está começando a ser um espaço mais diversificado, onde os filhos de trabalhadores estão começando e devem frequentá-lo. Políticas públicas implementadas por meio do sistema de cotas, que reserva percentuais de vagas aos negros e indígenas, mexem com a estrutura social e com os privilégios arraigados na sociedade brasileira, razões pelas quais esse sistema foi duramente criticado pelos setores mais privilegiados da nossa sociedade.

Em decisão unânime e histórica, no dia 26 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF), considerou o sistema de cotas raciais não somente legítimo, mas legal, ou seja, constitucional. Conforme a ministra Carmen Lúcia, ministra do STF e uma das autoras especialistas em políticas de ação afirmativa: "Verifica-se, na Constituição de 1988, que os verbos utilizados na expressão normativa — construir, erradicar, reduzir, promover — são verbos de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. (...) Somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o direito, possibilita a verdade do princípio da igualdade que a Constituição Federal assegura como direito fundamental de todos"[1].

O também ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, em seu voto que aprovou o sistema de cotas, não somente ratificou que as políticas de ação afirmativa são constitucionais, como deu exemplos concretos das suas técnicas de implementação abrigadas na Constituição brasileira. Conforme o ministro Marco Aurélio de Mello, a Constituição brasileira

(…) agasalha amostragem de ação afirmativa, por exemplo, no artigo 7º, inciso XX, ao cogitar da proteção de mercado quanto à mulher e ao direcionar à introdução de incentivos; no artigo 37, inciso VIII, ao versar sobre a reserva de vaga  – e, portanto, a existência de quotas  –, nos concursos públicos, para os deficientes; no artigo 170, ao dispor sobre as empresas de pequeno porte, prevendo que devem ter tratamento preferencial; no artigo 227, ao fazê-lo também em relação à criança  e ao adolescente (Mello, 2012: 08)[2].

 Ação afirmativa essa que não somente é reconhecida pela STF, mas que é proposta e regulamentada pela Lei 12.228, de 20 de julho de 2010 (Lei nº12.288, de 20 de julho de 2010), o Estatuto da Igualdade Racial, que no seu artigo quarto, e incisos, estabelece que:

“Art. 4o  A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
(...)
II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;
(...)
VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
Parágrafo único.  Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.”

Estatuto esse que foi debatido por dez anos no Congresso Nacional, chegando-se ao consenso de que as políticas de ações afirmativas devem ser uma obrigação do Estado brasileiro. Obrigação essa que já tinha sido aceita e ratificada pelo nosso país, quando foi um dos principais protagonistas e signatários da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, África do Sul, no ano de 2001. Reconhecendo a necessidade urgente de se traduzir os objetivos da Declaração em um Programa de Ação prático e realizável, os participantes da Conferência, entre eles o Brasil, assinaram o Programa de Ação que:

99. Reconhece que o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata é responsabilidade primordial dos Estados. Portanto, incentiva os Estados a desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, equidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todos. Através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias afirmativas ou positivas; estes planos devem visar a criação de condições necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o exercício dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da vida com base na não-discriminação. A Conferência Mundial incentiva os Estados que desenvolverem e elaborarem os planos de ação, para que estabeleçam e reforcem o diálogo com organizações não-governamentais para que elas sejam intimamente envolvidas na formulação, implementação e avaliação de políticas e de programas;
100. Insta os Estados a estabelecerem, com base em informações estatísticas, programas nacionais, inclusive programas de ações afirmativas ou medidas de ação positivas, para promoverem o acesso de grupos de indivíduos que são ou podem vir a ser vítimas de discriminação racial nos serviços básicos, incluindo, educação fundamental, atenção primária à saúde e moradia adequada[3].

Portanto, há não somente leis nacionais, tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que têm força de lei, assim como a decisão supracitada do STF, que orientam e, alguns casos, determinam a implementação de ações afirmativas para grupos étnico-raciais discriminados, como indígenas e negros.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, precisamos transformá-lo, uma vez que é um dos setores onde o preconceito e a discriminação raciais contra os trabalhadores negros e indígenas mais se manifestam. Segundo o Instituto de Pesquisa Aplicadas (IPEA), mesmo que os negros tenham  a mesma escolaridade que os brancos, especialmente à medida que se avança nos estratos sociais superiores, as desigualdades salariais entre esses dois grupos raciais permanecem e em alguns casos até aumentam, em função do racismo. Por exemplo, o rendimento médio dos homens negros é 78,6% do total do rendimento dos homens brancos. Não bastasse isso, a taxa de desemprego das mulheres negras é de 12,6 %, mas a das de mulheres brancas é 9,3%.

Deve-se lembrar que ações para redução das desigualdades raciais no mercado de trabalho são diretrizes do já citado Estatuto da Igualdade Racial, que no seu Capítulo V, do Trabalho, artigo 39, afirma que: “O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas”.

Pelas razões expostas, faz-se necessário a implementação de reserva de vagas para negros, 20%, e indígenas, 10%, nos concursos públicos para provimento de cargos da administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes e Órgãos Públicos do Estado de Santa Catarina.

Cabe relembrar que o Estado de Santa Catarina é o único da Região Sul que ainda não adotou nenhuma medida de ação afirmativa para rever a desigualdade do mercado de trabalho e promover a inclusão dos negros no serviço público estadual. O Paraná foi um dos estados pioneiros na implantação deste tipo política pública, por meio da Lei 14.274, de 24 de dezembro de 2003. Desde então, 10% das vagas em concursos públicos desse estado têm sido reservadas para a população negra. Em 19 de dezembro de 2012, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou por unanimidade a Lei 14.147, que reserva  de vagas nos concursos públicos para negros, em percentual equivalente a sua representação na composição populacional do Rio Grande Sul, apurada pelo censo realizado pelo IBGE.

Por último, mas não menos importante, o parecer do Procurador-Geral do Rio Grande do Sul, Carlos Henrique Kaipper, demonstra que as diferenças de oportunidades no mercado de trabalho são fundadas em critérios de discriminação racial. Segundo ele: “São inúmeros os estudos que apontam que afrodescendentes são preteridos nas contratações e, quando contratados, de regra com menor remuneração em relação a não negros, ainda que apresentem melhor qualificação. A ocupação de vagas de trabalho, seja no serviço público, seja na iniciativa privada, está longe de traduzir a composição étnico-racial do país, o que não é diferente no nosso Estado”[4].

Concluindo, os estados do Paraná (PR) e do Rio Grande do Sul (RS) estão trabalhando para amenizar as desigualdades raciais no mercado de trabalho, especialmente no serviço público, com vistas a se ter uma representação da composição étnico-racial mais realista dos respectivos estados. Santa Catarina não pode ficar alheia às mudanças e avanços sociais que vêm ocorrendo na Região Sul, menos ainda a essa justa demanda social. Mas o nosso estado deve avançar mais, especialmente aprovando esta reserva de vagas para negros e indígenas.  Este é o momento mais propício de se buscar equalização das desigualdades entre as populações brancas, amarelas, negras e indígenas, e de se promover um serviço público que expresse a diversidade étnico-racial dos catarinenses, mas também seja igualitário racialmente.

Bancada do Partido dos Trabalhadores
Dep. Ana Paula Lima - Líder


[1]              Extraído de: Igualdade racial no mercado de trabalho  http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=18182&Itemid=75 (grifo nosso).
[3]              IIICMCRDRXIC apud MOURA, Carlos Alves; BARRETO, Jônatas Nunes. A Fundação Cultural Palmares na III conferência mundial de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. Brasília: Fundação Cultural Palmares (FCP), 2002.

[4]              Extraído de Cotas raciais no serviço público http://www.rs.gov.br/noticias/1/103126/Cotas-raciais-no-servico-publico,-por-Carlos-Henrique-Kaipper/4/269//

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