Kamran Karami.Irã e o Diálogo de Manama. Irã Nuances, 09 de novembro de 2025.
O Diálogo de Manama, realizado de 31 de outubro a 2 de novembro, colocou mais uma vez a dinâmica entre o Irã e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) no centro do debate político regional. As declarações dos ministros das Relações Exteriores árabes sobre como se engajar com seu vizinho do norte ressaltaram um crescente reconhecimento da diplomacia em detrimento do confronto. O ministro das Relações Exteriores de Omã, enfatizando a importância de um engajamento construtivo com a República Islâmica do Irã, conclamou os membros do CCG a adotarem políticas baseadas no diálogo com Teerã e com outros Estados há muito percebidos como rivais. Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores do Bahrein, anfitrião desta vigésima primeira sessão do fórum, enfatizou que a verdadeira segurança regional exige uma cooperação sustentada e sincera entre os Estados. Ele acrescentou que a resolução da questão nuclear iraniana por meios diplomáticos continua sendo essencial para alcançar a estabilidade regional.
Essas declarações ressoam em um padrão mais amplo de normalização gradual das relações Irã-Árabes nos últimos três anos. O tom desse engajamento é especialmente significativo em meio à incerteza que se seguiu ao recente conflito de doze dias na região. Contudo, uma dimensão mais fundamental e talvez subestimada dessa mudança pode ser encontrada no Documento de Visão de Segurança Regional do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), divulgado em março de 2024. Essa estrutura de 15 páginas serve como um roteiro para a compreensão coletiva do Conselho sobre ameaças, oportunidades e cursos de ação compartilhados em um mundo cada vez mais complexo e multipolar.
Pilares Fundamentais da Visão de Segurança
O documento descreve quatro princípios fundamentais que norteiam a abordagem de segurança do GCC.
Segurança Integrada e Indivisível:
Essa visão enfatiza que a segurança no Golfo Pérsico é coletiva e interconectada – uma ameaça a um membro constitui uma ameaça a todos. Esse princípio visa institucionalizar um mecanismo de resposta coordenado em todo o bloco.
Uma fusão de ameaças tradicionais e emergentes:
Além das preocupações convencionais, como terrorismo, rivalidades regionais e tensões com o Irã, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) agora reconhece formalmente questões como segurança energética, segurança marítima, resiliência cibernética e mudanças climáticas como prioridades estratégicas.
Diplomacia aliada à dissuasão:
O quadro exige o fortalecimento das capacidades de defesa e dissuasão em paralelo com uma diplomacia regional e internacional proativa. Defende o aproveitamento de instrumentos políticos e econômicos para sustentar a estabilidade e reduzir a dependência do confronto militar.
Segurança global centrada em energia e comércio:
Reconhecendo o papel fundamental do Golfo Pérsico nos mercados globais de energia, o documento prioriza rotas marítimas seguras e cadeias de suprimento de energia, juntamente com a cooperação internacional contínua.
Envolvimento com o ambiente externo
A visão do CCG define seu engajamento com o mundo exterior em três níveis — periférico, regional e global — destacando quatro dimensões principais.
Unidade simbólica, porém pragmática
Embora o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) apresente uma imagem formalizada de coesão, os Estados-membros continuam a seguir estratégias nacionais distintas. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estão acelerando as reformas internas e a modernização militar; o Catar e Omã enfatizam a mediação e a diplomacia discreta; enquanto o Kuwait e o Bahrein ocupam uma posição intermediária. O resultado é uma postura híbrida — externamente unificada, mas internamente diversa — visível no contraste entre os comunicados conjuntos do Conselho e as ações divergentes de seus membros.
Equilíbrio ativo entre as potências globais
A estratégia atual do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) de “equilíbrio ativo” reflete uma perspectiva multipolar. Busca manter os laços tradicionais de segurança com os Estados Unidos, ao mesmo tempo que expande o engajamento econômico e tecnológico com a China e a Rússia, e mantém relações políticas com a Europa. As recentes cúpulas do Conselho com parceiros da Ásia Central, da ASEAN, da UE e do Caribe exemplificam essa busca por alinhamentos diversificados.
Ênfase na resiliência doméstica
Diante de um cenário internacional instável, os Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) adotaram duas estratégias principais: primeiro, investimentos significativos em diversificação econômica e modernização da infraestrutura nos setores digital, turístico e financeiro; e segundo, a proteção dos fluxos de energia e das rotas comerciais. O documento define essas estratégias como pilares essenciais para a resiliência e a estabilidade a longo prazo.
Ampliando as parcerias regionais
Talvez o aspecto mais transformador – particularmente relevante para o Irã – seja a ênfase na expansão de parcerias regionais com estados vizinhos e organizações regionais. Isso sinaliza uma mudança de postura, passando de uma abordagem defensiva para uma formulação ativa de políticas regionais. Contudo, o sucesso prático dessa abordagem dependerá da construção de confiança e da resolução de disputas intrarregionais.
Desafios e restrições
Apesar de suas amplas ambições, a visão do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) enfrenta significativas restrições estruturais e políticas. A confiança mútua entre os membros permanece limitada, e as rivalidades intrabloco, os alinhamentos bilaterais e a dependência de potências extrarregionais continuam a minar a coesão. Além disso, embora o documento articule metas e prioridades, carece de mecanismos operacionais claros, como estruturas de comando conjuntas, orçamentos integrados ou marcos institucionais para a tomada de decisões coletivas. Consequentemente, a gestão das tensões permanece uma prioridade essencial à medida que a incerteza regional se aprofunda.
Gerenciando as relações com o Irã
Nesse contexto em constante evolução, a gestão das relações com o Irã ocupa uma posição central. Diferentemente das décadas anteriores, a percepção sobre o Irã tornou-se mais matizada. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, após mais de duas décadas de relações tensas, agora veem o engajamento com Teerã como parte de uma estratégia de diversificação mais ampla, que abrange dimensões políticas e econômicas. Essa reavaliação está alinhada a uma tendência regional que prioriza a previsibilidade, a cooperação marítima e a segurança das rotas energéticas – todas vinculadas à transformação econômica e à adaptação climática.
Partindo dessa mudança, medidas práticas de fomento da confiança – como fundos de investimento conjuntos, intercâmbio limitado de informações de defesa, exercícios marítimos cooperativos e colaboração em questões emergentes como a segurança ambiental – poderiam fornecer uma base para a construção gradual da confiança. No entanto, o sucesso dessas medidas depende igualmente da postura regional do Irã. As propostas anteriores de Teerã para iniciativas de segurança regional demonstram intenção, mas o progresso concreto exige sensibilidade às prioridades e preocupações dos membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e disposição para se alinhar a estruturas regionais mais amplas.
Para o Irã, integrar sua abordagem a uma arquitetura regional abrangente que vá além de suas parcerias tradicionais com o Iraque, Omã e Catar poderia abrir novos caminhos de cooperação. Participar de uma estrutura multilateral mais ampla, que inclua a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Egito, a Turquia e o Paquistão, permitiria ao Irã se posicionar como um ator construtivo dentro de uma ordem regional compartilhada.
Em última análise, a Visão de Segurança Regional do CCG representa um passo significativo rumo à articulação de uma linguagem coletiva para abordar os complexos desafios do Golfo Pérsico. Ela oferece tanto uma oportunidade quanto um teste para que os atores regionais superem as rivalidades históricas e caminhem rumo à gestão cooperativa de um futuro incerto. O diálogo contínuo, a diplomacia pragmática e a institucionalização gradual da cooperação continuam sendo fundamentais para transformar essa visão de um plano político em uma realidade operacional.
Autor
O Dr. Kamran Karami possui doutorado em Relações Internacionais e atualmente é pesquisador visitante no Centro de Estudos Estratégicos do Oriente Médio. Ele se especializa na dinâmica política e de segurança da Península Arábica e é autor de diversas publicações sobre o tema. Suas áreas de interesse incluem os desafios e prioridades estratégicas da Arábia Saudita em 2023, o papel do salafismo na região e a política externa de Riad em relação a Teerã.
Fonte: https: irannuances.com
Comentários