Uma cartinha para a Diretora Geral do Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED/UDESC

Florianópolis, 16 de agosto de 2010.

Ofício nº 255/2010

“O que me preocupa não é o grito dos maus. Mas o silêncio dos bons!”
Martin Luther King

Senhora Diretora,

Com as minhas cordiais saudações, sirvo-me deste para lamentar um fato triste. Recentemente, fui informado pelas minhas estudantes do NEAB/UDESC, sobre o evento Entre Temas: Pedagogia em Ação, atividade do Departamento de Pedagogia, financiada com recursos do Programa de Apoio ao Ensino de Graduação e coordenada pelas professoras Denise Soares Miguel, Alba Regina Battisti de Souza, Zenir Maria Koch, os professores Lourival José Martins Filho e Adilson de Angelo, entre outros.
Para minha surpresa, quando li a programação do evento deparei-me com a mesa-redonda “Educação e Diversidade – Cultura Afro-Brasileira que ocorrerá nos dias 14 e 17 de setembro do corrente e que não conta com integrantes do NEAB/UDESC.
Mas quem é este ilustre desconhecido para o Departamento de Pedagogia? Um pouco de história. Em 2003, após nove anos de atividades isoladas de Ensino, Pesquisa e Extensão, voltadas ao combate das desigualdades raciais e a promoção das populações de origem africana, tornou-se necessário a consolidação formal, através da institucionalização na Universidade do Estado de Santa Catarina, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB/UDESC.
Como local acadêmico e científico de desenvolvimento de pesquisas, atividades de ensino e ações de extensão, o NEAB/UDESC tem sido capaz de aglutinar, coordenar e dar visibilidade aos múltiplos esforços de professores/as, estudantes e funcionários/as comprometidos/as com a defesa da educação pública brasileira e com a superação das muitas formas de desigualdade social.
Os projetos desenvolvidos no NEAB/UDESC articulam a produção, a transmissão e a apropriação de campos do conhecimento, em especial, das ciências sociais, humanas e políticas, que questionem os temas da diversidade, sobretudo, a diversidade etnicorracial, de gênero e de sexualidade. Entendemos - como uma questão fundamental as ações do NEAB/UDESC - a escolha política por uma abordagem didático-pedagógica (um eixo formador) voltado à garantia dos direitos fundamentais e a valorização da dignidade humana - condições essenciais para o enfrentamento das desigualdades e para a promoção da mobilidade social.
Entre o primeiro Ciclo de Debates sobre o Negro (1994) e a criação do NEAB/UDESC (2003), muitas experiências foram vivenciadas. Das antigas solidariedades individuais que tornaram possíveis os primeiros eventos, construímos, hoje, um dos mais enraizados projetos institucionais desenvolvidos em uma universidade brasileira. Desde 1994 foram mais de quarenta trabalhos acadêmicos, entre trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado e relatórios de pesquisa. Após discussões em torno da temática, foram criadas as disciplinas de História da África no Curso de Graduação em História e de Antropologia e Multiculturalismo no Curso de Pedagogia na Modalidade a Distância (23.000 alunos), História e Populações de Origem Africana no Curso de Especialização em História Social no Ensino Médio e Fundamental (04 edições), Educação das Relações Etnicorraciais no Curso de Pedagogia (2009). Além do Curso de Especialização em Educação, Relações Raciais e Multiculturalismo (1997-1999). Recentemente, os projetos do Núcleo tornaram-se campo de estágio para alunos/as de graduação dos cursos de Biblioteconomia, Geografia, Pedagogia e História.
Em 2004, colaboramos ativamente na articulação de centros e grupos de pesquisa espalhados por diversas regiões do país que constituiu o Consórcio dos NEABS, do qual um dos primeiros frutos foi o Acordo de Cooperação Institucional entre o MEC e os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e grupos correlatos. Acreditamos que o volume e significado das ações de pesquisa, ensino e extensão, realizadas em parceria com instituições universitárias, entidades do Movimento Negro catarinense e organizações anti-racistas, têm contribuído para mudança da cultura institucional de nossa universidade e de outras organizações públicas ou que servem aos propósitos públicos.
Ao longo do ano de 2005, realizamos com sucesso atividades de formação de professores/as, além de ações com a comunidade escolar catarinense, atingindo nove municípios e cerca de dez mil pessoas. No âmbito do fortalecimento institucional, foram efetivados encontros sistemáticos com gestores/as educacionais de quatro municípios que resultaram, via decreto municipal, em Programas Municipais de Diversidade Cultural na Educação nas cidades de Criciúma e Itajaí. A partir de 2006, com o apoio dos programas do MEC-SECAD, intitulados Programa de Ação Afirmativa para População Negra nas Universidades Públicas - UNIAFRO I e II, ampliamos o trabalho, intensificando a produção de material de suporte e interferindo nos programas municipais e estadual de formação continuada de docentes. Expandimos o número de programas municipais de diversidade e por meio de uma pesquisa, produzimos subsídios sobre realidade educacional dos/as afrodescendentes das redes públicas de ensino de quatro municípios das principais regiões do estado. Além disso, foram desenvolvidas as seguintes atividades: X Kizomba, nos municípios de Florianópolis, Biguaçú, Itajaí e Criciúma, atingindo cerca de 6.000 crianças e adolescentes; Seminário “Por uma educação das relações Etnicorraciais”, atingindo as Secretarias Municipais de Educação de Criciúma, Lages, Itajaí e Secretaria Estadual de Educação; II Seminário Multiculturalismo: História, Educação e Populações de Origem Africana e o II Curso de Extensão sobre História da África e Cultura Afro-Brasileira. Ainda desenvolvemos o suporte e integração aos/as gestores/as municipais e estadual de educação, iniciando-se em agosto de 2005 com os municípios de Florianópolis, Lages, Itajaí, São Bento do Sul, Biguaçu e Criciúma. Atingindo também as Secretarias Municipais de Educação destas cidades, assim como a Secretaria de Estado de Educação, Ciência e Tecnologia e Secretarias de Desenvolvimento Regional.
Também foram criados Grupos Gestores e Programas Municipais de Diversidade Étnica na Educação. A meta foi fortalecer os grupos já instituídos, bem como, manter a proposta de formação de professores/as de maneira mais abrangente, criando também novas fontes através da Pesquisa intitulada: Diagnóstico da realidade educacional de alunos/as afrodescendentes no Ensino Fundamental (municípios participantes: Florianópolis, Lages, Itajaí e Criciúma). Também foram realizados os eventos: mais uma edição da XI Kizomba – Jaraguá do Sul e III Seminário de Educação, Relações Raciais e Multiculturalismo. Outro objetivo alcançado com êxito foi a Produção Bibliográfica, com a publicação de 14 títulos nas áreas de ciências humanas e educação, incluindo o resultado da Pesquisa Diagnóstico citada acima.
E, tentando expandir as discussões às regiões mais longínquas do Estado de Santa Catarina, que necessitam e almeja formação nas temáticas, desde 2008, em parceria com o Centro de Ensino a Distância desta universidade, oferecemos alguns cursos a Distância, entendendo que esta modalidade pode, entre outros objetivos, propiciar uma democratização do ensino. Exemplos disto foram as duas edições do curso “Educação das Relações Étnico-raciais: A contribuição da Educação Multicultural” e as edições do curso “Introdução ao Pensamento de Edgar Morin”.
Por esta razão, tivemos aprovados projetos de extensão no Edital UNIAFRO IV (2009), Chamada Pública – Formação Continuada de Professores (2010), com recursos que totalizam cerca setecentos mil reais (R$700.000,00) e deverão beneficiar cerca de dois mil e setecentos (2.700) professores das redes oficiais de ensino de Santa Catarina.
Temos o mais antigo grupo de pesquisa da FAED (Multiculturalismo: História, Educação e Populações de Origem Africana), que conta com presença de professores, alunos de pós-graduação e estudantes de graduação. Recentemente, em parceria com as Universidade do Estado da Bahia, Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, Casa das Áfricas, Universidade do Estado de São Paulo, Universidade Federal de São João Del Rey, Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), Universidade Cheik Anta Diop (Senegal), Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais (França), a Rede Internacional de Estudos Africanos e da Diáspora e, no Brasil, na área de História, a articulação do Grupo de Trabalho Nacional de Estudos Africanos e da Diáspora, no âmbito da ANPUH (Associação Nacional dos Profissionais de História).
Tudo isto, todo nosso trabalho não parece ser importante para colaborar na formação de estudantes do Curso de Pedagogia, segundo os professores organizadores do evento PRAPEG.
Não é a primeira vez que isto ocorre, mas é hora de dar um basta nestas formas horrorosas e antiéticas de se trabalhar, como diria a professora Ilka Boaventura Leite, convidada para o evento, que apresenta a invisibilidade das experiências das populações negras na historiografia e memória do Estado de Santa Catarina. Cenas do nosso insidioso racismo cotidiano, aquele que nos violenta pela invisibilidade.
Tinha esperanças que estas práticas nefastas haviam sido abandonadas na FAED, mas pelo jeito elas insistem em retornar.
Lamentamos imensamente que isto aconteça e que tenhamos que chamar atenção para atitudes como estas de colegas, que no nosso caso, sempre buscamos reconhecer o trabalho realizado. Fazer o que? Mas como diz o samba de Jorge Aragão:
Muleque Atrevido


Quem foi que falou
Que eu não sou um moleque atrevido
Ganhei minha fama de bamba
No samba de roda
Fico feliz em saber
O que fiz pela música
Faça favor
Respeite quem pode chegar
Onde a gente chegou

Também somos linha de frente
De toda essa história
Nós somos do tempo do samba
Sem grana, sem glória
Não se discute talento
Nem seu argumento
Me faça o favor
Respeite quem pode chegar
Onde a gente chegou

E a gente chegou muito bem
Sem desmerecer a ninguém
Enfrentando no peito um certo preconceito
E muito desdém
Hoje em dia é fácil dizer
Essa música é nossa raiz
Tá chovendo de gente
Que fala de samba
E não sabe o que diz

Por isso vê lá onde pisa
Respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pode chegar onde a gente chegou
E quando chegar no terreiro procure primeiro
Saber quem eu sou
Respeite quem pode chegar onde a gente chegou



Atenciosamente,



Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso





À Senhora,
Profª Dra. Marlene de Fáveri
Diretora Geral da FAED
NESTA

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