Lutar contra colonialismo, unificar a diáspora:os desafios do Movimento Negro no século XXI.

Vire e mexe, alguma pessoa, provavelmente exausta, compara os êxitos dos afro-americanos com as nossas desventuras e concluem que o movimento negro estadunidense é mais forte que o brasileiro.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que existem dois mundos nos EUA. Uma coisa é o Norte e outra o Sul. Segundo, a política de encarceramento em massa nos EUA, começo no outro dia do processo de reconstrução, e permitiu aos brancos manter a população afro dependente, inclusive fazendo largo uso do trabalho forçado, tendo milhões de encarcerados (pretos e latinos), como ameaça constante. Três, os EUA não enfrentaram duas ditaduras ferozes em sua vida Republicana, nós sim. Quarto, eles são um grupo minoritário, só relevantes realmente no Sul, onde não está a riqueza e hegemonia nos EUA.

Por mais que seja relevante do ponto de vista simbólico, a junção preto + pardos produz uma ilusão numérica,  os pardos, no sentido político do termo, gente não branca que constrói sua identidade desejando o que os brancos tem e os brancos não deixam, amam os brancos, limpam a barriga, desejam o reconhecimento dos brancos, ou seja, são os assimilados coloniais, estes não são nossos, se aproximam de nós como vantagem competitiva.

Inclusive, muitos de nós defenderam as políticas de ação afirmativa na esperança que os pardos se unissem a nós. Ledo engano, na universidade, a maioria, ingrata, morre de medo de ser reconhecido como negro e cotista. Buscam desesperadamente se enturmar com seus amiguinhos brancos e lembram de nós apenas quando por algum motivo são lembrados que não iguais . Como dizem nossos amigos judeus, "quando você se esquecer que é um judeu, um goy vai te lembrar disso.
Por favor, não me confundam com esses coloristas. Não se trata de fenótipo, mas de opção política e identitária.Nas comissões de verificação, além dos brancos fraudadores, vocês não tem ideia da infinidade de pessoas mais escuras que eu e se classificam como pardos.

Em minha opinião, não se trata de força, mas de método. Os grandes lideres estadunidenses são cristãos e a comunidade se organiza em torno da Igreja, seus encontros dominicais. 

Nós, militantes do século XXI,   parecemos o Congresso Nacional Africano na juventude de Mandela, vivemos a escrever notas, fazemos militância nas redes sociais, e poucos de nós estamos organizando os miseráveis, trabalhando nas unidades prisionais, entre outros.

Eu mesmo, por 15 anos investi, na minha fé nos brancos de esquerda do Partido dos Trabalhadores, em uma política institucional, construímos conselhos, organizamos normas, negociamos mudanças re-presentamos nos mais diferentes espaços, sem forjar uma exercito que nos sustentassem. Tivemos um governo para nós e não conosco. Muitos se contentando em ser ongzados, ganhando migalhas na terceirização de política pública considerado por nossos chefes, pouco relevantes. A nossa presença nos espaços do executivo, no controle social e assessoria parlamentar, não significou empoderamento da nossa comunidade. Reparem, que não citei o Judiciário, pois seus dirigentes foram "escolhidos" por ´merito e deu no que deu, explodiram como um celeiro de golpistas

Hoje sabemos que trinta anos de conquistas foram varridas com um golpe de Estado, pois nossos amigos brancos de esquerda recusaram-se a nos ouvir (regulamentação da mídia, mudança na política de guerra as drogas, desmilitarização das polícias, reforma política e do judiciário).

Nós fizemos muito, mas os brancos, na sua versão de esquerda continuaram dando as cartas, e nós não realizamos, a partir de uma diálogo com os miseráveis, nossa revolução anticolonial. 
Existem muitos avanços para os afros no EUA, a primeira universidade negra é de 1833, desde que se limitem a uma cartilha liberal.

Nós precisamos muito mais. A pergunta é quem está disposto a pagar o preço? Quem está disposto a romper com nossos opressores? Quem está disposto a morrer por isso? 
Esta é a encruzilhada que nos encontramos. Nossa política precisa organizar os 12% de pretos. Mobiliza-los, forma-los, disciplina-los de modo se tornar uma força política relevante e agressiva. Afinal, pela primeira vez na história republicana, os brancos saíram as ruas exigindo a nossa volta para as senzalas, cansaram de nos ver nos aeroportos, na fila do açougue para comprar picanha, ou um simples, "por esse valor eu prefiro ficar em casa."

Portanto, seu ódio é expressão dos limites que estavam dispostos a negociar. Nós temos que nos preparar para enfrenta-los e superá-los. 

Necessitamos nos tornar uma força política relevante nacional e internacionalmente, capaz de receber apoios em inteligencia, treinamento, e se necessário armamento. O mundo mudou, tornou-se multipolar e seu futuro está sendo discutido nos caminhos da rota da ceda (Um cinturão, uma estrada) e nos campos de batalha na Síria

Diferente da Venezuela, onde muitos serviços públicos são gratuitos,  que organizou uma força militar nova, a GNB e é capaz de mobilizar 500 mil pessoas armadas, a partir da células comunitárias, presentes nos grotões do país, e que recebeu apoio da China e da Russia (Maduro  conversou com o Irã), nós progressistas brasileiros não recebemos apoio internacional algum. 

A esquerda branca, mui representada por Dilma Rousseff,  foi protestar nos EUA, Alemanha , Portugal e França, os países que ganharam com o golpe.Só veem como interlocutores os seus ancestrais, os gauleses. 

Nós temos que mudar esse jogo, disputar com as igrejas evangélicas o coração e as mentes da nossa gente. Ultrapassar nossas fronteiras e mobilizar a diáspora em todas parte, inclusive no Sul dos EUA, a periferia do centro.

Acredito que toda uma geração, hoje na faixa dos 50 anos ou mais, que cresceu no interior da burocracia partidária, apoiada na filantropia internacional e , hoje ciosa da sua condição de classe média, precisa dar lugar a uma liderança, oriunda juventude rural e periférica, que não tem nada a perder, que tenha disposição para alcançar os objetivos, ou morrer tentando.O medo da morte nos paralisa ( impossível esquecer Mandela "a coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele.), mas neste instante 726 mil pessoas dormem nas masmorras desses pais, a maioria preta, jovem e provisória, sem condenação, neste anos dezenas milhares pereceram de mortes violentas. 

O golpe nos libertou das ilusões da democracia liberal e nos deu a oportunidade de construirmos o processo de emancipação que não se completou desde os tempos da luta contra escravidão. 
Como vimos, não basta ganhar eleições, indicar novos dirigentes para as instituições, precisamos transforma-las. Como nossos irmãos sul-africanos, vimos chegar ao fim o sonho da sociedade arco-iris, é chegada a hora de por fim a nossa herança colonial.

Florianópolis, 18 de janeiro 2018

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