Eleições no Equador: venceu a democracia? Por Mariana Schlickmann e Paulino Cardoso


Guillermo Lasso comemora a vitória nas eleiçoes presidenciais. Foto Gerardo Menoscal/Getty Imagem.

Recentemente, a esperança de uma Maré Rosa a embalar os ares latino-americanos levou um susto. Contra todos os prognósticos, Guillermo Lasso, banqueiro, conservador e neoliberal, ganhou as eleições presidenciais.

A imprensa corporativa ocidental saudou o resultado como mais uma derrota do Correismo e do seu líder, Rafael Correa, vítima de lawfare e exilado na Bélgica. Como dizem, o país ansiava por paz e tranquilidade e segurança jurídica para enfrentar a crise econômica e a Pandemia de Corona Vírus.





Mesmo assim, temos dificuldade de compreender como parte significativa da classe trabalhadora equatoriana, após anos de ação desastrosa de Lenin Moreno, que ganhou as eleições apoiado na Revolução Cidadã e por Rafael Correa. Moreno que após a vitória sobre Guillermo Lasso em 2017, rompeu com ex-presidente e não apenas implementou uma política econômica  antinacional, neoliberal e pró-Império estadunidense, como, articulado a juristocracia iniciou uma gigante perseguição jurídica aos seus antigos aliados.

Como setores populares deixaram de se reconhecer em André Arauz, como Fernando Haddad no Brasil, um professor e economista, portador de um discurso nacionalista e optaram, ao contrário por  um banqueiro, um candidato claramente apoiado pelo do Imperialismo estadunidense, que dará continuidade ao neoliberalismo?
Leia-se: venda das riquezas do país, desmonte da Seguridade Social e alinhamento automático a política estadunidense para a América Latina.
 
Acreditamos que deveríamos agregar a estas análises, os limites da política identitária, que foi incorporada pelo candidato Yaku Perez, e, igualmente, por lideranças da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador, CONAIE. Estes, derrotados no primeiro turno, puxaram o voto nulo nas eleições de segundo turno. Onde há manipulação da identidade, lá poderemos ver as digitais do Império humanitário.


Apoiadores de Yaku Perez fazem campanha pelo voto nulo. Foto Jonny Gambana.

Um segundo elemento importante a considerar é: como pôde o candidato vitorioso na primeira volta, terminar derrotado por quase 500 mil votos?

O termo que falta: Guerra Híbrida, tão bem discutida por Andrew Korybko (xpressaopopular.com.br/loa/produto/guerras-hibridas-livro-digital/), analista político estadunidense, de origem polonesa radicada em Moscou, Federação Russa. Nesta estratégia militar não é preciso, necessariamente colocar soldados em campo. Mas concentrar-se em ações  desestabilização política com foco na promoção de mudanças de regime, como ocorreu na Bolívia em 2019, ou antes na Líbia em 2011, Ucrânia em 2014, Brasil em 2016.

No caso equatoriano, muito semelhante ao Brasil de 2018, trata-se de explorar cisões no interior da sociedade, promovendo uma ficção, na qual os setores progressistas e nacionalistas são vistos como corruptos, malfeitores e autoritários. De um lado emerge um sentimento anticorreista, ou antipetista, entre aqueles que se identificam com a oposição, de outro, empurram parte dos descontentes para a desilusão com a luta política, apresentada como reação positiva a falta de legitimidade dos candidatos.

No caso equatoriano, isso permitiu que Guillermo Lasso vencesse uma corrida presidencial por 52,48% dos votos válidos em uma eleição em que mais 16% dos votantes, cerca de 1.660.000 eleitores optaram pelo voto nulo (dados de Resumen Latinoamericano).

Tais resultados que também se expressaram no BREXIT no Reino Unido e na eleição de Donald Trump nos EUA. O que chama a atenção são as estratégias bélicas baseadas em ciberguerra, voltadas para interferência política no processo eleitoral via da Internet, através das redes sociais. Dados pessoais são segmentados e explorados de modo a gerar descontentamento,  movimentos de massa. 

Essa foi a especialidade da Cambridge Analytica, na qual ex-funcionários como Brittany Kaiser (https://www.hypeness.com.br/2020/01/novo-vazamento-da-cambridge-analytica-aponta-eleicoes-manipuladas-em-escala-industrial/), reconheceram a atuação perniciosa da empresa em 68 países, manipulando cerca de 87 milhões de perfis individuais no Facebook.

Brittany Kaiser, ex-funcionária da Cambridge Analytica

Curiosamente, o candidato portador de uma identidade clama por voto nulo, dissemina a desesperança nas pessoas,  fazendo-as  acreditar que a é política ruim, uma prática suja, sinônimo de corrupção e que nenhum político presta. Portanto, não vale a pena a votar porque nada vai mudar. Na dúvida, assistam Snowden (EUA, 2016), dirigido por Oliver Stone, e Privacidade Hackeada (EUA, 2019), de Karim Amer e Jehane Noujaim.

Derrotas como as que aconteceram no Equador apontam para a necessidade de forças progressistas e nacionalistas repensarem suas estratégias de poder, problematizando a centralidade da luta institucional, levando em consideração as ações de desestabilização e, como em Bolívia e Venezuela, na importância da mobilização popular para garantia de avanços sociais e na gestão democrática dos governos. Mais do que consumidores, precisamos de cidadãos que se ponham a sentar na mesa para decidir sobre o seu destino. Um governo do povo e não para o povo.


Por Mariana Schlickmann e Paulino Cardoso
Historiadores e Analistas geopolíticos

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